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domingo, 2 de agosto de 2009

Romeu e Julieta, de George Cukor


Romeu e Julieta (Romeo and Juliet, 1936). Aí está um dos filmes que mais me impactaram nesse período de tempo que fiquei longe daqui. Isso porque eu sou fascinada pela direção do George Cukor, porque acho a Norma Shearer uma graça e porque a fita dialoga com uma porção de coisas que venho lendo e pensando nesses últimos meses.
Quando a vi pela primeira vez, 20 dias atrás, senti que, pela primeira vez, todas aquelas palavras de Shakespeare ganharam vida. Todos aqueles versos, que me pareceram tão grandiloquentes e deslocados no texto escrito da peça (quando o li aos 15 anos), e na versão cinematográfica dela protagonizada por Leonardo di Caprio (a que assisti não muito depois), e até mesmo em Sheakespeare apaixonado, de repente ganharam sentido ao serem pronunciados por Norma Shearer, Leslie Howard e John Barrymore. O sentimento amoroso, a ironia, a pilhéria: até 20 dias atrás eu não havia encontrado essas qualidades na história. Aí vi a cantada fantástica que Romeu passa em Julieta e, pela primeira vez, notei o quanto ela é sensual e ousada: o fato de o rapaz querer depositar seus pecados nos lábios da moça só não é mais fascinante do que o de ela desejar devolver nos lábios dele o pecado que ele lhe entregou. Formulação absolutamente formidável, tão década de 1930, tão George Cukor!... Talvez seja por isso que o diretor conseguiu criar uma obra prima cinematográfica à altura da obra prima teatral.
O modo como Cukor conseguiu atualizar a história sem atualizar a linguagem da mesma é notável. Não mais notável, no entanto, que o caminho traçado pelo drama: apresentado primeiramente para as popularíssimas platéias da Londres seiscentista, ele tornaria a viver no bojo da cultura de massas, para o deleite das popularíssimas (ou nem tanto) platéias dos Estados Unidos, de Londres, do Brasil, do mundo inteiro. Quatro séculos e tantas mudanças econômicas mais tarde fizeram com que a história servisse a propósitos muito semelhantes: agradar o grande público, tão desejoso de diversão.
Benjamin lembra das palavras proferidas por Abel Gance em 1927: "Shakespeare, Rembrandt, (...) Todas as lendas, todas as mitologias (...) aguardam sua ressurreição luminosa". Já estava claro o poder das telas de abraçar a produção e os produtores de obras de arte e distribuí-los em larga escala. Esse filme corrobora cabalmente a afirmação do crítico.
Óbvio que os mecanismos de atração são outros. Nos tempos de Shakespeare, homens representavam papéis femininos, convenção plenamente aceita pelo público. Nos anos de 1930, o star system estava a todo vapor, construindo ídolos em série. Norma e Leslie são os maiores atrativos do filme - o trailer dele, que convida o público a ver a reunião dos pombinhos de O amor que não morreu (Smilin' through, 1932), deixa isso claro. Isso, porém, não diminui a importância da adaptação. Ao contrário, a beleza do resultado final atesta que a peça realmente se trata de uma obra de arte, sempre atual - especialmente quando manipulada pelas mãos certas.
Cukor certamente tem um bom par dessas mãos. Daí o fato de ele ter conseguido ressaltar o que há de sensual e engraçado na história, através de uma direção conscienciosa que, abaixando o tom de voz dos artistas, deu intimidade à verborragia shakespeareana e tornou todos aqueles discursos tão tocantes. E como ajudaram aqueles close-ups do belo rosto de Norma Shearer, rosto que endossava cada uma daquelas linhas...
Já vi Shakespeare no teatro, Otelo (Diogo Vilela fazendo o papel de Iago). O elenco não era ruim, mas a montagem não conseguiu atingir 10% da excelência da adaptação cinematográfica de Romeu e Julieta. Sendo assim, sinto-me obrigada a concordar com Gance: a ressurreição de Shakespeare se dá especialmente no cinema. Se se quiser manter os diálogos originais, penso que aquele Shakespeare popular do século XVI só pode se tornar novamente apetecível ao público nas telas, por meio de atuações sóbrias. Por meio, enfim, desse estilo cinematográfico que se tornou tão popular no século XX, o único capaz de demonstrar a atualidade dos sentimentos à baila na história.


domingo, 7 de junho de 2009

A última fotografia de Greta Garbo (1990)


Aí está ela, aos 84 anos, flagrada antes da última visita que faria ao hospital, de onde não mais sairia. Greta Garbo, Garbo para seus inúmeros fãs – chamamento masculino que parecia tão bem caber à figura independente e forte da atriz. Ou então, simplesmente Greta, para esta brasileira que não cansa de ver seus filmes e trata tudo o que lhe é familiar com a mesma sem-cerimônia.
Greta é a atriz que mais me fascina. O motivo não é difícil de explicar: ela é a metáfora do cinema clássico, e eu sou irremediavelmente apaixonada por ele, como esse blog deixa patente.

A maestria com que Hollywood tomou a desajeitada mocinha sueca e transformou-a no epítome da sedução e do mistério é digna de nota, pois assim como o aparelho que usou para lhe corrigir os dentes e o lápis com que lhe aprofundou o olhar, a indústria do cinema moldou os gestos e atitudes da moça. Greta Gustaffson, a européia plebéia, transformou-se na “Divina Garbo”, que não queria nada além de “To be alone”. A imagem da mulher inatingível que Greta mantinha na imprensa, ao fugir das câmeras, viajar e hospedar-se sob pseudônimos e se recusar a dar entrevistas, encontrava seu eco nas personagens que desempenhava. Que o diga sua entrada em cena no belíssimo “Anna Karenina” (1935), circundada por um manto de névoa o qual transferia à musa a sua efemeridade. E são tantos outros os exemplos: a bailarina de “Grand Hotel” (1932), última personagem a ser apresentada ao público, solitária, melancólica e incompreensível – sintomaticamente, o “I want to be alone” é repetido algumas vezes por ela durante a película; ou Marguerite Gautier da obra prima “A dama das Camélias” (1936), cuidadosamente desvelada ao público enquanto está dentro do coche que a levará até o teatro e até o próximo pretendente.
Ao falar sobre “Ama-me esta noite”, referi-me a uma formulação lapidar de Walter Benjamin, para o qual o artista deve representar-se a si mesmo em cena. Aqui, eu complementaria que esse “eu” colocado defronte aos olhos do público é, antes de tudo, uma criação. Quem sabe como realmente era a menina Gustaffson? O que ficou foi Greta Garbo, a bela, esquiva, sedutora e andrógina Miss Garbo, que raramente era premiada com o amor de seus pares românticos ao final de seus filmes, e que, curiosamente (ou não), viveu, durante toda sua existência, uma vida amorosa complicada e dúbia.
Poder-se-ia dizer que nenhum de nós é senão criação do momento e lugar onde vivemos, mas há algo de sádico que circunda a criação de Greta Garbo e de tantos outros astros e estrelas fabricados pela indústria cinematográfica, especialmente aqueles encarregados de tipos exóticos. Sádico porque esse mundo de faz-de-conta, de sombras numa tela branca, é, paradoxalmente, mais real que o nosso dia-a-dia. Greta sentiu o peso do “eu” que lhe criaram. Esta grande atriz, de uma intensidade dramática impar, temia envelhecer e, assim, perder aquilo que mantinha em pé sua imagem de deusa, imagem sem a qual a Hollywood daqueles tempos supunha não poder viver. No entanto, infelizmente sua maturidade como atriz chegou juntamente com o desgaste do tipo que lhe foi criado, e ela se viu obrigada a abandonar as telas aos 36 anos. Greta viveu mais quase 50 anos, todos eles para negar o “eu” que seus filmes lhe imprimiram – essa fotografia é a prova disso.

A Greta Garbo criada por Hollywood










domingo, 2 de novembro de 2008

O FILME QUE EU VI ONTEM: INTERMEZZO (1936)


Ontem vi um filme que tinha intenção de assistir havia muito tempo, mas, considerando que ele ainda não foi lançado no Brasil (e aposto que não será, já que nosso mercado de clássicos é bem pequeno), e que as importações estão cada vez mais custosas, peguei um atalho e baixei o filme pelo Emule (que foi, definitivamente, a minha mais importante descoberta do ano). Embora o download tenha demorado uma semana, não perdi meu tempo. Primeiro, porque é sempre um prazer ver a Ingrid Bergman – uma das minhas atrizes favoritas e a grande atriz de cinema de todos os tempos, penso eu – aqui, no auge de sua juventude e beleza conferidos pelos seus 20 anos. Depois, porque esse foi o filme que fez a atriz sueca visível aos grandes de Hollywood, tanto que, três anos mais tarde, ela rumou aos Estados Unidos para a refilmagem da história, que a propósito, foi lançada no Brasil. Daí em diante, quem se transformou em história foi a Ingrid...
A premissa não é grande coisa: uma jovem pianista apaixona-se por um violinista vários anos mais velho, com família e filhos; depois de viverem um idílio, no qual a paixão mútua e o amor pela música se misturam, a moça decide exercer o ato abnegado de deixar o amante para que ele retorne à família.
Mas a história é muito bonita. Há nela sutileza (é disso que eu sinto falta nos filmes recentes): na expressão do amor que a filhinha nutre pelo pai, sempre regado por um pouco de tristeza; na dedicação da esposa do violinista para com sua família; no amor algo idealizado da jovem pianista pelo violinista; no uso da música – o “intermezzo” do título – que lembra o violinista da família e serve à personagem de Ingrid como índice de que o coração do amado não lhe pertence totalmente. E, por fim, a imagem tem uma qualidade muito superior a da versão norte-americana do filme. Enfim, na minha opinião, vale a pena.