Antes de tudo a música, disse Verlaine naquela síntese perfeita da arte simbolista que é “Arte Poética”.
O poeta fala da musicalidade dos versos. Pede a imagem vaga, solúvel e cinza; os olhos semiescondidos pelo véu; a nuance; o lusco-fusco. Mas podemos flanar com suas asas da literatura ao cinema, que é também uma espécie de música, cujos planos-notas se costuram em busca de sentidos que são, tantas vezes, mais sensórios que pragmáticos.
O cinema desde quase sempre se serviu dessa sua meia-irmã que é a música. Na recente produção da qual me ocupo agora, ele o faz não apenas no que toca à trilha sonora; transforma a música no tema central da trama.
“A música nunca parou” é um melodrama. Aproveita-se, portanto, plenamente do sentido primordial do vocábulo que define o gênero: "drama acompanhado de música". As canções o inundam (assim como, não raras vezes, inundam-se os olhos dos espectadores, comovidos mais pelo incompreensível cadinho de emoções que a música suscita que pela ação melodramática).
A música tolhe a análise crítica objetiva, isenta. Falo muito com o coração e pouco com a razão. Li há pouco que mesmo Freud enxergava, na música, um componente sexual que não podia explicar de modo pleno. Já Mário de Andrade, um largo conhecedor de música, atrela-a ao que há de universal, seu caráter evanescente contrapondo-se às tão objetivas palavras (que, em sua concretude, limitam o entendimento às fronteiras geográficas).
O elemento emocional inerente à música é trabalhado com afinco por esta obra norte-americana de 2011 (dirigida por Jim Kohlberg, roteito de Gwyn Lurie e Gary Marks) que chega ao Brasil com três anos de atraso.
Ela ficcionaliza sobre um caso clínico verídico, reportado pelo Dr. Oliver Sacks, caso no qual a poesia de M. Verlaine faz-se obra: “o indeciso se une ao preciso”. A Exata ciência médica dá a mão à arte para tratar do sujeito (Lou Taylor Pucci) que perde, para um tumor, as porções do cérebro responsáveis por formar novas memórias e dar acesso às antigas. Os acordes iniciais da Marselhesa – que o rapaz se põe a tocar aparentemente por acaso – colocam-no no caminho de uma músico-terapeuta (Julia Ormond). Outro acaso fará a estudiosa descobrir que a responsável por tirar o rapaz da inação é All you need is love, canção dos Beatles que abre com os tais acordes.
Ajudada pelo repertório musical dos anos 60, a terapeuta executará a exegese no cérebro do moço. A história se passa nos 80. Vinte anos antes, ele era um jovem que o rock and roll talhara à aventura. Joplin, Beatles e Dylan levaram-no efusivamente do pai conservador (J. K. Simmons) até a tão propalada liberdade. Quereria o destino que pai e filho fossem reunidos pelos mesmos músicos, agora fantasmas impressos nos bolachões.
A história bonita é contada com delicadeza por um melodrama clássico – muitos flashbacks apresentam o público ao pai que ensina ao filhinho o cancioneiro norte-americano; e ao rapaz rebelde a quem os ídolos do rock ensinam o repúdio à guerra e ao status quo.
A música de um e/ou d’outro tempo irá tocar o espectador com mais ou menos força, devido à mesma forma de associação que salvará o rapaz da perda de sua história. Eu me lembrei de como, onde e por que escutei Beatles, Doris Day, Bob Dylan e Judy Garland pela primeira vez, e inundei o cinema... E porque a agulha da fantasia tece as memórias usando-se de moldes originalíssimos, o rosto de Julia Ormond, a músico-terapeuta da história, me levou até os meus 16 anos – áureos tempos em que eu não tinha uma tese com que me preocupar –, à trilha sonora de sua “Sabrina” e à Paris de 2012, na qual vivi como que em sonho, mesmo tendo habitado lá pessoalmente...
Oii
ResponderExcluirNão assisti esse filme, embora não saiba por que, pois eu lembro de ter visto o trailer e me interessado pela estória rs adorei seu texto bjs
Muito bom o post vou sempre visitar seu blog !!
ResponderExcluirMaira, veja o filme que você vai curtir!
ResponderExcluirBjs e obrigada pelo elogio! Obrigado a você também, anônimo com pinta de spam ;D
vou ver sim, obrigada pela dica! Adorei o "anônimo com pinta de spam" hahahaha bjos
ResponderExcluir:D :D Maira.
ResponderExcluirBjocas