sexta-feira, 30 de abril de 2010

L.A. Confidential: sexo, drogas e violência na Cidade dos Anjos




Nas últimas duas ou três semanas estou tomando uma overdose de CSI. Aí, fiz um esforço de deixar um pouco de lado a série e assisti, com imenso prazer, ao magnífico "Los Angeles, cidade proibida" (L.A. Confidential, 1997) - que encontrei depois de uma longa busca nas lojas físicas e virtuais. Só agora percebi a aproximação dos temas das produções...

O contato com "L.A..." foi um reencontro. Um reencontro surpreendente. Certamente, o tanto de filmes que vi desde que o assisti pela primeira vez, aos 15 anos, contribuiu para que ele ganhasse densidade aos meus olhos.
O filme leva-nos à Los Angeles dos anos de 1950. Primeiramente a uma Los Angeles turística, mas a imagem do destino paradisíaco, registrado por uma fotografia brilhante e uma narrativa não menos sedutora pelo repórter sensacionalista Danny De Vito, enquanto soa o vozeirão de Bing Crosby, rapidamente dá lugar a elementos que reforçam a ironia do chamamento da cidade: a jogatina, a violência, a prostituição. E a uma piscadela de olhos: "Alguma coisa precisa ser feita. Mas nada muito original, pois estamos em Hollywood.".
A reportagem do jornalista da Hush-Hush dá a tônica do filme. Todo ele é de um sensacionalismo avassalador - de um sensacionalismo que desnuda as alcovas onde malandragens de toda a sorte são sussurradas e reputações são feitas e desfeitas num piscar de olhos.
Os personagens são levados pelo ritmo da cidade. Russel Crowe desempenha um policial pouco sociável (personagem que captura a essência do astro que tem uma sólida reputação de ogro) com queda para as mulheres frágeis. Todas as mulheres que ele salva são a mãe que ele não pôde salvar quando criança; todos os homens que ele esfola são o pai que matou sua mãe a pancadas, aos olhos do menininho indefeso que ele foi outrora. Guy Pearce é o policial que seguiu a carreira do pai no intuito de vingá-lo, mas rápido é seduzido pela facilidade com que as promoções podem aparecer àqueles que fazem a coisa certa.
Com tantos anseios individuais se sobrepondo às necessidades do Estado, fica claro que o rótulo de "A melhor polícia do mundo" que a instituição tenta vender mantém-se apenas no plano da ficção. Mas, por que não? Não estamos em Hollywood?


A bela Lynn Bracken, interpretada magistralmente por Kim Basinger, serve extremamente bem ao contexto. É uma prostituta de luxo sósia da atriz Veronika Lake. Além do fato de ela fingir-se de alguém também construído por Hollywood - uma personagem deveras insólita... - está o fato de o filme remeter-se ao imaginário da sociedade, que por séculos aproximou as atrizes das prostitutas.
O modo como o personagem de Crowe vê Lynn pela primeira vez é sintomático: ela está envolta num lenço que lhe dá um ar de mistério típico daqueles que o star system hollywoodiano deu às suas estrelas por décadas. O policial não resiste. Como tantos galãs másculos das películas da época, entrega-se romanticamente à moça. Ficção e realidade se misturam no relacionamento, e a bela Lynn, que ele julga muito mais bela que a atriz da qual ela é sósia, cedo vê-se obrigada a interpretar o papel que lhe cabe, deixando o policial à beira da destruição. Aliás, um pendant curioso no modo enviesado como as atrizes foram historicamente tomadas é o fato de o personagem de Guy Pearce tomar a original Lana Turner (essa vai vai especialmente para o Ricardo) por uma prostituta. Abaixo, fotograma da atriz que interpreta Lana em "L.A.", seguido de uma fotografia da original (que peguei emprestada de meu colega blogueiro Mark Clark).


Lana, em 1942, com o namorado Turhan Bey

Já mencionei a canção que abre o filme. Uma sacada de mestre do diretor Curtis Hanson foi inserir nele todo gravações da época. É irônico ver uma Big Band comandada por um crooner famoso (Bing Crosby, Dean Martin, Betty Hutton) conduzindo sucessivas trapaças e violência - lembremo-nos de tantos musicais saltitantes estrelados por Crosby e Dean Martin, e das canções de Jerome Kern e Gus Kahn embalando as estravaganzas de Doris Day e Ginger Rogers. O artifício deu ao filme um teor crítico muito bem-vindo num momento em que, creio, é preciso questionarmos os mitos e olharmos de um modo um pouco mais questionador para a indústria cinematográfica (mesmo que, depois, a gente acabe por cair embasbacado aos pés do/a star de nossa preferência...).
A película recebeu um Oscar de melhor roteiro adaptado, o que demonstra que Hollywood pensa do mesmo modo. Impossível deixarmos de lembrar do desdém que "Crepúsculo dos Deuses" (Sunset Boulevard, 1950) sofreu da Academia por cutucar algumas feridas abertas de Hollywood, e assim, acreditarmos que, de certa forma, Lynn Bracken vingou Norma Desmond. No entanto, tampouco devemos deixar de lado o distanciamento histórico que há entre a película e os fatos narrados, o que suaviza a crítica. Porém, o mais irônico é que o filme tece a crítica espetacularizando a violência. E quem já se deixou prender por séries como CSI sabe quão eficaz é a violência para prender o espectador em frente à tela. Estudiosos dizem que é porque o sangue, a pus, a nudez e demais elementos dessa espécie nos remetem ao que de mais baixo há em nós. Mas isso já é assunto para outro post.



sábado, 17 de abril de 2010

O que pode acontecer depois do final feliz: The Thin Man (1934-1947)


Cinearte, Rio de Janeiro, 15 de fevereiro de 1928.

Estou, no momento, numa fase Myrna Loy. Desde que li a reação de L.S. Marinho ao tê-la encontrado - "Quando me estendeu a linda mão – senti um calafrio pela espinha dorsal. Esqueci-me completamente e toquei-a quase a medo, como se tocasse uma brasa. Ela sorriu, maravilhosa, mostrando uma fileira de dentes pequeninos de gente mentirosa..." - resolvi descobrir mais sobre a vamp que fascinou o jornalista brasileiro quando ele passou por Hollywood como correspondente da Cinearte.
Passeei pela filmografia da atriz. No início da carreira, Myrna vestiu-se da mulher fatal que assediava os homens dentro (e fora) das telas. Seu primeiro papel é simbólico. Ela foi a "Vamp" num filme (aparentemente perdido) dirigido por Tom Buckingham e co-estrelado por Nita Naldi e Natacha Rambova (What price beauty, 1925). Em 1928, ela já era notória por esse tipo de papel, ao ponto de despertar a atenção do cronista apaixonado da Cinearte - apaixonado e culpado, já que ele conclui: "E foi como um micróbio, como verme, que deslizei até a porta para não ficar ao lado daquela mulher colossal, supinamente bela, e supinamente má... (...) Aí têm os meus amigos o maior pecado moral que tenho em toda Hollywood...".
No final dos anos 20, com a libertinagem correndo solta em Hollywood e os comitês de moral cada vez mais alvoroçados, a moça precisou investir em outros tipos. Isso fica claro se lermos as personagens que ela desempenhou pelo viés das fotografias publicitárias das películas. Essas imagens são de 1930 e 1931, respectivamente:



Seus olhos verdes entreabertos... As câmeras dos anos 20 não eram sensíveis ao verde, portanto, registravam a cor como branco. Isso só foi resolvido nos últimos anos da década, depois de várias estrelas terem se beneficiado disso para reforçarem a aura de mistério e maldade que envolvia suas personagens.
Em 1932, Myrna Loy foi a aristocrática namoradeira de "Ama-me esta noite" (aliás, quando vi esse filme pela primeira vez, a personagem dela me atraiu mais que a de Jeanette MacDonald), que perdeu para a censura porção razoável dos diálogos atilados que travou com Chevalier. Restaram as linhas aparentemente inofensivas, mas pronunciadas por ela de modo tão eficaz que temos uma das vampiras mais sexy e bem humoradas da época.

Myrna Loy no ano de "Ama-me esta noite", com olhos mais escuros.

A perda da dramaticidade de seu tipo deu-nos a Myrna que pra mim é a mais interessante: a cômica, um pouco ingênua e romântica. Em 1936, ela co-estrela com William Powell, seu mais assíduo galã, no "Libeled Lady". É a garota difamada do título, milionária e de pés no chão, mas que não resiste a Powell (a gente, ao vê-lo sistematicamente, também tem dificuldades de resistir), advogado pilantra mas no fundo bom moço que deseja seduzi-la para livrar o jornal em que trabalha do processo que ela lhe impinge. Outro par romântico (às avessas) cuja história conhecemos na película é Spencer Tracy & Jean Harlow, hilários e deliciosos.
Harlow, a vamp loura platinada que quer a todo custo se casar mas não consegue uma brecha na agenda do jornalista Tracy, é outro exemplo da evolução da personagem da vampira imposta pela censura.
O Hays Code começou a pegar pesado em 1934 - quem quiser uma notícia mais detida sobre ele gostará de passar pelo meu post de 23/10/2009. Nem Harlow, símbolo sexual da época, escapou ilesa, tanto que, em "Wife versus Secretary", ela é a secretária caidinha pelo patrão (Clark Gable), mas desfaz o mal-entendido que colocaria um ponto final no casamento feliz dele com a personagem de Myrna Loy e casa-se com o bom moço James Stewart. Duas vamps tornadas boas moças pela mágica do star system.

Uma Myrna sorridente em 1935. Ela já não carregava mais nada daquela mulher malvada que fez o cronista brasileiro sair fugido de Hollywood...

Myrna teve uma carreira que durou quase 60 anos e viveu até os quase 90. No entanto, aqui me interessa, sobretudo, a moça inteligente, bem-humorada, madura e independente que conquistou as plateias dos anos 30 e 40 como a Nora da série de suspense "The Thin Man". Interessa-me, talvez, porque estou vendo cada vez menos o tipo circulando por essa nossa sociedade que experimenta, agora, uma trágica reversão nos costumes...

Myrna Loy e William Powell em "The Thin Man" (1934).

A série começou com uma maravilha da screwball comedy.
A socialite Nora, o marido plebeu Nick e o cachorro Asta (o mesmo que aterrorisa Cary Grant e Katharine Hepburn em "Levada da Breca") são três dos personagens mais bem delineados da época. Asta é um perdigueiro às avessas, medroso e abobalhado, humanizado graças ao competente trabalho de câmera dirigido por W. S. Van Dyke. Nick é incrivelmente beberrão (numa época em que a comercialização de bebidas alcoólicas tinha acabado de ser liberada em território norte-americano, depois de 14 anos de proibição) e, devido às suas origens populares, é amigo de todos os bandidos pés-de-chinelo da cidade.
Somos apresentados a Nora pouco tempo depois de ela ter feito sua transição da família aristocrática e chata na qual nascera para o entusiasmado círculo social do marido, junto do qual novidades pululavam a todo instante. Embora carregue muito do seu mundo consigo - no porte, na educação, na preocupação com os parentes - vemos que ela cada vez mais se educa na escola do marido, e adora cada momento. Não posso deixar de pensar aí numa defesa do americano médio, vindo do povo, mas que podia, sim, ascender socialmente - argumento necessário num momento de Depressão, quando parecia não haver lugar na sociedade para esses indivíduos.
Os "opostos" se mantém unidos pelo humor - até hoje uma das receitas mais eficazes para qualquer relacionamento, daí a esse relacionamento parecer-nos tão real. Para tirar Myrna de uma situação perigosa, William coloca-a num taxi e manda o motorista levá-la para ver o túmulo do general Grant. Ao perguntar o que ela achou, ela responde: "Lovely, I'll have one made for you". Numa das 5 sequências do filme, "Another thin man" (1939), o detetive engana a locatária de um conjunto de apartamentos de que a esposa é, na verdade, sua amante - e é fascinante ver como essa fantasia sexual apimenta a relação dos dois. Em "After the thin man" (1936), a primeira sequência do filme, ao perguntar com quem o marido falava, e ouvir que era com a amante, a esposa responde calmamente: "I don't know why I always take you for granted". No primeiro filme da série fica patente a vitalidade do casamento, no olhar que a mulher troca com o marido quando o vê consolar a filha que perdeu o pai:

Impossível listar todas as réplicas afiadas que inundam os filmes da série. Improfícuo também, porque tiraria do leitor o prazer de descobri-las, e eu é que não quero ser culpada disso. O dinamismo das películas e a química entre os três artistas principais muito se deve a W. S. Van Dyke, que os dirigiu nos 5 dos 6 filmes nos quais dividiram a cena (o diretor suicidou-se em 1943, 4 anos antes da rodagem de "Song of the Thin Man" - aliás, a trivia de Hollywood conta que, 3 anos antes, Van Dyke foi o responsável por impedir o suicídio de uma de suas musas, Jeanette MacDonald, que amargava a dor de ver o amante Nelson Eddy casado com outra...). Aliás, o sexto filme se ressente da ausência do diretor polivalente, que dirigia com a mesma maestria os números musicais de MacDonald & Eddy e as histórias detetivescas vividas por Nora, Nick e Asta. Van Dyke já havia trabalhado numa ferrovia e como mineiro, tornando-se, a partir de meados dos anos 10, um dos muitos operários responsáveis por estabelecer as bases da indústria do cinema norte-americano.
Os "Thin Man" são prova da efetivação dos moldes fundados por Van Dyke, Griffith, Lubitsch, Chaplin. Myrna e Nora tornam-se uma só, assim como William e Nick - Walter Benjamin fala sobre o artista de cinema representa-se, antes de tudo, a si mesmo. As várias sequências da película reafirmam a identidade entre ator e personagem, e entre o público e a pessoa que ele vê em cena filme após filme. Nick e Nora passam por momentos de diversão e temor resolvendo casos misteriosos. O público ri e chora com eles, ansioso por vê-los escapar ilesos para poderem viver (e fazer o público viver) uma nova história numa próxima vez. Fico me perguntando quanto essa identificação não aumenta conforme o público vê que o casal da tela grande vivencia o mesmo que tantos homens e mulheres vivem no dia-a-dia: os primeiros anos do casamento, o nascimento do filho, os primeiros anos de vida da criança. Sim, porque as relações interpessoais são apreendidas nos "Thin Man" de modo mais maduro que na maioria das comédias românticas da época, que culminavam com o casamento dos pombinhos e uma nebulosa "felicidade eterna". "The Thin Man" desenham magistralmente como poderia ser esse final. Recomendo-os!

*
Esses filmes ainda não estão à venda no Brasil, no entanto, podem ser localizados pelo emule. A Open Subtitles traz legendas em português de quase todos.

sexta-feira, 2 de abril de 2010

Doris Day: a "girl next door" completa outro ano de vida




Plano de conjunto, em Cinemascope, da ensolarada Miami: praias, sol, calor, hotéis de luxo, carros, ruas e gente, muita gente, em meio à qual saltita uma garota. Dali em diante, a câmera andarilha se deixa seduzir pela jovem animada e a segue enquanto ela canta as suas inúmeras superstições, colocando em polvorosa os demais transeuntes dos quarteirões por onde passa. A cor, a música, a letra e a comédia física não deixam enganar: temos um Doris Day feature.
Efetivamente, a divertida sequência musical que abre "Lucky Me" (1954) remete-nos a outras tantas películas da moça que não parece fazer força alguma para ser simpática. "Ardida como pimenta" (Calamity Jane, 1953) toma-a primeiro em cima da diligência de Deadwood, a qual ela protege ferrenhamente dos selvagens enquanto canta

Oh, the Deadwood stage's a-headin' on over the hills,
Where the Injun arrows are thicker 'n porcupine quills.
Dangerous land, no time to delay,
So whip-crack-away, whip-crack-away, whip-crack-away!

E lá vai ela chicoteando os cavalos e atirando nos índios que a perseguem com tanta graça e bom humor que pouco pensamos no quão politicamente incorreta é a cena.
Aos olhos do século XXI, os filmes de Doris Day são no mínimo paradoxais. Eles inegavelmente reafirmam uns preconceitos e lugares comuns: em "Ardida como pimenta", além da agressão aos índios, há uma jovem masculinizada que aprende a ser mulher com uma corista - aprendizado que inclui uma faxina geral na casa onde vivia ao som de "A woman's touch"; em "The thrill of it all" (1963), é uma workaholic que depois percebe que seu lugar é ao lado do esposo e não na da emissora de TV onde trabalhava como garota-propaganda; em "The ballad of Josie" (1967), é uma viúva pacata que aprende a ser machona para defender sua propriedade, porém, acaba botando fogo nos jeans quando encontra um homem pra chamar de seu; em "Confidências à meia-noite" (Pillow Talk, 1959) é uma career woman socialmente bem posta e aparentemente feliz mas que, no fundo, anseia para si o mesmo que sua colega Josie ansiava.

The thrill of it all

Mas, mesmo apresentando atitudes e tipos sociais ultrapassados e/ou criticáveis, é impossível negar a graça desses filmes. Também podemos acreditar que a cantoria que interrompe a ação deixa o resultado final ainda mais artificial e datado. Porém, quando Doris começa a cantar "The black hills of Dakota", "It's magic" ou "Que será, será", ela acaba por nos enredar. Aí, não somos mais os espectadores críticos que veem o filme com o dedo em riste para apontar seus defeitos. Transformamo-nos naquele público ansioso dos grandes espetáculos alegres: queremos nos divertir e emocionar com as canções e cenas cômicas.
Doris chegou a fazer alguns filmes "sérios". "Midnight Lace", em que ela divide a cena com Rex Harrison e Myrna Loy, é um dos thrillers mais angustiantes que já vi. Ali, Doris está soberba como a mulher perseguida por um inimigo que nem mesmo nós sabemos se realmente existe. Em "Storm Warning" (1951), a atriz é uma jovenzinha apaixonada que desconhece estar casada com um membro da Klu Klux Klan. A irmã, interpretada por Ginger Rogers (que prazer ver duas de minhas atrizes favoritas atuando juntas!), verá o cunhado entre o grupo que lincha um estrangeiro (e não um negro) e abrirá os olhos da mocinha. Aliás, esse é um filme fascinante para que analisemos os artifícios usados pelos americanos para a construção de sua memória coletiva... Sem falar em "O homem que sabia demais" (The man who knew too much, 1956), um dos grandes Hitchcocks, em que ela dá um show como a mãe que teve o filho sequestrado.
No entanto, deliciosas, mesmo, são suas dinâmicas e hilárias comédias. Mérito da atriz, que conseguiu dar credibilidade a alguns papéis bem frágeis. Papéis como aqueles das películas que ela divide com o lindíssimo Rock Hudson. Em "Volta, meu amor" (Lover, come back, 1961), por exemplo, ela é uma virginal publicitária de Nova York que se vê tripudiada por um adversário (Rock) e acaba casando-se com ele depois de ser embriagada com biscoitos alcoólicos (?!). Ou "Confidências à meia-noite", em que a também virginal designer de interiores tem dinheiro para comprar roupas ma-ra-vi-lho-sas mas não consegue comprar uma linha telefônica para si, tendo que dividi-la com um Don Juan (Rock, que, obviamente, tentará seduzi-la). Doris, com sua competente atuação, escamoteia os furos do enredo e sublinha os achados do mesmo. De "Confidências...", minha cena preferida é aquela em que Rock conduz a carruagem através do Central Park. Primeiro, Doris e Rock e depois, o condutor, são tomados em planos americanos. A câmera lê os pensamentos que acompanham as ações dos personagens ("Há algo tão saudável num homem que gosta de animais" - a apaixonada moça diz; "Espero que esse bicho estúpido saiba pra onde está indo" - diz o rapaz; "Esse cara segura as rédeas como se segurasse as alças do metrô. Não sei qual é a dele, mas fico feliz por ela não ser minha filha" - diz o condutor...). Pronto: temos uma das cenas mais hilárias de todos os tempos.


Outra - essa quase farsesca - é aquela em que a designer ofendida mostra todo o seu veneno na decoração a la "Mil e uma noites" que produz no apartamento do rapaz. "Behold the work of a woman in love", diz o farsante, mal sabendo que isso o esperava:


Uma música de suspense soa ao fundo, aumentando a hilariedade do conjunto. A gota d'água é a canção "You are my inspiration xxx" gravada no piano - leitmotiv satírico do devasso protagonista, compositor da Broadway que presenteava suas inúmeras namoradas com uma mesma canção, cujo verso alterava de acordo com os nomes das garotas.

Amanhã, 3 de abril, a jovem que parece nunca envelhecer completa 86 anos. Não nos deixemos enganar pela idade: mesmo longe das telas há pelo menos três décadas, ela continua aquela mesma jovem entusiasmada cuja imagem sedimentou em dezenas e dezenas de filmes. Trocou os casacos de pele pelas calças de moleton e comanda a "Doris Day Animal Foundation", uma associação protetora dos animais reconhecida pelo Estado. Agora que não é mais dominada por Hollywood, ela só aparece quando e como quer.
Alguns anos atrás, aluguei "Não me mandem flores". Vi uma vez, vi de novo no outro dia. Então, aluguei "Confidências à meia noite" e fiquei incrédula. Como alguém poderia ser tão charmosa, engraçada e cantar tão bem? Confesso, um pouco envergonhada, que não consegui resistir. Eu queria entrar na tela e bater um papo com ela. Como não dava, escrevi uma daquelas fan letters que, depois de termos crescido, juramos que nunca mais escreveremos, e enviei-a à atriz. Dois meses mais tarde, recebi do carteiro um grande envelope. Imaginem qual não foi minha reação quando li "For Danielle/ love/ Doris Day"? Que surpresa saber que, fora das telas, Doris Day continuava sendo a mesma adorável girl next door!
Bem, o que mais dizer da moça (e à moça) que me emocionou fora e dentro das telas, se não "Happy birthday, dear. I wish you the happiest life!"?

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Os admiradores da atriz poderão ouvir as homenagens que duas rádios farão a ela amanhã: a KIDD 630-AM da Califórnia e a Fred Net Radio de Baltimore.




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Doris Day conversa com o locutor da rádio KIDD 630 AM da Califórnia (3/4/2010)