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segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

O ano cinematográfico de 2011 em revista

Em 2011, continuei a lista de filmes vistos no cinema que criei a partir de 2010. Revejo-a agora para preparar mais um daqueles famigerados (e abundantes) balanços cinematográficos do ano que passou. Não há aqui nenhum diferencial dos demais levantamentos de melhores e piores: será igualmente subjetivo e baseado nas coisas que a pesquisadora atarantada aqui teve tempo e possibilidade de ver; e também será vago, fruto da tentativa de inserir muita coisa no espaço de um post. Para facilitar o trabalho, à medida que eu revisava a lista, ia dividindo os filmes em categorias paridas às pressas. Serão elas que determinarão o correr das linhas daqui em diante:

Os norte-americanos

O cinema norte-americano atual é tão óbvio que tira toda a graça do crítico. Divide-se quase que globalmente em: filmes para concorrer ao Oscar/ filmes para fazer dinheiro. A segunda categoria domina o mercado gerando coisas abaixo da crítica, portanto, deixemo-las descansarem em paz. A primeira dá um pouco mais de pano pra manga:

Os oscarizados (e os indicados)

Reencontrando a Felicidade

Não é preciso teorizar muito sobre o valor simbólico da premiação e da automática chancela de qualidade que carimba seus escolhidos. Às vezes a escolha é justíssima. Na maioria delas, no entanto, são premiados filmes bem-feitos, porém, convencionais. Se em alguns momentos o prêmio tem o aplaudível poder de fazer circular globalmente um filme estrangeiro que, caso contrário, bem possivelmente estaria restrito a nível local, ele serve sobretudo para a indústria de cinema norte-americano chamar atenção sobre si, elevar-se como produtora de obras de valor, quando na verdade não passa de um mercado de banalidades com raros sopros criativos.
Neste ano não foi diferente. Dois filmes convencionais ganharam os prêmios principais da Academia: “O Discurso do Rei” ("The King's Speech", Hooper, 2010) e “Em um mundo melhor”. O primeiro é um filme simpático: a história de superação do Rei George VI, da Inglaterra, é contata por um Colin Firth correto, porém, bem distante de seu desempenho brilhante em “Direito de Amar” (2009). Mas o ano produziu obras mais substanciais. Compuseram a lista dos indicados “Reencontrando a felicidade” (“Rabbit Hole”, Mitchell, 2010), “127 horas” (“127 hours”, Boyle, 2010), “A Rede Social” (“The Social Network”, Fincher, 2010), “Inverno da alma” (“Winter’s Bone”, Granik, 2010), todos filmes provocadores: a mãe (uma Nicole Kidman impecável) que perde o filho pequeno e está sempre às voltas com seu assassino involuntário, ambos ruminando culpas e acusações e tentando se reencontrar depois da tragédia; o homem que precisa se mutilar para escapar da cilada impingida pelo seu espírito aventureiro; os gênios da era digital, gente muito nova que tem o mundo de hoje nas mãos; a jovem sulista que toma a família nos ombros e altivamente sai em busca do pai, traficante desaparecido que vendera a casa da família. Sem contar “Bravura indômita” ("True Grit", Cohen, Cohen, 2010), diversão pura e da melhor qualidade, imprimindo na tela grande um western das antigas, luminosa homenagem dos irmãos Cohen ao que de melhor nos deu Jonh Wayne. À homenagem à sétima arte, à profundidade dos dramas humanos, à reflexão sobre os caminhos da tecnologia a Academia preferiu uma patriotada – uma patriotada bem-feita, mas que só será lembrada (por mim, pelo menos) como o abre-alas para a novela do casamento real de William e Kate, a maçada do ano.
No que toca aos estrangeiros, infelizmente só vi “Biutiful” e “Incêndios”, mas qualquer um dos dois ganha do premiado, o dinamarquês/sueco “Em um mundo melhor”, que tem o poder de entremear duas narrativas igualmente medíocres, dialogando entre si de forma artificial, e não deixam qualquer chavão passar batido: o menino que sofre de bullying, revoltado pela mãe que morreu de câncer, e o do médico bonzinho que lida com sanguinários (ultracaricatos) líderes africanos. Enfim, as desgraças da mídia são enfileiradas na película, pasteurizadas para alimentarem o paladar pouco treinado do público comum.


Os pretensiosos

Outro subgênero importante do cinema dos EUA é composto por filmes que se querem grandes, porém, apenas conseguem serem-no no que toca à duração, aos gastos, enfim, à pretensão. Minha lista de pretensiosos do ano é composta pelo sensaborão “Um lugar qualquer” (Somewhere, 2011, Sofia Coppola), filme que rompe com a narrativa estereotipada de Hollywood, mas não consegue ganho nenhum com isso: arrasta-se como se estivesse solto ao sabor do vento, perdido entre imagens banalíssimas de refeições sendo preparadas, dançarinas bailando números musicais inteiros, inúmeras viagens de carro - elementos que somados nos levam a nowhere, com o perdão pelo trocadilho... Segue a banda o “Cisne Negro” ("Black Swan", Aronofsky, 2010) e “Meia-noite em Paris” ("Midnight in Paris", Allen, 2010), ambos louvados pela crítica oficial mas desancados – com argumentos, bem entendido – por essa que vos fala, pobre resenhista que chegou até a ser agredida verbalmente porque, ooohhh!, cometeu a heresia de dizer que Woody Allen fazia, em seu filme, uma cópia piorada de si mesmo. O quarto filme a receber tratamento análogo aqui será “A árvore da vida” (“The tree of live”, Mallick, 2011), que merece o pódio da categoria.

Este merece uma leitura um pouco mais detida – mas nem tanto, pois espero ansiosamente pela resenha de meu amigo Chico Lopes, que consegue como ninguém ser num só tempo inteligente, irônico e divertido. Especialmente porque o filme já arrebanhou a Palma de Ouro em Cannes, prêmio respeitável.
Se “A árvore da vida” é competente numa coisa, é no marketing. Um diretor recluso e bissexto é coisa tão surpreendente nessa nossa era de ultraexposição na mídia que só isso já vale um prêmio. Junte artistas famosos (o confiável Sean Pen e o galã-quarentão-ainda-com-estofo-pra-fazer-bilheteria Brad Pitt), tecnologia de ponta e um texto cifrado, pseudo-intelectualizante. Uma amiga minha definiu lindamente o filme: duas horas e meia de apresentação da proteção de tela do Windows. Isso quase que encerra a questão. Basta apenas dizer que esse desfile de imagens bonitas empacota a história pouco convicente de uma família do sul dos Estados Unidos do início dos anos 50. Mas a pretensão é imensa: nestes 5 indivíduos (a estória tem laivos autobiográficos, como não podia deixar de ser) o diretor/escritor pretende fazer emergir a história do cosmos: do caos ao big bang, as águas vivas e os dinossauros, e um marido machão que agride a esposa e tolhe os filhos. Diga-se de passagem, é muito egocentrismo do Sr. Mallick pretender que seu mundinho familiar (circunscrito a um grupo branco, de classe média, dos Estados Unidos do pós-guerra) tenha estofo para gerar tal reflexão metafísica. Se ele estivesse me ouvindo eu lhe indicaria sessões de análise para que, livrando-se do pai castrador, ele nos livrasse de projetos como esse. Mas como ele não está, mudemos de assunto.


Os bons, longe dos Estados Unidos

Porque vi poucos filmes americanos, meu ano cinematográfico foi muito bom. Da Argentina nos chegou “Abutres” (“Carancho”, Trapero, 2010), “Um conto chinês” (“Um cuento chino”, Borensztein, 2011), ambos com o excelente Ricardo Darín, que para nossa sorte trabalha com bastante regularidade. Ambos valem a pena: o primeiro porque trata com agudez do funcionamento da indústria argentina de pagamentos de seguros de trânsito, com toda a corrupção que a envolve; e especialmente o segundo, uma comédia extremamente bem encenada, de ditos espirituosos e situações cômicas bem fundadas, mas que não deixa de lado o aprofundamento dos caracteres e o choque de ideias – choque gerado pela aproximação de duas culturas bem diferentes, unidas definitivamente por uma insólita vaca que despenca do céu (o tal “conto chinês” do título). Outro altamente recomendável é “O homem ao lado” (El hombre de al lado, Cohn, Duprat, 2009), tragicomédia que tematiza com louvável seriedade a relação entre visinhos – e, mais amplamente, a relação com o outro.
Da Coreia do Sul chegou aqui no interior “Poesia” (“Shi, Chang-dong-Lee, 2010) bela história da velhinha que, já corroída pelo Alzheimer, começa a enxergar a vida com olhos de poeta – resultado das aulas de poesia que começa a tomar. Do Peru, “Contracorrente” (“Contracorriente”, 2009, Fuentes-León), delicada leitura do homossexualismo numa aldeia de pescadores peruana. Dos que ainda podem ser pegos na tela grande, valem a pena os dois franceses “A chave de Sarah(“Elle s’appelait Sarah”, Paquet-Brenner, 2010) e “O garoto da bicicleta” (“Le gamin au velo”, Dardene, Dardene, 2011), premiado em Cannes com o Grand Prize. O primeiro não consegue um efeito cinematográfico tão eficiente ao entremear a odisseia de Sarah – judia enviada com os pais a um campo de concentração alemão, pelas mãos do próprio exército francês, e que dele foge para tentar salvar o irmão que ficou para trás – e a de Julia, jornalista que, ao escrever sobre o Holocausto, descobre que a família do marido esteve ligada intimamente à tragédia da menina judia; e precisa lidar com todos os problemas familiares decorrentes da descoberta. Porém, ele vale sobretudo pela ótima Kristin Scott Thomas, na pele de Julia. O segundo já atinge com maestria a unidade entre forma e tema: conta sem rebuços a história de um garoto revoltado, interno de um orfanato, e seu périplo para resgatar a manter a bicicleta – e a integridade moral e física – numa cidade hostil. A câmera toma o mundo pelos olhos do protagonista, provocando a identificação rápida do leitor com o menino meio vadio e meio perdido, porém, acima de tudo uma criança que ainda tem muito a conhecer da vida. Mesmo aproveitando-se da subjetiva direta, a narrativa não deixa de ampliar o escopo, pintando, além do menino, o mundo que o rodeia – mundo cujas ambiguidades ele ajuda a construir.
E do Brasil, em meio ao lixo industrial brotaram os bons “Capitães da areia” (Amado, Gonçalves, 2011), dirigido com alguma irregularidade mas bonita reverência pela obra de Jorge Amado – e a diretora, neta do autor, consegue numas cenas da obra resultados mais interessantes que os alcançados no livro; “Amanhã nunca mais” (Jungle, 2011), em que sensacionais Lázaro Ramos e Maria Luisa Mendonça ousam num filme divertido e denso, diferente das coisas que se produzem no país; e “O Palhaço” (Selton Mello, 2011), com espantoso sucesso de público, considerando-se às meias tintas da produção, homenagem singela ao mundo do circo.


Os melhores

De minha lista de melhores fazem parte os norte-americanos “Além da vida” (“Hereafter”, Eastwood, 2010) e “Melancolia” (Melancholia, Von Trier, 2011). O primeiro surpreendente pelo modo como amarra as histórias de duas vidas marcadas pela tragédia à história do homem que tem poderes espirituais. Além da direção acima de qualquer suspeita de Clint Eastwood, que me atrai por atingir a dimensão poética das coisas que tematiza, o filme vale por Matt Damon (cada vez melhor), no papel do vidente, e de Cécile de France, como a moça que escapa com vida da histórica tsunami da Tailândia.

"Melancolia" eu achei maravilhoso do princípio ao fim e nos mínimos detalhes: na escolha da linguagem cinematográfica usada: o uso competente da câmera para detalhar os estados de espírito da protagonista e de sua irmã; o modo como a apaixonada e torturada partitura de “Tristão e Isolda” molda-se ao tema, pintando com grandiosidade a entrega passional à inação, inerente à melancolia; nas atuações irrepreensíveis de Charlotte Gainsbourg e Kristen Dunst – esta última está perfeita e merece com louvor o prêmio de melhor atriz que Cannes lhe deu (e eu que a imaginava talhada apenas para representar a noivinha boboca do Homem Aranha...).Adicionar imagemDa Itália saiu a comédia “O primeiro que disse” (“Mine Vaganti”, Ozpetek, 2010): linda (e não falo apenas dos lindíssimos protagonistas), tocante, divertida, bem italiana. Da Espanha, o impressionante “A pele que habito” (“La piel que habito”, Almodóvar, 2011), as pazes de Almodóvar com o grande cinema e de Antonio Bandeiras, com os grandes protagonistas. Flertando com o cinema de horror e com os avanços no campo da medicina – campos que parecem cada vez mais aproximados – o diretor levantou e desdobrou, com sangue frio, questões pungentes: quais são os limites da medicina? onde se concentra a identidade do sujeito?
Da Rússia/França, “O Concerto” (Le Concert, Mihaileanu, 2009), história do maestro que, metido num imbróglio político no passado, apenas reassume sua função depois de se juntar aos músicos seus amigos – um bando de russos bem russos, gritões, beberrões e intensos (e eu ressalto os estereótipos com todo o respeito, porque eles são usados nesses filmes com uma sinceridade comovente). O filme traz uma visão arrebatadamente romântica da arte, ainda mais cabível considerando-se o tour de force do grupo na execução de Tchaikovsky, o grande compositor romântico russo.

Da França ainda saiu o instigante “Cópia Fiel” (“Copie conforme”, Kiarostami, 2010), exercício filosófico e cinematográfico de respeito; “Homens e Deuses” (“Des hommes et des dieux”, Beauvois, 2010), brilhante lição de como o respeito entre os homens e o amor ao próximo extrapola os limites das religiões; “Gainsbourg, o homem que amava as mulheres” (“Gainsbourg, vie héroique”, Sfar, 2010), comovente (e original) documentário sobre o músico francês; “Potiche: a esposa troféu”, com a minha agora querida Catherine Deneuve, que me levou à Paris e me fez lá reencontrá-la no gracioso drama musical “Les biens aimés” – filme em que ela novamente canta, desta vez com a filha.
E do Brasil saiu o ótimo “Não se preocupe, nada vai dar certo” (“Carvana”, 2011), em que Tarcísio Meira dá um show na pele do artista canastrão e trambiqueiro, numa trama que acompanha-lhe o ritmo: também ela exagerada, colorida e irresistivelmente absurda.

*
O ano de 2011 nos reserva surpresas. De minha parte, espero ansiosamente pela montagem cinematográfica de “Deus da carnificina”, protagonizado pelas grandes Kate Winslet e Jodie Foster; e por “O Artista” (Hazanavicius, 2011), filme francês em branco e preto e silencioso cujo trailer prova cabalmente que, nesses tempos em que a tecnologia engole o produto, nada melhor do que se voltar às origens para se salvar à arte.