segunda-feira, 9 de março de 2009

OS INDICADOS E OS OSCARIZADOS DO ANO

Fui um bocado ao cinema nesses últimos tempos, para aproveitar a avalanche de bons filmes que costuma invadir as telas nos primeiros meses do ano, motivada pela maior premiação do cinema - o Oscar. Eu não concordo de modo irrestrito com a escolha dos vencedores (não entendo como a Greta Garbo não foi premiada por "Camille", Gloria Swanson por "Sunset boulevard", e a Audrey Hepburn não foi sequer indicada por "My fair lady"), mas é inegável que os indicados recebem uma chancela de qualidade que raramente é contradita, daí minha curiosidade por vê-los.
O primeiro que vi foi "O curioso caso de Benjamin Button", pelo qual fiquei fascinada logo nas cenas iniciais, que narram a sina do filho do relojoeiro, morto na guerra, e a construção do relógio com o qual o homem simbolicamente buscava restituir o filho morto; e o nascimento de Benjamin, a correria que o pai empreende para aniquilá-lo e a adoção do menino ancião pela negra responsável pelo asilo. Mas infelizmente fui ficando menos fascinada conforme passavam os minutos, já que o filme perde sua força dramática conforme caminha para o final. Outra produção pródiga nas longas e bem decupadas tomadas, que engordam o crédito de diretor e montador, é "Quem quer ser um milionário": a cena de perseguição dos garotos indianos pobres por policiais, a qual vai dar numa favela cem vezes maior que qualquer outra que eu já tenha visto, é uma das mais emocionantes que eu já vi.
Aliás, se se puder medir a produção cinematográfica do ano pelo resultado do Oscar, este foi o das super-produções. Os 8 prêmios para "Quem quer ser..." deixam isso claro. Embora o filme seja fascinante, eu ainda uma vez não concordo. Não concordo mas entendo , já que, numa sociedade eminentemente visual, foi mais premiado aquele que pôde se utilizar mais dos rebuscados efeitos visuais para contar a história.
Daqueles que pude ver, o meu preferido foi "O Leitor". Saí do cinema muito feliz por ver que ainda fazem filmes nos quais a sutileza das interpretações e a agudez da crítica suplantam os gastos exagerados com efeitos visuais. Fui arrebatada pela espantosa coerência da personagem de Kate Winslet, alemã que pertenceu ao exército de Hitler, ao qual voltava uma obediência cega oriunda do treinamento recebido e juramento prestado - características que fazem eco aos textos históricos sobre o momento. A qualidade do trabalho de Kate - atriz que, se ainda não atingiu a perfeição, está muito próxima disso - faz jus ao denso papel que lhe atribuíram, daí a merecida indicação ao Oscar. A vitória no pário - e também no Bafta, no Globo de Ouro, apenas para mencionar os que tive conhecimento - foi mais do que merecida, tanto quanto, penso eu, a de Heath Ledger e de Sean Penn (aliás, eu devia ter entrado num bolão esse ano, pois foi a primeira vez que dei três chutes certos). Sobre esses, muito mereceria ser dito. Vou ainda ficar em débito, pois me resumirei a dizer que Ledger é o único elemento/personagem/artista que faz o Batman valer a pena; e sobre Sean Penn, bom, acho que os Estados Unidos, mais que qualquer outro país, precisa de filmes que mostram com contundência o que de vergonhoso houve em seu passado - e o preconceito contra os homossexuais é uma dessas manchas.
Espero ansiosamente mais filmes como esses. Porém, como penso que vou ter que esperar até o ano que vem, vou mergulhar novamente na minha coleção de filmes.

Abaixo, o download, pelo rapidshare, da cerimônia completa em inglês (não fui eu quem a postou, mas fiquei feliz por encontrá-la na net, pois a política Big Brother levada a cabo pela Rede Globo impediu a emissora de apresentar a cerimônia):
Parte 1; Parte 2; Parte 3; Parte 4; Parte 5; Parte 6; Parte 7; Parte 8.

PS: É absolutamente imprescindível assistir ao lindo Hugh Jackman dançando e cantando "Top hat, white ties and tail" (de Piccolino - "Top hat", 1935), junto com a Beyoncée.

domingo, 1 de março de 2009

Um filme muito especial de Hitchcock: “Quando fala o coração” (Spellbound, 1945)

Se me perguntassem por que admiro tanto o trabalho de Hitchcock, eu diria que é porque ele consegue ser muito popular sem, no entanto, perder a compostura. Não é a toa que, como ele próprio explicita naquela longa entrevista que deu a Truffaut, o grau de interesse que nutria pelos filmes os quais dirigia estava diretamente relacionado à admiração que o público lhes votava. 
A famosa sequência do sonho de Spellbound,
desenhada  por Salvador Dalí
Psicose, que levou multidões aos cinemas e rendeu milhões aos cofres da Paramont, parece ter sido um de seus preferidos. 
Sob o signo de capricórnio (Under Capricorn, 1949), em contrapartida, que recebeu uma acanhada recepção do público, mereceu diatribes do diretor: ele queria Ingrid Bergman como protagonista para satisfazer uma veleidade infantil sua (é o que ele diz ele nesse texto bastante revelador), pois ela era a maior atriz atuante na América à época e, supunha ele, o papel da inglesa que se destruía por amor lhe cairia como uma luva (mal sabia ele quão enfaticamente a vida não acabaria, neste caso, imitando a arte, anos mais tarde...). Mais: Hitchcock diz ter optado pelos plano-sequência (segmentos de aproximadamente 10 minutos de duração, sem cortes), mesmo sabendo que a fluidez da câmera não permitiria a construção de qualquer atmosfera de tensão, deixando o filme muito pouco parecido com um “Hitchcock movie”; e apenas ter se recusado a rejeitar o pagamento porque sua estrela recebeu rios de dinheiro e ele achava injusto deixar a empreitada com os bolsos vazios... 
Enfim, Hitch apresenta uma porção de argumentos para explicar o porquê de o público não ter ido ao cinema e o filme não ter sequer sido pago – exemplo claro de alguém que tinha um grande respeito pelos espectadores, ao ponto de ser, às vezes, injusto com sua própria produção, como acontece no caso de Sob o sigo de Capricórnio, um filme belíssimo. 
Trecho deletado da sequência
Essa preocupação - mais que cabível, aliás (graças às plateias o diretor tinha emprego) -, somada ao seu cuidado com as minúcias, conhecimento técnico e possibilidade de gastar largas quantias de dinheiro para transformar suas ideias em realidade, fizeram com que Hitchcock produzisse filmes, ao mesmo tempo, bem acabados e acessíveis ao público.
Isso, quando somado à sua ânsia por cutucar algumas feridas mais ou menos aparentes da sociedade, fazem com que sua obra ainda seja atual e consiga agradar não apenas meia dúzia de intelectuais – como usualmente acontece com as obras dos mestres – mas o público comum, que vai ao cinema para se divertir, se empolgar com as cenas de perseguição ou se emocionar com uma história de amor. 
Michael Chekhov, filho do célebre dramaturgo homônimo, 
foi indicado ao Oscar por sua atuação como o psiquiatra Alexander Brulov 
Há um pouco de tudo isso em Quando fala o coração, um dos meus Hitchs preferidos, tão especial para mim, já que me abriu as portas ao mundo do diretor e de sua estrela (uma das atrizes preferidas, dele e minha).
O plot paga inegável tributo ao melodrama. A personagem de Ingrid, séria e profissional psiquiatra de um asilo de lunáticos, apaixona-se à primeira vista por um colega de trabalho que ela, não muito mais tarde, descobrirá ser o principal suspeito do assassinato de um psiquiatra da casa - psiquiatra do qual ele, que sofre de amnésia, resolve tomar o lugar... A descoberta fará com que ela empreenda, com o rapaz, uma viagem física e psíquica, no intuito de sanar a patologia que o acomete e, enfim, livrá-lo da cadeia. 
Will he kiss me or kill me?
No entanto, a despeito da história de amor batida e do pseudo-freudianismo em volta do qual gira a trama, o filme é fascinante, e isso se deve ao modo como isso tudo é contado.
A simbologia dos óculos da personagem da médica, os quais, na medida em que ela os usa ou deixa de usá-los, mimetizam a sua aproximação e distanciamento do espaço exato da Ciência; as sete portas que se abrem quando ela percebe-se enamorada do médico; a inversão dos costumes vigentes – a força da mulher, que não raro veste pijamas masculinos e gravata – e a fragilidade do homem. Há também uma acertada escolha do preto-e-branco, num momento em que importantes filmes haviam sido rodados em cores, o que aumenta o clima de tensão da trama: enfatiza as linhas pretas na superfície branca, as quais tão funda impressão deixam no rapaz (são marcas de esquis sobre a neve que estão no subconsciente da personagem, resquícios do crime por ele testemunhado e esquecido). 
E há, acima de tudo, a Ingrid Bergman. Grande e inimitável Ingrid Bergman, que, ao contrário de algumas divas da Era de Ouro do cinema, não temia se enfear quando isso era pedido pelo papel: o modo como ela se transforma da fria e masculinizada médica – “é surpreendente quando a gente descobre que não era o que supunha” – numa bela mulher, iluminada de dentro para fora, é exemplo claro, num só tempo, de seu desapego e competência. 
Quando fala o coração é uma das produções de Hitchcock em que ele realizou cabalmente o intuito de saciar o gosto do público – tanto que é bem possível assistir ao filme comendo pipoca sem se engasgar com ela – sem que, com isso, abdicasse de seus ideais estéticos. Como eu estou feliz por ele ter sido bem sucedido nesta empreitada!...