Dia 4, terça-feira, 7 de outubro
Ontem, a Giornate online exibiu “Gli ultimi giorni di Pompei” (The last days of Pompeii/Os últimos dias de Pompeia), de Eleuterio Rodolfi, lançado pela Ambrosio de Torino em 1913. O restauro da obra foi realizado em 2006 no laboratório L’immagine Ritrovata, de Bolonha, e coube ao Museo Nazionale del Cinema di Torino e à Cineteca del Comune di Bologna, como parte de um projeto de fomento à preservação e à promoção de obras produzidas na primeira cidade. Foram usadas como fontes duas cópias positivas embebidas e viradas em nitrato, conservadas na Friedrich W. Murnau Stiftung de Wiesbaden e na Cineteca Italiana di Milano. O acompanhamento musical ficou a cargo de Gabriel Thibaudeau.

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"Por teatros e cinemas", em A Fita. |
Embora o ponto culminante da obra seja a debacle de Pompeia, ela se centra na personagem de Ione (Eugenia Tettoni Florio) – tanto que a versão brasileira da fita é batizada com o nome dela, como se vê no anúncio da revista santista –, jovem escravizada cega que se apaixona por Glauco (Ubaldo Stefani) quando ele se apieda dela e a compra de sua tirana proprietária.

A felicidade, no entanto, dura pouco, pois Glauco apaixona-se reciprocamente por Nidia (Fernanda Negri Pouget), e ambos passam a viver um idílio que fere tão vivamente Ione que ela consegue com a feiticeira local, mancomunada com o clérigo Arbace (Antonio Grisanti), uma poção do amor. O vilânico religioso faz emergir o ressentimento que nutre por Glauco e entrega à jovem um líquido que o faz enlouquecer, desdobramento que ocorre paripassu ao lançamento das primeiras bolas de fogo pelo Vesúvio.

A obra circula estritamente nos limites do melodrama. No desfecho, a jovem Ione recebe o perdão (divino), ao não apenas conseguir evadir-se da prisão, mas também salvar Glauco – que, em meio ao cataclismo, recobra a sanidade e vai em busca de Nidia – e colocar os pombinhos (a metáfora é também usada cinematograficamente) na embarcação que os salvaria, acabando por perecer nas águas que margeiam o vulcão como uma outra Ofélia, referência imagética tão cara à época.
Do ponto de vista da cenografia, do cenário e da técnica cinematográfica, no entanto, a obra alça voos. Mesmo a inverossímil perseguição de Ione ao casal enamorado – considerando-se que ela é cega, e a obra enfatiza o seu andar cambaleante – rende algumas tomadas que valorizam a profundidade da cena, e dão a ver a cuidadosa construção dos cenários e da cenografia concernentes à cidade, que a materializam quase sempre com impressionante realismo: as ruas, as tabernas, o templo, as casas aristocráticas e os usos e costumes de seus habitantes, o circo de gladiadores – repleto de gente e de bichos mesmo selvagens –, bem como a destruição de tudo pelo cataclisma. E tudo isso colorido com uma sensualidade que mimetiza a forma do filme.

Embora o ponto culminante da história seja a erupção do Vesúvio, ela é o que de menos empolgante há na obra, por suas duplas exposições demasiadamente perceptíveis. Porém, a obra é um épico. A armação do enredo e o percurso até a tragédia são memoráveis: vejam-se as longas tomadas, que se debruçam com vagar sobre os personagens – sempre bem-enquadrados, de modo à sua disposição na cena contar melhor a história que os intertítulos (influência de séculos de bom teatro) –, convidando-nos à sua leitura. Estamos em 1913. Em breve, o cinema europeu seria ralentado por conta da guerra, e ao fim da conflagração perderia espaço para o norte-americano, que tantos diálogos estabeleceu com ele, mas cuja técnica em tantos pontos se afasta. Assim, “Os últimos dias de Pompeia” torna-se testamento das culminâncias que o cinema europeu atingiu à época.
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