Dia 7, sexta-feira, 10 de outubro
A produção alemã da UFA “Die dame mit der maske” (The Lady with the Mask, 1928), dirigida por Wilhelm Thiele, constou em programa único, ontem. Emerge nela o colapso social alemão que se seguiu à Primeira Grande Guerra.
No interior de uma casa de penhores situada num subsolo, tomadas dramáticas flagram a janela a silhueta de uma mulher refinada que ali entrará para deixar o casaco de pele em troca de dinheiro para quitar os seus gastos básicos. Ela é Doris von Seefeld (Arlette Marchal), e, ao se retirar, é seguida por Alexandre von Illagin (Wladimir Gaidarow) – que, como nós, a observava. Ele recomenda-lhe um teatro de vaudeville no qual recentemente se empregara. Ela segue a sugestão do desconhecido e, assim, conhecerá a ruína. Não por conta da ausência de sucesso. Doris torna-se vedete da companhia, a mulher mascarada que arranca suspiro da população alemã. Escondida atrás da máscara, Doris protege a sua identidade e, por consequência, a reputação do pai, um aristocrata falido e demasiadamente afeito à moral e aos bons costumes. Tudo muda, no entanto, quando a moça é literalmente desmascarada e, com isso, passa a ser insistentemente requestada pelo empresário Otto Hanke (Heinrich George), que mesmo a ameaça denunciá-la ao pai, caso ela o rejeite.
A trama faz uma ótima caracterização do bas-fond alemão: a ânsia da busca por diversão, mesmo que ela denote o comércio de carne humana; as inúmeras coristas a quem a entrega carnal parece ser, naquela situação econômica, a única forma de ascensão social (dentre elas, Dita Parlo, que se transformaria numa diva do cinema alemão).
Há uma ousadia desusada sobretudo no que diz respeito à presença de pele feminina à mostra, o que, segundo aponta Miranda Reason no Catálogo da Giornate, quase levou a obra a ser censurada. Ademais, há na obra tomadas de grande força dramática, a exemplo daquela em que Doris, dançando mascarada, vê Otto em todos os rostos que a assistem, mal imaginando que entre o público encontra-se o pai dela. No entanto, se “Die dame mit der maske” promove uma investigação dos meandros sociais com tônus naturalista/expressionista, o filme, ao mesmo tempo, bebe desabridamente das convenções do gênero melodramático, estratégia que dá ao conjunto pouca organicidade. Veja-se o papel do namorado da protagonista da narrativa na economia cênica, sobretudo o seu esforço de recuperar uma bota que perdera, em cujo salto ele escondera as joias que os tornariam ricos – botas que ele surpreendentemente reencontra (no entanto, precisamos destacar a cena deste encontro, impagável em sua tragicomicidade) –, pouco depois de ter rompido com a mocinha por julgá-la amante do homem que a perseguia.
Neste sentido, igualmente, a história termina num happy ending inesperado e algo postiço, dada a natureza trágica da história narrada: vinda de escapar de uma agressão sexual de Otto, Doris reencontra o namorado, descobre as novas referentes às joias e, depois de se explicar, ambos se reconciliam. Vemo-los, no desfecho da história, dentro de uma idealização conjunta: ambos se imaginam belos, perfumados e bem-vestidos, na carruagem que os levaria a um evento noturno – ao fim e ao cabo, a felicidade encontra-se nas posses materiais, o que não deixa de ser uma visada cínica à existência.
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