domingo, 20 de dezembro de 2009

"Walking in the Winter Wonderland"

Muitos anos antes de aprender que o clima natalino quase palpável não passava de uma mistificação do mercado para induzir os consumidores a gastar dinheiro, o Natal era a minha época favorita. Agora que estou um pouquinho mais velha e sábia (e cética...), noto espantada que aquela sensação antiga ainda continua a mesma. Ainda continuo indo ao Shopping Iguatemi, não mais para pegar na mão os flocos de neve de mentira jogados de meia em meia hora do alto do estabelecimento (até porque faz 15 anos que o shopping parou de ensaboar os clientes com aquela mistura de água e sabão em pó), mas para ver a tradicional arrumação de Natal, abanar a mão para o Papai Noel (não posso mais me sentar no colo dele) e comprar enfeitinhos nas Lojas Americanas ao som da Simone cantando "Então é Natal...". A conclusão a que chego (não menos espantada) é que, embora algumas coisas sejam piegas, são elas que dão sentido para nossas vidas... O Macaulay Culkin entregando a pombinha da amizade para sua amiga bizarra que trata as pombas do parque no "Esqueceram de mim" (1992) me emociona até às lágrimas desde que eu era criança. Não menos que o solitário Senhor Matuschek da "Loja da Esquina" (1940) quando ele entrega aos seus funcionários a tão esperada bonificação e leva o rapazinho pobre que recém contratara para uma "verdadeira" ceia natalina. Pouco importa que esses e tantos outros personagens saiam de galochas e sobretudo sob a neve, enquanto eu os vejo com o ventilador ligado num calor que passa dos 30 graus. Isso decididamente não tem importância, porque me pego cantando "Winter Wonderland" e "White Christmas" dezenas de vezes por dia nessa época do ano, mesmo que estejamos no meio do verão e o pé de acerola daqui de casa esteja todo verde e vermelho. Essas canções e filmes têm gosto de infância, lembram-me de quando eu esperava o Papai Noel acordada, por isso sou tão grata por Hollywood ter perpetuado a "magia do Natal". A indústria do cinema pode ser até ser piegas, mas ela me faz muito feliz...
Quero transmitir um pouco desse clima a todos os amigos blogueiros que fiz por aqui. A todos, um grande abraço - tão grande quanto este que a Audrey está dando no Papai Noel. E ao som de "Winter Wonderland" cantado pela queridíssima DoDo.

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Melodrama no cinema: o mocinho vampiro, o Cinema Paradiso e outras cositas mais

Este post está saindo 15 dias atrasado. Uma overdose inevitável de trabalho impediu-me de escrevê-lo antes, o que é uma pena, porque, do contrário, teria conseguido registrar com mais fidedignidade a reação do público feminino presente na sessão a que assisti de "Lua Nova" (New Moon, 2009) - versão cinematográfica do romance-febre de Stephenie Meyer. Gritinhos, mais gritinhos... Suspiros, mais suspiros... O belo vampiro cavalheiro, meio Mr. Darcy, meio Superman, está levando as mocinhas à loucura. Lembram-se que, ao final de meu último post, comentei sobre as estudantes adolescentes que sonhavam com um namorado vampiro? Não pareceu ser diferente com as centenas de garotas que assistiram à mesma sessão de cinema que eu. Ao sair do cinema, lembrei-me da reação que eu e minhas amigas tivemos 12 anos atrás, nas sessões do "Titanic" às quais assistimos (foram várias...), quando os olhos de Leonardo Di Caprio apareciam na tela pela primeira vez. E aí, deixei de lado todo o meu ceticismo para tentar entender o que um bom melodrama faz com o público - especialmente o feminino.
Deixarei de lado detalhes sobre a introdução desse gênero no cinema e o poder da imagem cinematográfica, coisa que comentei no post passado, para me concentrar nas características do melodrama teatral - que passaram à literatura folhetinesca, ao cinema, à telenovela....
Thomasseau, estudioso do gênero, aponta que seu surgimento ocorreu na França do começo do século XIX, momento em que o público pós revolução francesa ansiava por enredos em que os tiranos eram punidos no final da história. O público alvo era os indivíduos iletrados. Por esse motivo, os enredos eram movimentados; os caracteres eram totalmente bons ou ruins e os bons triunfavam sobre os maus no final. O mundo do melodrama clássico era linear, claro, e os personagens sempre serviam a um moralismo fácil.

Todos que tiverem lido essa definição certamente têm na ponta da língua o nome de um filme que se encaixa no gênero. É muito difícil não ter, uma vez que esse foi - e é - o gênero preferido por cineastas do mundo todo. O que seriam aquelas três movimentadas horas do "Titanic" - com direito à perseguição do mocinho pobre e abnegado (que morre no final para salvar a sua Rose) por um vilão milionário e tremendamente cruel - senão a consumação do gênero? A partir daí, fica fácil o paralelo entre o mocinho e o bandido de Titanic e os vampiros bonzinhos e malvados da saga de Meyer. Um detalhe irresistivelmente risível do último exemplo é a explicação que Edward (o Superman Mr. Darcy) dá a Bella sobre os hábitos dos seres da espécie dele: não nos consideramos carnívoros, pois apenas tomamos sangue de animais, não de humanos. O "Casseta e Planeta", num de seus raros momentos de inspiração, deu uma resposta hilária ao paradoxo, ao colocar um arremedo de vampiro vegetariano se lambuzando com uma beterraba...
A aproximação entre as historinhas de Meyers e o melodrama não para por aí. O vampiro "vegetariano" brilha ao sol - a mocinha solta suspiros de emoção em "Crepúsculo" ("Twilight", 2008) ao vê-lo "ao natural" - retomando aquilo que fala Thomasseau sobre os traços característicos dos personagens melodramáticos extrapolarem o interior dos mesmos para se instalarem no seu exterior. É verdade que Edward é um vampiro - característica eminentemente negativa, como vimos no post passado - mas ele é bom, íntegro e incrivelmente belo (sua beleza até resplende...). Não bastasse isso, ele fala para a sua Bella as coisas mais doces (mais que doces, açucaradas, melosas) que um homem jamais falaria para uma mulher: "Você é minha vida agora"; "Se eu pudesse sonhar, sonharia contigo"; "Cuide de meu coração, eu o deixei contigo"; "Durma, minha Bella. Sempre serei seu. Durma, meu único amor.'". Desculpem-me os românticos de plantão, mas, credo... Não consigo ouvir essas frases sem rir. Aliás, ao ouvir o vampirinho chamando a moça de "My only love", invariavelmente me lembro do pasteleiro Beiçola da "Grande Família" chamando Nenê de "My true love." e aí sim é que me divirto - porque, para mim, essas frases pseudo-românticas só funcionam hoje na comédia.
Mas não é bem isso o que acontece. O Edward da versão cinematográfica de "Lua Nova" é um dos personagens mais frágeis dos últimos tempos. Ele fala exclusivamente frases feitas, é um livrinho de poesia barata ambulante, semelhante àqueles que nossas mães mantinham quando tinham 15 anos. Porém, o mais irônico é que ele faz o maior sucesso não apenas entre as mocinhas de 15 anos - idade de nossas mamães quando copiavam as tais poesias dos caderninhos das amigas - mas também entre as mulheres feitas. A proposta de casamento de Edward a Bella, cena que fecha o filme, foi acompanhada por um suspiro geral das crianças, moças e mulheres crescidas que lotavam a sala - os únicos que não a acompanharam foram eu, meu pai e o homem responsável por um grupo de garotas... Meu lado feminista se revolta, mas não tanto que me impeça de refletir sobre a reação exaltada. A primeira e mais clara conclusão diz respeito ao poder que a imagem tem de conquistar o público. A segunda, e não tão clara é que, em detrimento da evolução nos meios de comunicação, da liberação sexual e da conquista da igualdade (ao menos teórica) entre homens e mulheres, o sexo feminino continua se afirmando como o tolo, o piegas e o frágil. Enfin...


Filme que faz uma bela leitura sobre o interesse que os filmes (especialmente melodramas) despertam no público é o "Cinema Paradiso" (Nuovo Cinema Paradiso, 1988), que tive o prazer de rever antes de assumir aquela overdose de trabalho sobre a qual me referi. Giuseppe Tornatore faz uma escolha de mestre ao tomar uma cidadezinha italiana como palco de sua história. Desde os primeiros tempos do cinema, os críticos se referem ao potencial de fuga da realidade que tinham as imagens em movimento - fuga buscada especialmente pela população que vivia em situação financeira precária. A cidadezinha saída da imaginação do cineasta é igual a tantas outras dos anos 40 em que a vida social girava em torno da religião e do cinema - e, ironicamente, ambos os eventos ocorriam no mesmo lugar, na igrejinha da cidade, sob os olhos severos do padre que censurava os ósculos cinematográficos.
O evento que se sobressai é indubitavelmente o cinema. Não era atoa que o coroinha se esgueirava pela igreja desejoso de acompanhar o trabalho de censura do padre para pôr os olhos nos beijos proibidos. Ou que o público frequentador do cinema torcesse para os mocinhos, vaiasse os vilões e aplaudisse a vitória do bem sobre o mal ao fim das películas, suspirando quando os rostos dos casais apaixonados enchiam as telas. Muitas daquelas cenas que acompanhamos junto com a cidadezinha absorta são exemplos do melodrama: o casal que sofre até o último momento para só aí atingir a felicidade, o herói que consegue subjulgar o vilão ao final. Até mesmo o romance que o garotinho - agora o jovem projetista do "Nuovo Cinema Paradiso" - vive com a mocinha rica são tributários do gênero.

Porém, quanta diferença entre "Cinema Paradiso" e "Lua Nova"...
O filme de Tornatore é, do começo ao fim, uma linda ode a cinema e, porque não dizer, ao cinema melodramático - gênero que mais seduziu platéias ao longo dos tempos. Ele até mesmo acaba na tradicional cena de beijo, na qual se multiplicam os inúmeros ósculos outrora censurados pelo padre e agora editados pelo velho projetista como presente ao rapazinho que cresceu amando o cinema. No entanto, Tornatore tem um jeito todo especial para tratar os lugares comuns, tantas vezes diluindo-os no humor e mergulhando-os na mais bela trilha sonora que já ouvi. Enquanto isso, "Lua Nova" resvala na pieguice dos personagens artificiais desempenhados por "artistas" não menos artificiais - que pena da personagem da mocinha que deseja desesperadamente ser mordida pelo vampiro, a qual é desempenhada por uma atriz tão inexpressiva que parece estar mais morta que o personagem do herói.
Sim, concordo que é maldade levar um filme como "Lua Nova" tão a sério. Mas, afinal, por que não, quando não fazemos nada mais que exercer o direito sagrado daqueles que pagaram o ingresso e que têm no peito algo mais substancial do que uma vermelhíssima maçã do amor?...


O vampiro vegetariano é homenageado pela SET de novembro: