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domingo, 7 de junho de 2009

A última fotografia de Greta Garbo (1990)


Aí está ela, aos 84 anos, flagrada antes da última visita que faria ao hospital, de onde não mais sairia. Greta Garbo, Garbo para seus inúmeros fãs – chamamento masculino que parecia tão bem caber à figura independente e forte da atriz. Ou então, simplesmente Greta, para esta brasileira que não cansa de ver seus filmes e trata tudo o que lhe é familiar com a mesma sem-cerimônia.
Greta é a atriz que mais me fascina. O motivo não é difícil de explicar: ela é a metáfora do cinema clássico, e eu sou irremediavelmente apaixonada por ele, como esse blog deixa patente.

A maestria com que Hollywood tomou a desajeitada mocinha sueca e transformou-a no epítome da sedução e do mistério é digna de nota, pois assim como o aparelho que usou para lhe corrigir os dentes e o lápis com que lhe aprofundou o olhar, a indústria do cinema moldou os gestos e atitudes da moça. Greta Gustaffson, a européia plebéia, transformou-se na “Divina Garbo”, que não queria nada além de “To be alone”. A imagem da mulher inatingível que Greta mantinha na imprensa, ao fugir das câmeras, viajar e hospedar-se sob pseudônimos e se recusar a dar entrevistas, encontrava seu eco nas personagens que desempenhava. Que o diga sua entrada em cena no belíssimo “Anna Karenina” (1935), circundada por um manto de névoa o qual transferia à musa a sua efemeridade. E são tantos outros os exemplos: a bailarina de “Grand Hotel” (1932), última personagem a ser apresentada ao público, solitária, melancólica e incompreensível – sintomaticamente, o “I want to be alone” é repetido algumas vezes por ela durante a película; ou Marguerite Gautier da obra prima “A dama das Camélias” (1936), cuidadosamente desvelada ao público enquanto está dentro do coche que a levará até o teatro e até o próximo pretendente.
Ao falar sobre “Ama-me esta noite”, referi-me a uma formulação lapidar de Walter Benjamin, para o qual o artista deve representar-se a si mesmo em cena. Aqui, eu complementaria que esse “eu” colocado defronte aos olhos do público é, antes de tudo, uma criação. Quem sabe como realmente era a menina Gustaffson? O que ficou foi Greta Garbo, a bela, esquiva, sedutora e andrógina Miss Garbo, que raramente era premiada com o amor de seus pares românticos ao final de seus filmes, e que, curiosamente (ou não), viveu, durante toda sua existência, uma vida amorosa complicada e dúbia.
Poder-se-ia dizer que nenhum de nós é senão criação do momento e lugar onde vivemos, mas há algo de sádico que circunda a criação de Greta Garbo e de tantos outros astros e estrelas fabricados pela indústria cinematográfica, especialmente aqueles encarregados de tipos exóticos. Sádico porque esse mundo de faz-de-conta, de sombras numa tela branca, é, paradoxalmente, mais real que o nosso dia-a-dia. Greta sentiu o peso do “eu” que lhe criaram. Esta grande atriz, de uma intensidade dramática impar, temia envelhecer e, assim, perder aquilo que mantinha em pé sua imagem de deusa, imagem sem a qual a Hollywood daqueles tempos supunha não poder viver. No entanto, infelizmente sua maturidade como atriz chegou juntamente com o desgaste do tipo que lhe foi criado, e ela se viu obrigada a abandonar as telas aos 36 anos. Greta viveu mais quase 50 anos, todos eles para negar o “eu” que seus filmes lhe imprimiram – essa fotografia é a prova disso.

A Greta Garbo criada por Hollywood










segunda-feira, 13 de abril de 2009

Quando a música contagia: "Ama-me esta noite" (Love me tonight, 1932)



Em 1927 Hollywood começou a falar e a cantar, especialmente, que o diga "The Jazz singer", primeiro filme no qual houve introdução extensiva do som, exatamente nos números musicais. O deslumbre pelo som da voz humana em todas as suas nuances - único elemento do qual o cinema até então não podia se utilizar - foi intenso e se revelou, no final dos anos 20 e primeiros anos dos 30, nos musicais produzidos pelo maior pólo da indústria do cinema.

Exemplo disso é "Ama-me esta noite", veículo que revelava um novo par romântico das telas, Jeanette Mac Donald e Maurice Chevalier - contratados quando a emergência do som pegou de calças curtas uma série de divas e galãs cujas vozes não se equiparavam aos belos rostos que possuíam (John Gilbert e Clara Bow, apenas para citar alguns).

Adaptação de peça de teatro, "Love me tonight" mostra um percurso usual em Hollywood ainda no tempo dos "silent pictures", quando Erich von Strohein rodou "The merry widow" (1924), estrondoso sucesso da Broadway. Não é um acaso, portanto, que uma das uniões do par Jeanette/Maurice tenha ocorrido para a filmagem de uma nova versão de "Merry Widow" (1934), desta vez com a direção de Lubish.

A temática de "Ama-me esta noite" serve bem ao intuito principal da "fábrica de sonhos", daí a apropriação de uma das variantes da estrutura dos contos de fadas, aquela em que o mocinho enfrenta inúmeros percalços para salvar a donzela em perigo. O divertido é que, no filme, o esquema é subvertido. A mocinha - a princesa Jeanette - que já não é donzela, uma vez que fora casada, está efetivamente em perigo, mas por um um mal muito menos palpável que os vilões convencionais: ela sofre constantes desmaios. A profilaxia é apresentada por um médico cuja formação bastante provavelmente é tributária do pseudo-cientificismo dos anos de 1870: o casamento. É aí que aparece o salvador, não um príncipe encantado, mas o alfaiate Maurice, que vai para o castelo no intuito de cobrar o conde pilantra a quem vendeu fiado, e, devido à galanteria que é típica das personagens interpretadas pelo ator, dá algum colorido àquele ambiente centenário (habitado por pessoas não tão mais jovens do que isso) e acaba, por meio de um beijo, acordando a Bela Adormecida hollywoodiana.

Outra graça de "Ama-me esta noite" é que a apropriação dúbia dos contos de fadas é acompanhada por uma linguagem verbal e cinematográfica que muito se aproveita da censura frouxa e pouco sistemática em voga na época (a cena em que Maurice tira a medida do busto da princesa é o exemplo que primeiro me ocorre).


E isso não raras vezes é feito através de canções muito atraentes e por isso, acredito, tão cativantes. O delicioso número inicial, da canção "Isn't it romantic", é o exemplo mais claro, e acredito que é o primeiro número a palmilhar um percurso que depois será comum nos musicais de Hollywood, o da introdução de um longo número musical que, neste caso, aos poucos é compartilhado por todos os personagens que participam da ação, responsável por unir os planos - e, simbolicamente, o personagem do mocinho ao da mocinha - e, consequentemente, o ator à atriz, a qual verbaliza seus anseios amorosos através de lindos versos de Lorenz Hart e música de Richard Rogers (dos quais depois Billy Wilder se apropriará no clássico Sabrina, de 1954, numa clara referência ao filme):

"Isn't it romantic
Music in the night, a dream that can be heard.
Isn't it romantic
That a hero might appear and say the words
brought by a secret charm or by my heart's command
My prince will come just to kiss my hand..."



A assertiva de Walter Benjamin, segundo o qual para o cinema é menos importante o ator representar diante do público um outro personagem do que ele representar-se a si próprio, encaixa-se como uma luva nesta produção - sintomático é o fato de os nomes dos personagens serem iguais aos dos artistas.
O efeito disso é claro e bem conhecido pelos empresários dessa fábrica de sonhos, que nada tinham de tolos: convidar o espectador a participar da ação, a compartilhar dos sentimentos daqueles personagens aos quais poder-se-ia atribuir os rótulos de "pessoas". O curioso é que ainda hoje aceitamos o convite, por mais que saibamos que tudo isso não passa de ilusão...