quinta-feira, 9 de outubro de 2025

Giornate del Cinema Muto de Pordenone 2025 – Dia 5

Cecyl Tryan em “Il siluramento dell’Oceania”

Dia 5, quarta-feira, 8 de outubro 
O programa do quinto dia da Giornate foi duplo. O primeiro deles foi composto pelo curta-metragem italiano “Colonia alpina” (1924-1929), de Emilio Gallo, após o qual se seguiu o longa italiano “Il siluramento dell’Oceania” (Le torpillage de l’Océania/O torpedeamento do Oceânia, 1917), de Augusto Genina, com acompanhamento musical de Jose Maria Serralde Ruiz. Já o segundo foi composto pelo longa norte-americano “The blood ship” (1927), de George B. Seitz, e o acompanhamento musical ficou a cargo de Donald Sosin. 
“Colonia alpina”, apesar do momento em que foi rodado, não deve nada à estética dos filmes do primeiro cinema. A obra é um compilado de imagens do acampamento de verão que lhe dá título, rodadas ao longo de meio decênio por este cineasta diletante que, na cartela inicial do filme, desculpa-se pela natureza do trabalho que realiza. Trata-se de um filme caseiro, no entanto, a cópia que chegou aos nossos dias é embebida, o que denota que seu autor possuía recursos financeiros. Efetivamente, aponta o programa do evento que ele era um empresário no ramo têxtil que enveredou por uma gama de atividades, entre elas a fotografia e, por extensão, o cinema. 
Assim, desfilam diante dos nossos olhos um sem-número de sequências de crianças a atravessarem os alpes, brincarem com balões e posarem diante da fachada da instituição que as acolhe nas férias, ao lado de seus patronos – os quais posam para o filme como antes o fizeram os sujeitos apanhados pela objetiva dos irmãos Lumière. Imagens lindamente coloridas e muito bem enquadradas dão a ver o mundo ao mundo, como as “fotografias animadas” o fizeram em 1895. O fascínio frente ao poder da imagem de congelar o tempo nunca muda – daí a produção de “Colonia alpina” às portas da década de 1930; daí o nosso encanto pela obra mesmo hoje, quase cem anos mais tarde. 
O feature do programa, “Il siluramento dell’Oceania”, grita “inverossímil” a plenos pulmões. Jay Weissberg lembrou, na apresentação do programa, que outra obra de Augusto Genina apresentada este ano – aliás, na abertura do evento presencial –, “Cirano Di Bergerac” (1922-1923), lamentavelmente não pôde ser exibida virtualmente. Se a opção dos organizadores por “Il siluramento...” não se justifica do ponto de vista estético, ao menos ela serve para que o público se dê conta de que o grosso dos filmes apresentados no período era como esse, mediano. 
Senão vejamos: a obra tem início numa viagem a bordo do navio “Oceania”. Crianças brincando, casais flertando, gente reclusa, gente doente; enfim, nada de inusual, considerando-se as longas viagens transatlânticas da década de 1910. Em seu leito de morte, um aristocrata chama o capitão do navio, Comandante Soranzi (Vasco Creti) e lhe entrega uma carta atinente a um tesouro que encontrou no palacete da família que estava à beira da ruína, a qual deveria ser entregue à filha, Jaqueline de Roccalta (Cecyl Tryan). 
Todavia, a embarcação é torpedeada, numa cena surpreendentemente breve – Weissberg refere-se ao diálogo demasiadamente estrito que o entrecho do filme estabeleceu com o torpedeamento do RR Lusitania, que ocorreu no início da Guerra, o que determinou mudanças importantes na obra para se evitar a sua censura. Ocorre, então, a primeira reviravolta dramática do filme – pois a alusão ao fato célebre não tem em vista a reflexão crítica ou a catarse coletiva, mas sim o espetáculo. 
Daí por diante, “Il siluramento dell’Oceania” desce na banguela a ladeira do inverossímil: achando-se liquidado, o capitão envia por telégrafo a mensagem concernente ao tesouro à filha do homem morto; todavia, o telegrama é interceptado por um trio de embusteiros, que acaba por comprar a propriedade falida onde o tesouro se encontrava, levando a mãe da mocinha à morte. 
As alucinadas reviravoltas da trama aproximam-na, de um lado, dos entrechos melodramáticos, afamados no cinema como no teatro de então; e de outro, dos serials, dos quais a obra era contemporânea, a exemplo de “The Exploits of Elaine” (1914). Neste também a jovenzinha precisa da colaboração masculina para não sucumbir – neste caso, do, pasmem, capitão do navio, que milagrosamente se salva e vai até o palacete entregar pessoalmente a carta à herdeira, encontrando à sua espera a mulher que é membro da quadrilha, a qual se passa pela jovem. 
A cerca de 1h20 de filme, tempo correspondente a, ao menos, 5 episódios de um serial, daria ainda espaço para uma última inverossímil reviravolta – a herdeira, que então descera à rua da amargura, torna-se inopinadamente uma concertista afamada de harpa (instrumento que ratifica a figura frágil e angelical daquela mocinha loura), o que a faz travar conhecimento com o capitão que a procurava e julgava tê-la encontrado na pele da bela embusteira que o recebera no palacete. 
Poupo os leitores de deslindar o óbvio desfecho da trama. Se “Il siluramento dell’Oceania” não se sustenta pela qualidade de seu roteiro, oferece-nos um ótimo exemplo do que se consumia então nos cinemas. Outra característica fascinante dele deve-se a um aspecto atinente à própria materialidade do cinema, mais especificamente ao que ele tem de perecível. Não apenas porque perdeu-se a porção final do filme, mas porque as suas belíssimas e deterioradas imagens (este filme também é colorizado segundo as técnicas de embebimento e viragem) sublinham o papel de máquina do tempo do cinema: ao colocar o passado vivamente diante de nós e simultaneamente explicitar-nos que ele está morto. 

O segundo programa do dia foi composto por “The blood ship” (de George B. Seitz, 1927). Protagoniza-a Hobart Bosworth, o qual, segundo Jay Weissberg aponta na apresentação do programa, comprou os direitos da história (o romance, datado de 1922, é de autoria de Norman Springer) e fê-la chegar à Columbia, tornando-a, depois da rodagem da película, uma companhia respeitável. Sem ser excepcional como “Behind the door” – outro drama marítimo protagonizado por Bosworth (em 1919, desta vez, com direção de Irvin Willat) –, ela é certamente acima da média, e em grande medida pela sofisticação do trabalho do ator. 
A obra narra a história do navio comandado pelo tirano capitão Angus (Walter James), que viaja acompanhado da filha Mary Swope (Jacqueline Logan). A embarcação atraca para engajar novos marinheiros, amealhando entre a tripulação uma fauna humana cuja diversidade representa bastante a população norte-americana do período, composta por considerável mão de obra estrangeira. Embora certos personagens sejam apresentados como tipos, sem nomeação (como “O Negro”, “O Sueco” ou “O Cockney”), surpreendentemente todos ganham humanidade, ao mesmo tempo em que representam a massa de espoliados que une forças para debelar a violência doentia do capitão. 
Dois homens embarcam com interesses afetivos, John Shreve (Richard Arlen) e James Newman (Hobart Bosworth): o primeiro porque se apaixona pela jovem Mary, que tromba com ele ao fugir do pai, e o segundo porque deseja vingar-se de Angus, homem que ele tinha como irmão, porém, o qual, além de lhe roubar esposa e filha, ainda o responsabilizou por certo crime que ele cometeu. 
“The blood ship” empreende um esforço naturalista ao investigar como opera um ego narcisista quando ele é incumbido do comando de um grupo. Angus é colocado diante de si mesmo por James, o qual ele também procura tiranizar, aproveitando-se de seu lugar social hierarquicamente superior. A violência represada de James, no entanto, explode quando ele fica sabendo que o antigo amigo sequestrara e depois abandonara à morte a sua esposa. 
A cena da vingança de James contra Angus é bastante tributária de “Behind the door”, fazendo emergir não a moral melodramática, mas a trágica. A vingança por sua morte social, pela morte de sua mulher e pelo afastamento de sua filha transforma-o num novo Orestes, que despe a máscara da contenção e veste a da ira divina.
Enquanto alguns filmes parecem mais velhos do que são, outros sobrevivem heroicamente à passagem do tempo. Se “The blood ship” o faz, isso se deve a Hobart Bosworth, que, com a colaboração da excelente fotografia de Harry Davis, J. O. Taylor, constrói um personagem matizado, cuja fixidez do rosto mal esconde a tempestade que lhe turbilhona a alma.

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