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“Narysy Radianskoho Mista” |
Dia 8, sábado, 11 de outubro
No oitavo e último dia da Giornate del Cinema Muto foi exibido, em sua modalidade virtual, um longo e suculento programa duplo composto: 1- por “Aleppo” (1916), “La capitale du Brésil” (1931-1932) e “Narysy Radianskoho Mista” (Sketches of a Soviet City, 1929), acompanhados por Mauro Colombis; 2- por “Soldier Man” (1928) e “Are Parents People?” (1925), com acompanhamento musical, respectivamente, de Mauro Colombis e Neil Brand.
Grosso modo, uma sessão dedicada aos documentais, outra, a filmes de ficção. A primeira apresentou duas obras mais tributárias do primeiro cinema, voltadas à mostração da cidade síria de Alepo e do Rio de Janeiro. Ambas têm vieses contemplativos e encomiásticos. São parte de um programa mais amplo da mostra, denominado “The World that Was”, e embora a intenção de Jay Weissberg, seu curador, não fosse a visada idealizada ao passado como um lugar melhor, não podemos nos furtar à nostalgia enquanto as observamos.

O corte abrupto final aponta para a ausência de material fílmico ou para o desinteresse de se construir uma curva dramática. Antes de qualquer preocupação mais direta de preservação do cinema para as futuras gerações, parece emergir dessas imagens sobretudo o desejo de congelar o tempo, para que aquele mundo tal qual ele era fosse fruído décadas mais tarde.
O segundo filme tem, para nós, obviamente um interesse maior.
“La capitale du Brésil” (1932-1932), segundo a cartela de apresentação, é uma “Edição do Museu Agrícola e Comercial do Ministério da Agricultura”. Há ainda uma cartela adicional do “Ministry of the Interior”, que atesta a autorização para que a obra fosse exibida no Egito, o que aponta para uma possível encomenda deste país – o mistério concernente à sua rodagem também não é elucidado pelo Catálogo e pode titilar a curiosidade dos pesquisadores brasileiros da área. A versão exibida, oriunda da Nasjonalbiblioteket, de Oslo, é também embebida e denota apuro técnico.

Enfim, “Narysy Radianskoho Mista” (1929), obra principal do programa, rodada por Dmytro Dalskyi na República Soviética Socialista da Ucrânia, tem maior interesse do ponto de vista cinematográfico.

Efetivamente, a obra compartilha com esses dois filmes a montagem ágil, a sobreposição de imagens. Neste sentido, esses “Esboços de uma cidade soviética” investem efetivamente na construção imagética que buscava mimetizar a cidade cintilante, amoldada por mãos operárias, que se buscava construir do ponto de vista político.


Protagoniza-a Harry Langdon, e porque ele é um ótimo ator, a obra recende, num só tempo, humor e melancolia, como as screwballs tão bem fariam futuramente. Langdon é o soldado sem nome que perde o navio que levava as tropas vitoriosas para a casa, finda a Primeira Grande Guerra, e que vaga pelos campos solitário e faminto, ainda se supondo em pleno conflito. Impagáveis episódios cômicos brotam da premissa melancólica: enquanto os habitantes locais utilizam as dinamites abandonadas em seus afazeres, ele se imagina protagonizando um combate cruento, por exemplo.

O nome culinário do monarca não é casual. Strudel XIII procurava especialmente saciar as suas necessidades biológicas: o rei beberrão negligenciava a esposa e, além de tudo, era belicoso – mal maior naqueles tempos em que o cinema contribuía com a propaganda antibelicista. O famélico soldado ascende à realeza como títere, para encerrar a guerra ainda protagonizada pela Bomania. No entanto, acaba por também representar um melhor marido aos olhos da menosprezada rainha sem nome interpretada por Natalie Kingston.
O filme tem ritmo e preciosos achados cômicos – veja-se o esforço do soldado-tornado-rei de cumprir as suas obrigações maritais junto à rainha e, ao mesmo tempo, alimentar-se. Todavia, a redução de sua metragem tem um impacto negativo na economia narrativa, já que a obra se encerra abruptamente, sem desenlaçar com clareza, seja o episódio envolvendo o casal real, seja a troca de papéis.
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Enfim, a derradeira obra, “Are Parents People?” (1925), é uma comédia norte-americana de Malcom St. Clair tributária das obras de Ernst Lubitsch – seja pelo recorte social retratado, a alta burguesia, seja, enfim, pelo humor sofisticado.
A qualidade inferior da cópia (um DCP oriundo de um 16mm embebido) é compensada pelo interesse da história – o qual repousa menos no entrecho que na forma como ele é contado. A obra centra-se na família da colegial Lita Hazlitt (Betty Bronson), cujos pais, Alita Hazlitt (Florence Vidor) e James Hazlitt (Adolphe Menjou), estão em pleno processo de divórcio – a câmera capta as entradas e saídas furtivas do casal de seus respectivos quartos, desejosos de não se esbarrarem, bem como as suas pequenas disputas.
No melhor estilo “The Parent Trap” (1961, 1998), a jovenzinha fará de tudo para reunir os pais. A trama equilibra arejamento na forma e moralismo na temática. Cabe ao Dr. John Dacer (Lawrence Gray), interesse romântico da garota, pespegar no casal a lição de que deveriam deixar de lado a sua “incompatibilidade” – motivo pelo qual se separavam – e cuidar da filha, que lhes escapava.

Os quiproquós se seguram sobretudo às custas da adorável Betty Bronson, que dá corpo admiravelmente bem a uma dessas mocinhas arejadas que o cinema dos anos de 1920 principiava a construir, reflexo daqueles novos tempos. É ela quem vai à casa do moço, procurando pregar uma peça nos pais e o “compromete”. E é ela que, naquela época na qual o cinema era uma das principais indústrias dos Estados Unidos, torce o nariz e, enfim, manipula um ídolo cinematográfico, para que ele sirva ao papel de Cupido que ela tomava para si. Depois de nos depararmos com tantas mulheres malfadadas, esse “Are Parents People?” foi um bem-vindo respiro.
E assim terminamos esses oito dias – passemos ao largo do fato de eu ter atrasado esse último texto – de reflexões sobre filmes silenciosos, semana sempre tão esperada por mim. Meu tão prezado encontro anual com a Giornate é o encontro comigo mesma; o apanhamento dos meus retalhos espalhados na loucura cotidiana. Que venha o próximo, presencial ou virtual, ambos igualmente amados.
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