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Nessa semana, voltei ao cinema para rever o filme que vi na semana passada. Como tenho muito menos tempo de ir ao cinema do que gostaria, raramente costumo fazer isso. O porquê de tê-lo feito talvez se explique na voz do beberrão Pablo Sandoval do filme argentino “ El Secreto de sus ojos”, (2009): “Una passión es uma passión”. Melhor não dizer muito mais do que isso mesmo. Agora, mais do que nunca, ando acreditando que o raciocínio lógico pode pouco quando é submetido a um sentimento de empatia que surge de modo quase que inexplicável e toca a alma.
Como explicar “El Secreto de sus ojos”?
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É certo que ele não é um filme originalíssimo. Eu poderia listar as razões disso. Para começar, a love story açucarada e algo inverossímil de Irene e Benjamin – um amor à primeira vista, recíproco, mas que só se concretiza depois de 25 anos, é algo aceitável nos folhetins cinematográficos dos anos 40, não no ano de 2010, mesmo que retrate um acontecimento que teve lugar em meados de 1970 - ápice, aliás, da revolução sexual feminina. Aí o leitor me pergunta: mas então essa fantasia adolescente fora de época é dispensável.
Ao contrário. O filme é absolutamente imperdível. Belíssimo e divertido. Um “Aconteceu naquela noite” moderno. Não porque a narrativa dele tenha alguma relação com a película norte-americana. Talvez porque ambos trabalhem um mesmo símbolo. O casal que tem uma química impecável, mas que vive trocando farpas, remete ao arquétipo dos opostos que se atraem.
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Lembrei-me do tour de force de Claudete Colbert e Clark Gable enquanto via o filme. Deliciei-me no cinema assistindo a uma comédia física e a um humor refinado bastante tributários das screwball comedies que vejo na sala de minha casa em branco-e-preto e tanto amo. Vê-los na tela grande foi um deleite.
Por outro lado, o filme tem uma visada moderna muito bem vinda. A trama se constrói sobre um caso de violência sexual seguida de assassinato, e isso é pintado com todas as cores, na explícita nudez da moça estuprada, no sangue que lhe empapa o corpo, nas genitálias do estuprador que se trai nas mãos da advogada e agente federal Irene. Entremeiam-na os atos estapafúrdios e ditos cômicos proferidos pelo Don Juan beberrão Sandoval, para a diversão e o desespero de Irene e Benjamin.
É certo que o artifício de se entremear cenas cômicas e dramáticas é velhíssimo – remonta ao menos ao melodrama, para ficarmos nesse gênero tão querido pelo cinema e não nos remetermos às tragédias de Shakespeare ou aos mistérios medievais. Aliás, sua própria idade mostra quão eficiente ele é.
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Contudo, quem costuma passar os olhos na produção cinematográfica contemporânea percebe como é difícil tirar rendimento cênico desta receita. “O segredo...” consegue-o magistralmente. A reação do auxiliar de departamento Benjamin quando vê o corpo da morta, segundos depois de ter feito pilhéria sobre a tarefa da qual fora incumbido, é comovente. Seus olhos inquirem os olhos da vítima, sem vida e repletos de perplexidade. Eles o cativam. Sua missão, dali em diante, será ler aquilo que eles tentam dizer. O percurso leva-o ao álbum de fotografias da moça, guardado religiosamente por seu marido, como se os retratos fossem emanação dela, guardassem sua aura. Nos olhos com que um namorado de adolescência da morta a olha, Benjamin encontra a confissão de um crime que ainda estaria por vir.
Apenas Benjamin pode enxergar a confissão do amor no olhar do futuro criminoso passional, pois os olhos com que o próprio Benjamin sempre fitava sua supervisora também o traiam. “Ele olha adorando-a. Seus olhos dizem demais. Melhor seria que se calassem.”, Benjamin relembra a Irene 25 anos depois, também olhando-a no fundo dos olhos, confessando ainda uma vez o que sente. Tão piegas, mas narrado de um modo irresistivelmente bonito...
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Os olhos do assassino, os olhos de Benjamin...
O modo como a narrativa é conduzida, aliás, é um dos pontos altos do filme. Os muitos flashbacks dos anos 70 constroem simbolicamente a presença indelével do passado no presente. A história é narrada quase em sua totalidade a partir do ponto de vista do protagonista. O romance sobre o episódio violento, escrito por ele 25 anos após o ocorrido, aponta sua preferência por viver o passado em detrimento do presente. Seu presente é vazio, tão cheio de “nadas” quanto a existência do esposo da moça assassinada (e quanto a existência que este tantas vezes reiterava desejar para o assassino dela). Benjamin revisita o passado lançando nele os olhos do presente. Quando se vê só, resolve desenterrar o caso da jovem professora morta. Não porque precisava lançar luzes sobre ele, mas porque a história passional parecia demasiadamente enlaçada à que vivera com Irene. Revelá-la significava trazer sua própria história de amor à baila, finalmente revelá-la e, quem sabe, modificar o seu desfecho.
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Todas essas peças são bem amarradas no final: na coesão da atitude do marido da vítima; nas letras da velha Olivetti desde sempre usada pelo protagonista que finalmente o ajudam a dizer algo que ele temia verbalizar... E as atuações – especialmente de Ricardo Darín; Soledad Villamil e Guillermo Francella - são tão apaixonantes quanto a história. O que eu estou dizendo? São as grandes responsáveis pela história ser tão apaixonante. Vi que a dupla de protagonistas co-atuou noutra película, “El mismo amor, la misma lluvia” (1999), sob a batuta do mesmo diretor Juan José Campanella. Vou vê-lo... É tão bom descobrir caminhos que levam a outros lugares além de Hollywood...
Aliás, a Academia de Artes Cinematográficas premiou a película com o Oscar de melhor filme estrangeiro. Infelizmente pouco posso dizer dos demais concorrentes à categoria, que, pelo que ouvi, arrolou coisas muito mais interessantes que a referente aos títulos da casa. Está mais do que claro que aconselho uma visita ao filme, não?