quarta-feira, 8 de outubro de 2025

Giornate del Cinema Muto de Pordenone 2025 - Dia 4


Dia 4, terça-feira, 7 de outubro 

Ontem, a Giornate online exibiu “Gli ultimi giorni di Pompei” (The last days of Pompeii/Os últimos dias de Pompeia), de Eleuterio Rodolfi, lançado pela Ambrosio de Torino em 1913. O restauro da obra foi realizado em 2006 no laboratório L’immagine Ritrovata, de Bolonha, e coube ao Museo Nazionale del Cinema di Torino e à Cineteca del Comune di Bologna, como parte de um projeto de fomento à preservação e à promoção de obras produzidas na primeira cidade. Foram usadas como fontes duas cópias positivas embebidas e viradas em nitrato, conservadas na Friedrich W. Murnau Stiftung de Wiesbaden e na Cineteca Italiana di Milano. O acompanhamento musical ficou a cargo de Gabriel Thibaudeau. 
A obra impressiona pela magnificência, não só no que diz respeito às características técnicas da cópia – semelhantes ao filme “The white Heather”, visto dois dias atrás –, mas à sua duração de quase duas horas (107 minutos). Não resisti à tentação de vasculhar a Hemeroteca da FBN em busca de informações sobre a obra, rapidamente, como cabe a essas notas escritas no calor do momento. A revista A Fita, de Santos (ano IV, n. 58), informa sobre a sua exibição em maio de 1914, e em suas páginas as notas sobre o filme (exibido de cabo a rabo numa mesma sessão) convergem com trechos do romance de Edward Bulwer-Lytton, no qual a obra foi baseada, o que testemunha a espectatorialidade específica daquele período, em que o cinema tanto dialogava com a imprensa.
"Por teatros e cinemas", em A Fita.
 
Embora o ponto culminante da obra seja a debacle de Pompeia, ela se centra na personagem de Ione (Eugenia Tettoni Florio) – tanto que a versão brasileira da fita é batizada com o nome dela, como se vê no anúncio da revista santista –, jovem escravizada cega que se apaixona por Glauco (Ubaldo Stefani) quando ele se apieda dela e a compra de sua tirana proprietária. 
A obra exacerba a dicotomia entre o sofrimento e o idílio ao fazer com que primeiro a jovem implore para que os cidadãos comprem as suas flores, ou arraste-se pelas ruas da cidade para entregar seus parcos lucros à sua dona – apanhando dela; e, depois, cubra de flores o chão sobre o qual Glauco pisa: “Agora ela é feliz”, atesta o intertítulo. 
A felicidade, no entanto, dura pouco, pois Glauco apaixona-se reciprocamente por Nidia (Fernanda Negri Pouget), e ambos passam a viver um idílio que fere tão vivamente Ione que ela consegue com a feiticeira local, mancomunada com o clérigo Arbace (Antonio Grisanti), uma poção do amor. O vilânico religioso faz emergir o ressentimento que nutre por Glauco e entrega à jovem um líquido que o faz enlouquecer, desdobramento que ocorre paripassu ao lançamento das primeiras bolas de fogo pelo Vesúvio. 
Aproveitando-se da instabilidade mental do rapaz, Arbaces aproveita para acusá-lo de um crime que ele – Arbaces – cometeu. Assim, paralelamente, acompanhamos o esforço da jovem Ione de se evadir da prisão em que o vilão a introduziu, já que ela testemunhou o crime, e o percurso do insano e alheado Glauco, dos pés do templo onde o crime foi cometido até o Coliseu, onde ele se transformaria em personagem principal de um espetáculo de gladiadores, como pena para o seu suposto crime. 
A obra circula estritamente nos limites do melodrama. No desfecho, a jovem Ione recebe o perdão (divino), ao não apenas conseguir evadir-se da prisão, mas também salvar Glauco – que, em meio ao cataclismo, recobra a sanidade e vai em busca de Nidia – e colocar os pombinhos (a metáfora é também usada cinematograficamente) na embarcação que os salvaria, acabando por perecer nas águas que margeiam o vulcão como uma outra Ofélia, referência imagética tão cara à época. 
Do ponto de vista da cenografia, do cenário e da técnica cinematográfica, no entanto, a obra alça voos. Mesmo a inverossímil perseguição de Ione ao casal enamorado – considerando-se que ela é cega, e a obra enfatiza o seu andar cambaleante – rende algumas tomadas que valorizam a profundidade da cena, e dão a ver a cuidadosa construção dos cenários e da cenografia concernentes à cidade, que a materializam quase sempre com impressionante realismo: as ruas, as tabernas, o templo, as casas aristocráticas e os usos e costumes de seus habitantes, o circo de gladiadores – repleto de gente e de bichos mesmo selvagens –, bem como a destruição de tudo pelo cataclisma. E tudo isso colorido com uma sensualidade que mimetiza a forma do filme. 
Vendo “Os últimos dias de Pompeia”, não espanta a empolgação dos cronistas contemporâneos com o papel educativo que teria o cinema: “O estudo da psicologia, da química, da biologia, da botânica e da história em todos os seus ramos será evolucionado pelo cinematógrafo”, certo cronista da Fon-Fon diria um pouco mais tarde (Block Notes Mundial, 14 ago. 1915). 
Embora o ponto culminante da história seja a erupção do Vesúvio, ela é o que de menos empolgante há na obra, por suas duplas exposições demasiadamente perceptíveis. Porém, a obra é um épico. A armação do enredo e o percurso até a tragédia são memoráveis: vejam-se as longas tomadas, que se debruçam com vagar sobre os personagens – sempre bem-enquadrados, de modo à sua disposição na cena contar melhor a história que os intertítulos (influência de séculos de bom teatro) –, convidando-nos à sua leitura. Estamos em 1913. Em breve, o cinema europeu seria ralentado por conta da guerra, e ao fim da conflagração perderia espaço para o norte-americano, que tantos diálogos estabeleceu com ele, mas cuja técnica em tantos pontos se afasta. Assim, “Os últimos dias de Pompeia” torna-se testamento das culminâncias que o cinema europeu atingiu à época.

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