A Chegada (Arrival, 2016) fez entre nós uma carreira cinematográfica um tanto quanto tímida. Parece estranho, considerando não apenas a sua qualidade, mas o seu caráter espetacular, que o filme não tenha sido distribuído com mais largueza pelas grandes redes de cinema. Isso se deve, talvez, ao seu sopro poético. O longa de Denis Villeneuve nega-se o quanto pode à linearidade e ao estabelecimento de nexos causais firmes – transformando a negativa à objetividade, inclusive, na questão-chave da trama.

Vê-se que a premissa básica do filme cobra do público a suspensão da descrença. Aqueles que toparem o jogo verão que a trama supostamente absurda esconde uma joia. A Chegada é metáfora da necessidade de comunicação para a resolução de conflitos – lugar comum que adquire éthos revolucionário hoje em dia, nessa nossa sociedade pautada pelo ódio ao diferente, pela dicotomização que transforma o outro em oponente aniquilável.

Habitamos a língua que falamos. Vivemos o mundo enquanto sensação apenas na tenra infância. Reconfiguramo-lo ao aprendermos a nossa língua materna, que nos fornecerá, a partir dali, as lentes para que o enxerguemos. O nosso conhecimento de outras línguas faz com que observemos a nós mesmos em perspectiva, relativizando os nossos pressupostos tão sólidos, aparentemente absolutos.
Tal reflexão se tece, no filme, por meio de uma das fotografias mais bem realizadas do cinema contemporâneo. Ela, e um competente uso da objetiva indireta, que esfarela a linearidade, dão potência à narrativa, não apenas mimetizando o maravilhamento da linguista - personagem construída com grande sensibilidade por Amy Adams, uma das melhores atrizes de sua geração - frente à sua imersão na cultura dos misteriosos visitantes, mas convidando o público a acompanhá-la na viagem.
O filme abraça a ficção científica para criar o arquétipo de um mundo no qual a comunicação vence a barbárie. Irônico, considerando-se a situação política americana atual, que o diálogo parta de lá. É um bonito sonho, no entanto.