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terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

Bolão do Oscar 2012

A lista dos indicados ao Oscar deste ano me botou na defensiva. Dos filmes que vi até agora, nenhum grande a compõe. Deixou-se de lado o ótimo "Melancolia", o melhor filme do ano passado (pelo menos, o mais pessimista, arrepiante e polêmico) e deram lugar aos dramalhões mais ou menos patrióticos ("Cavalo de guerra"; "Tão forte e tão perto"; "Histórias Cruzadas"), à nostalgia frívola ("Meia-noite em Paris") e ao draminha pessoal com pinta de auto-ajuda e pretensão ecológica ("Os Descendentes"). Compõe o rol de indicados da Academia-politicamente-correta uma atriz negra fazendo papel de doméstica que dá a volta por cima (Viola Davis), um potencial candidato a político interpretando com rigidez igualmente política (George Clooney). Concentraram os prêmios em meia-dúzia de obras. Despejou-se mais de uma dezena de indicações num filme que é inegavelmente bonito e meigo ("O Artista"), mas que ainda precisa ser visto pela crítica mais com a cabeça que com o coração. E "Meia-noite em Paris" ganhou uma insólita indicação para o prêmio de Melhor Roteiro Original, ele que é uma cópia menos competente de tudo o que Allen fez ao longo de sua carreira. De outstanding work, desde meu ponto de vista, só mesmo a atuação de Gary Oldman no "Espião que sabia demais" (filme melhor que uma porção dos indicados, e que ficou fora da lista dos melhores), de Meryl Streep na "A Dama de Ferro" (com menção mais que honrosa para o irresistível Jean Dujardin, de "O Artista"), e sobretudo o iraniano "A Separação", filme sensacional, melhor que todos os indicados na categoria de Melhor Filmes juntos.
Porém, parece que toda a minha falta de empolgação não foi bastante pra me deixar distante do Bolão do Oscar 2012, organizado pelas trabalhadeiras editoras do ótimo DVD, Sofá e Pipoca. Meu amor pelo cinema é, mesmo, maior que tudo!... Então, segue a lista dos indicados com meus pitacos (escolhidos menos pelo meu gosto pessoal que pela lógica da Academia).

MELHOR FILME
Os Descendentes
A Árvore da Vida
Histórias Cruzadas
A Invenção de Hugo Cabret
O Homem Que Mudou o Jogo
Cavalo de Guerra
O Artista
Meia-Noite em Paris
Tão Perto e Tão Forte

MELHOR ATOR
George Clooney - Os Descendentes
Brad Pitt - O Homem Que Mudou o Jogo
Jean Dujardin - O Artista
Demián Bichir - A Better Life
Gary Oldman - O Espião que Sabia Demais

MELHOR ATRIZ
Glenn Close - Albert Nobbs
Viola Davis - Histórias Cruzadas
Rooney Mara - Millennium - Os Homens que Não Amavam as Mulheres
Meryl Streep - A Dama de Ferro
Michelle Williams - Sete Dias com Marilyn

MELHOR ATOR COADJUVANTE
Kenneth Branagh -Sete Dias com Marilyn
Nick Nolte - Guerreiro
Max Von Sidow - Tão Perto e Tão Forte
Jonah Hill - O Homem Que Mudou o Jogo
Christopher Plummer - Toda Forma de Amor

MELHOR ATRIZ COADJUVANTE
Bérénice Bejo - O Artista
Jessica Chastain - Histórias Cruzadas
Janet McTeer - Albert Nobbs
Melissa McCarthy - Missão Madrinha de Casamento
Octavia Spencer - Histórias Cruzadas

MELHOR DIRETOR
Woody Allen - Meia-Noite em Paris
Terrence Malick - A Árvore da Vida
Alexander Payne - Os Descendentes
Michel Hazanivicous - O Artista
Martin Scorsese - A Invenção de Hugo Cabret

MELHOR ROTEIRO ADAPTADO
A Invenção de Hugo Cabret
Tudo pelo Poder
Os Descendentes
Bridget O'Connor - O Espião que Sabia Demais
O Homem Que Mudou o Jogo

MELHOR ROTEIRO ORIGINAL
Meia-Noite em Paris
O Artista
Margin Call - O Dia Antes do Fim
Missão Madrinha de Casamento
A Separação

MELHOR FILME EM LINGUA ESTRANGEIRA
A Separação (Irã)
Bullhead (Bélgica)
Monsieur Lazhar (Canadá)
Footnote (Israel)
In Darkness (Polônia)

MELHOR LONGA ANIMADO
Gato de Botas
Kung Fu Panda 2
Rango
Um Gato em Paris
Chico & Rita

MELHOR TRILHA SONORA ORIGINAL
As Aventuras de Tintim
O Artista
O Espião que Sabia Demais
A Invenção de Hugo Cabret
Cavalo de Guerra

MELHOR CANÇÃO ORIGINAL
"Man or Muppet" - Os Muppets
"Real in Rio" - Rio

MELHORES EFEITOS VISUAIS
Harry Potter e as Relíquias da Morte - Parte 2
A Invenção de Hugo Cabret
Gigantes de Aço
Planeta dos Macacos - A Origem
Transformers: O Lado Oculto da Lua

MELHOR MAQUIAGEM
Albert Nobbs
Harry Potter e as Relíquias da Morte - Parte 2
A Dama de Ferro

MELHOR FOTOGRAFIA
Millennium - Os Homens que Não Amavam as Mulheres
O Artista
A Invenção de Hugo Cabret
A Árvore da Vida
Cavalo de Guerra

MELHOR FIGURINO
Anônimo
O Artista
A Invenção de Hugo Cabret
Jane Eyre
W.E. - O Romance do Século

MELHOR DIREÇÃO DE ARTE
O Artista
Harry Potter e as Relíquias da Morte - Parte 2
A Invenção de Hugo Cabret
Cavalo de Guerra

MELHOR DOCUMENTÁRIO
Hell and Back Again
If a Tree Falls
Paradise Lost 3: Purgatory
Pina
Undefeated

MELHOR DOCUMENTÁRIO DE CURTA-METRAGEM
God is the Bigger Elvis
The Barber of Birmingham: Foot Soldier of the Civil Rights Movement
Incident in New Baghdad
Saving Face
The Tsunami and the Cherry
Blossom

MELHOR MONTAGEM
Os Descendentes
O Artista
Millennium - Os Homens que Não Amavam as Mulheres
O Homem Que Mudou o Jogo
A Invenção de Hugo Cabret

MELHOR CURTA
Pentecost
Raju
The Shore
Time Freak
Tuba Atlantic

MELHOR CURTA ANIMADO
Dimanche
The Fantastic Flying Books of Mister Morris Lessmore
La Luna
A Morning Stroll
Wild Life

MELHOR EDIÇÃO DE SOM
Drive
Millennium - Os Homens que Não Amavam as Mulheres
Cavalo de Guerra
A Invenção de Hugo Cabret
Transformers: O Lado Oculto da Lua

MELHOR MIXAGEM DE SOM
Millennium - Os Homens que Não Amavam as Mulheres
Cavalo de Guerra
A Invenção de Hugo Cabret
Transformers: O Lado Oculto da Lua
O Homem Que Mudou o Jogo

terça-feira, 17 de janeiro de 2012

Reflexões de fim de ano sobre uma arte-indústria um tanto insatisfatória

A partir de hoje este blog passará a publicar textos de crítica cinematográfica do escritor - meu amigo - Chico Lopes, coisa que muito me honra, já que sou fã assumida desse olhar crítico que ele volta aos objetos que analisa. Seja bem-vindo, Chico!


por Chico Lopes


Neste fim de ano, amigos me mandam listas de seus filmes favoritos de 2011. Reinam aqueles títulos que os leitores já sabem quais, “A árvore da vida”, “Melancolia”, “A pele que habito”, “Cópia fiel”, “Cisne negro” etc. Não faço desse tipo de lista e me sinto meio marginalizado por não ser dado à prática, porque parece que todo mundo tem as suas. Vi muitos filmes, profissionalmente e às vezes com expectativas apaixonadas, como sempre, neste 2011. Mas nada me cutucou tão profundamente quanto fui cutucado nos anos 80 por coisas como “Blade Runner” e “Veludo azul” e nos 90 por outras tantas. Minha impressão é a de que o último grande filme que vi é mesmo de 2001, “Cidade dos sonhos”, de Lynch.
Mesmo Almodóvar me parece uma coisa já meio esgotada, em “A pele que habito”, filme de interesse (porque nada do que ele faz é desinteressante), mas com o raso (nunca me convenceu como ator, é mais um galã que outra coisa) Antonio Banderas como protagonista. Helena Anaya e Marisa Paredes, as mulheres do filme, são muito mais interessantes como atrizes e seus papéis mais sugestivos. A história é envolvente, mas termina com um furo de roteiro besta. É apenas razoável, o filme, e não merecia tantas loas como vem merecendo. Achei “A árvore da vida” uma transposição da banalidade dos filmes de família americanos, aqueles dramas que às vezes são bons e às vezes nos parecem demasiado insossos e sentimentaloides, para uma escala cósmica. Banalidade cósmica, portanto - e Malick é um sujeito presunçoso, um sub-Kubrick. “Cópia fiel” me fez ficar cansado dos filmes muito “falados” típicos do cinema rodado na França. Não suportei ver Juliette Binoche, sempre linda, e seu marido (ou não) estudioso de arte, falando sem parar. Estou cansado das afetações empoladas e áridas do “cinema de arte”, pensei. Não é bem assim, na verdade. “Melancolia”, por exemplo, pegou-me com força.
Mas a mediania chata domina. Estou com 59 anos e só mesmo quando atacado de auto-complacência extrema, me permito curtir fantasias adolescentes. Filmes cheios de “magia” e efeitos digitais, com ação frenética, me deixam menos empolgado que sonolento. A explicação: tédio. Enredos bizarros, personagens bonzinhos de um lado e malvados de outro, lutas intermináveis, cenários pasmosos, dragões, resgates espetaculares etc parecem bailar no vazio. É preciso perder todo e qualquer senso crítico para achar isso realmente mágico e envolvente. Magia calculada demais deixa de ser magia. E há algo no cinema da era digital que, paradoxalmente, sugere mais irrealidade escapista que poesia, caindo na monotonia do exagero. E como os atores andam ruins! Se os filmes são adolescentes, então, pega-se gente que talvez um dia aprenda a representar, mas, por enquanto, pura lástima...
Estarei ficando velho e blasé demais?, me pergunto. Isso me remete ao passado do cinema.


A PERDA DA INGENUIDADE

Converso com regularidade com um amigo que, quando se trata de filmes de passado, ao começar a descobrir tudo que andava saindo em DVD, ficou, tal como eu, empolgado. “Vamos ver agora cinema de verdade”, dissemos meio que em uníssono, acreditando piamente que nada foi melhor do que o cinema dos anos 30, 40 e 50 em Hollywood, com uma pequena concessão para os anos 60 e 70. Bem, tivemos sustos e mais sustos com produções horríveis ou dignas de esquecimento que nossas memórias indulgentes envolviam naquela aura de coisa maravilhosa e intocável, quase mística (também, eram apenas a mais vaga lembrança), e fomos vendo que certas estrelas e astros não sabiam representar e certos diretores eram uma empulhação e certos roteiros eram risíveis. Claro que certas coisas eram mesmo muito boas, e tanto melhor, mas já eram exceções também, pois a Nostalgia engana muito: o “filme antigo” parece vir sempre carimbado por um prestígio automático e não é assim. Basta vê-lo com os olhos de presente, que já não são mais ingênuos (mudamos muito, ora, e como não mudar?), e tudo fica relativo ou meio patético.
Todo saudosista de cinema é assim, de certo modo – quer que a qualidade de certas lembranças se perpetue menos pela qualidade indiscutível dos filmes que lhes deram origem do que por alguma razão pessoal, de fortes raízes emotivas. Saudosismo e complacência andam de mãos dadas: pelo fato de nos trazerem belas lembranças ou nos despertarem suspiros por um mundo que nunca foi daquele jeito e nem poderia ser, perdoamos filmes maus ou medíocres, ainda mais quando revivem o rosto de uma atriz amada ou uma trilha-sonora particularmente venerada. Mas, basta um pouco de lucidez e a embriaguez se desfaz. A operação de cálculo comercial, com sua chantagem emocional, seu melodrama caça-níquel, logo transparece. Ninguém que se puser a rever “Amores clandestinos”, por exemplo, poderá deixar de ver, depois de anos e anos de cinema, que Sandra Dee era bonitinha e má atriz, Troy Donahue era um ator ridículo, e que aquilo era um dramalhão comercial de Delmer Daves embalado pela música – extremamente popular naquele fim de anos 50 no Brasil – do compositor Max Steiner, autor de tantas trilhas famosas para Hollywood. Pior ainda, no filme, era o casal dos pais dos jovens lindinhos, Richard Egan e Dorothy McGuire. As bancas andam cheias de DVDs desse tipo, afora musicais esquecidos e outros itens embolorados.
Thomas Mann dizia, em “Morte em Veneza”, que “o anseio é produto de um conhecimento falho”. Verdade: basta que se as conheça precisamente, e as coisas perdem facilmente seu ar fantástico e encantador. No caso da Nostalgia no cinema, o anseio é derivado de visões parciais, fragmentadas, de deslumbramentos não claramente compreendidos quando aconteceram, e os filmes são mesmo assim – as emoções que produzem não podem ser dissociadas de estados de espírito datados, coisas que sentimos em certas épocas e que são irrecuperáveis. A ingenuidade morre, e de modo irreversível.
Com os olhos abertos e a carga infalível da experiência, fazemos a viagem retrospectiva ao adquirir o DVD este ou aquele, e não é mais aquilo de modo algum. Outro dia, encontrei numa banca um senhor de seus 60 e tantos anos que me jurava que havia determinada cena num faroeste de James Stewart, dos dirigidos por Anthony Mann, que ele venerava e que ele o comprara por isso. Daí viu que o filme não tinha tal cena, e ficou irritado, mas era possível que houvesse se confundido, que o filme fosse outro, e títulos na cabeça de espectadores comuns, bem como atores (nem se fale de diretores) se perdem e confundem. Tais confusões são comuns, e ainda mais porque a Nostalgia é um apelo especialmente para pessoas que já começam a fenecer e ver os dados da memória se embaralharem. No caso dele, não queria, teimoso, renunciar ao seu ponto de vista. O filme tinha que ter aquela cena, ponto final, e ela devia ter sido cortada na edição do DVD – não era ele que estava errado de modo algum. Também reclamou que o filme não era tão bom como lembrava, mas, quando lhe perguntei quando o tinha visto, disse que lá com uns vagos 15 anos. “O senhor mudou muito desde então, não é mesmo?”, disse, brincando. Pareceu perplexo. Não havia pensado nisso – que entre sua visão de adolescente e sua visão atual, de sexagenário, haveria no mínimo um abismo a levar em conta. Nada permanece intacto, nós mudamos, mas como é difícil para certas pessoas admitir essa coisa tão óbvia, no terreno das emoções! Imaginamos sempre que certos tesouros têm o dom da eternidade, não os percebemos condicionados ao tempo como são. Deliramos, mas ai de quem duvidar da validade do nosso delírio...
Fiz duas dessas viagens, recentemente, a dois mitos de cinema que aprendi a amar muito depois dos tempos em que já eram artigos fanados: Marlene Dietrich e Vivien Leigh. Nasci em 1952 e comecei a ver filmes ainda garoto, no início dos anos 60, e, na época, Marlene Dietrich e Vivien Leigh eram nomes célebres de gerações bem passadas. Faziam ainda cinema, mas como autênticas grandes damas envelhecidas e respeitáveis em produções esparsas, e de Leigh ainda vi, sem entender nada, o filme em que ela era uma senhora madura e decadente convivendo com Warren Beatty bem jovem em “Em Roma, na primavera”. Quando vi Marlene pela primeira vez, foi em alguma reprise do “Testemunha de acusação”, filme em que já estava madura, não era mais a estrela ímpar dos anos 30 (mas, dirigida por Billy Wilder, tinha uma boa interpretação).
Dei azar: peguei para ver “Marrocos”, o mítico “Marrocos” de 1930 com que Marlene pisou em Hollywood, dirigida por Joseph Von Sternberg, que já a tinha lançado no sucesso internacional de “O anjo azul”. Se não houvesse ficado tão irritado com a tremenda afetação e o ritmo morto da produção, talvez houvesse dado grandes risadas, tal o ridículo da história e das interpretações. O filme é de um tempo em que o cinema falado era ainda uma novidade e os diálogos têm entre si intervalos em que os atores ficam olhando uns para os outros por tempo longo demais, não há ritmo ágil e as réplicas não surgem com a enxutez com que nos acostumamos, são preenchidos com um langor abestalhado, porque vazio de significado. Bons atores talvez houvessem superado isso, mas Marlene não se preocupava em ser uma atriz, era uma estrela, uma escrava de “atitudes” e figurinos, e Von Sternberg abusou dessa sua condição de manequim peixe-morto e insolente por muito tempo.
Ela faz uma cantora, Amy Jolly, que chega a Marrocos com um passado obscuro, sobre o qual se pode especular, e se apaixona por um soldado da Legião Estrangeira que a aplaude num show de um cabaré decadente. Tudo é mero pretexto para Von Sternberg exercitar sua paixão pela fotografia (de Lee Garmes) e é de uma frivolidade estúpida, com Gary Cooper jovem, bonito e boçal parecendo mais objeto sexual do que Marlene, visto que é adorado por todas as mulheres que circulam pelo filme. Marlene, o que faz? Andrógina, vestida de paletó e gravata, dá um beijo numa mulher do público, tira uma rosa que estava com esta e a joga para o legionário Cooper. Por isso, o filme é considerado o máximo em ousadia, e acho que ninguém nem prestou atenção ao resto. Que, por exemplo, a paixão que ela tem pelo legionário é um primor de masoquismo e submissão, e no final ela até tira seus sapatos de salto para segui-lo, junto com mulheres árabes que seguem seus bravos guerreiros machões, pelo deserto. Se ele vai prestar atenção ou não a ela, parece pouco importar: é o supremo sedutor cafajeste, o homem, o dono da jogada, e a ela cabe se submeter com total cegueira e idolatria, é “apenas uma mulher”, ora. Tudo isso é assistido por um pintor milionário (Adolphe Menjou) que não tem aparentemente o que fazer e passeia pelo mundo e está em Marrocos não se sabe por que, e se apaixonou tanto por ela (ou teria sido por Cooper?) que incentiva todas essas atitudes, com a generosidade absurda do corno mais manso e inverossímil que já existiu na tela. O filme é lixo glamouroso, como a maior parte do que Marlene fez com Von Sternberg, e, a meu ver, há uma condescendência grande demais com esse tipo de produto até hoje. Marlene, com aquela beleza, claro que era objeto de culto, mas parecia encarar sua carreira de atriz como um apêndice de sua condição de estrela e nada mais.


Vivien Leigh, que era essa coisa rara – uma estrela lindíssima e uma atriz de alto talento – é outra história. Há algo de verdadeiramente trágico na vida dessa mulher, cuja beleza nos arrepia mesmo quando os filmes são melodramas absurdamente rançosos como “A ponte de Waterloo”, em que faz uma bailarina que, por passar fome na guerra, acreditando que o seu homem (Robert Taylor) morreu em combate (segundo o que lê num jornal que dá as baixas militares), vira prostituta, e um dia, quando ele volta, acha-se tão indigna dele que se joga sob caminhões bélicos. Era um desperdício colocá-la em filmes assim, mas Vivien era mesmo de um talento miraculoso e sobrevivia até a esse lixo sentimental todo. Teve uma carreira cinematográfica confusa devido à sua obsessão pelo teatro e por Laurence Olivier e fez filmes duvidosos em que só ela acabava valendo. É o caso de sua “Ana Karenina”, dirigido por Julien Duvivier em 1948, que só vi agora, depois de conhecer a mitológica feita por Greta Garbo em 1935 e uma mais recente (1997) feita pela atriz Sophie Marceau. A heroína de Tolstoi é perfeita para Vivien, mas o filme é muito morto e adapta o escritor de modo convencional, reverente e apagado. A versão existente no mercado, ao menos a que me chegou às mãos, está péssima em som e imagem, uma mutilação da fotografia de Henri Alekan. É, aliás, outro dos riscos desse mercado de DVDs clássicos que se instalou nas bancas: desconfiar da qualidade é preciso, porque todos vêm lacrados e não raro guardam defeitos revoltantes.


RECICLAGENS E RAPINAS

Acredito que, com os VHS e DVDs, tendo acesso a todo o passado cinematográfico, fomos aprendendo todos, cinéfilos ou críticos, a amar um cinema que não foi em absoluto o da nossa geração, nosso tempo, que nos chegou embalado no prestígio de eras recobertas por boa quantidade de “nobreza de antiquário” ou bolor. Os brilharecos do passado nos ofuscaram. Aumentaram a nossa cultura cinematográfica, mas também nos tornaram mais indulgentes e acomodados e às vezes até mesmo cegos. Os anos 60 foram violentamente desmistificadores, e os 70 fizeram também de suas misérias com os mitos românticos e os heroísmos e as hipocrisias do passado hollywoodiano, mas, quase como numa reação compensadora, meio que ressentida e vingativa, os 80 foram muito reverentes na reciclagem das velhas formas de fazer cinema, e aí a Nostalgia se instalou comodamente – foram revividos os policiais noir (“Corpos ardentes”, “Chinatown”), as aventuras de seriado (“Indiana Jones”) e toda a limitação dos filmes de gênero com o artificialismo das poses e estereótipos clássicos – o que pareceu atingir o ápice com o “néon-realismo” de Francis Ford Coppola em “Do fundo do coração”. De repente, referindo-se ao Cinema, exibindo-se repletos de citações e preciosismos saudosistas, os filmes ficavam como que eximidos de crítica, e o que houve foi, sob muitos aspectos, um passo para trás. Os 90, mais violentos, paródicos e cínicos, foram apenas reforçando defeitos de uma indústria cada vez mais predadora e cada vez menos preocupada com disfarçar sua cupidez e falta de qualidade, e aí já nem mais importava a reciclagem dos mitos e velhas formas. Desde então, os buracos terríveis da indústria só fizeram aumentar e o vale-tudo, contanto que dando lucro, começou a ficar insano.
Pauline Kael, a maior crítica de cinema que os EUA já tiveram, deixou de fazer crítica nos anos 80, não aguentava mais. Não sei o que pensaria, se viva estivesse, e ainda ativa. Como teria reagido a coisas como Adam Sandler, Mike Myers, Steven Seagal, Vin Diesel etc etc etc? O que é que estaria achando bom, hoje em dia?
Em todo caso, é dela o livro que recomendo para os que quiserem entender os mecanismos da indústria e como o cinema, mesmo o melhor cinema nostálgico, foi parar no cemitério da televisão ou se degenerou na mão de produtores cujo máximo interesse é o lucro óbvio e que fazem tudo para que o público fique à sua mercê. Com todo o aparato publicitário que está à sua disposição, esmagador, a verdade é que vencem a batalha, porque a publicidade é a grande sedutora de nossa época e quem acha que o público em geral está disposto a ser crítico se engana redondamente. Uma coisa empurrada à força, formulaica, pobre, estúpida, como a maioria dos filmes no momento é, pode ser um grande sucesso ou será um sucesso médio, mas ignorada não será. A estupidez dita as regras, o comércio descarado encontra receptividade no público e vai prosseguindo, que ninguém se iluda. Kael viu isso no fundamental “Criando Kane”, que saiu no Brasil pela Record. Todos nós precisamos ler e reler este livro.

segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

O ano cinematográfico de 2011 em revista

Em 2011, continuei a lista de filmes vistos no cinema que criei a partir de 2010. Revejo-a agora para preparar mais um daqueles famigerados (e abundantes) balanços cinematográficos do ano que passou. Não há aqui nenhum diferencial dos demais levantamentos de melhores e piores: será igualmente subjetivo e baseado nas coisas que a pesquisadora atarantada aqui teve tempo e possibilidade de ver; e também será vago, fruto da tentativa de inserir muita coisa no espaço de um post. Para facilitar o trabalho, à medida que eu revisava a lista, ia dividindo os filmes em categorias paridas às pressas. Serão elas que determinarão o correr das linhas daqui em diante:

Os norte-americanos

O cinema norte-americano atual é tão óbvio que tira toda a graça do crítico. Divide-se quase que globalmente em: filmes para concorrer ao Oscar/ filmes para fazer dinheiro. A segunda categoria domina o mercado gerando coisas abaixo da crítica, portanto, deixemo-las descansarem em paz. A primeira dá um pouco mais de pano pra manga:

Os oscarizados (e os indicados)

Reencontrando a Felicidade

Não é preciso teorizar muito sobre o valor simbólico da premiação e da automática chancela de qualidade que carimba seus escolhidos. Às vezes a escolha é justíssima. Na maioria delas, no entanto, são premiados filmes bem-feitos, porém, convencionais. Se em alguns momentos o prêmio tem o aplaudível poder de fazer circular globalmente um filme estrangeiro que, caso contrário, bem possivelmente estaria restrito a nível local, ele serve sobretudo para a indústria de cinema norte-americano chamar atenção sobre si, elevar-se como produtora de obras de valor, quando na verdade não passa de um mercado de banalidades com raros sopros criativos.
Neste ano não foi diferente. Dois filmes convencionais ganharam os prêmios principais da Academia: “O Discurso do Rei” ("The King's Speech", Hooper, 2010) e “Em um mundo melhor”. O primeiro é um filme simpático: a história de superação do Rei George VI, da Inglaterra, é contata por um Colin Firth correto, porém, bem distante de seu desempenho brilhante em “Direito de Amar” (2009). Mas o ano produziu obras mais substanciais. Compuseram a lista dos indicados “Reencontrando a felicidade” (“Rabbit Hole”, Mitchell, 2010), “127 horas” (“127 hours”, Boyle, 2010), “A Rede Social” (“The Social Network”, Fincher, 2010), “Inverno da alma” (“Winter’s Bone”, Granik, 2010), todos filmes provocadores: a mãe (uma Nicole Kidman impecável) que perde o filho pequeno e está sempre às voltas com seu assassino involuntário, ambos ruminando culpas e acusações e tentando se reencontrar depois da tragédia; o homem que precisa se mutilar para escapar da cilada impingida pelo seu espírito aventureiro; os gênios da era digital, gente muito nova que tem o mundo de hoje nas mãos; a jovem sulista que toma a família nos ombros e altivamente sai em busca do pai, traficante desaparecido que vendera a casa da família. Sem contar “Bravura indômita” ("True Grit", Cohen, Cohen, 2010), diversão pura e da melhor qualidade, imprimindo na tela grande um western das antigas, luminosa homenagem dos irmãos Cohen ao que de melhor nos deu Jonh Wayne. À homenagem à sétima arte, à profundidade dos dramas humanos, à reflexão sobre os caminhos da tecnologia a Academia preferiu uma patriotada – uma patriotada bem-feita, mas que só será lembrada (por mim, pelo menos) como o abre-alas para a novela do casamento real de William e Kate, a maçada do ano.
No que toca aos estrangeiros, infelizmente só vi “Biutiful” e “Incêndios”, mas qualquer um dos dois ganha do premiado, o dinamarquês/sueco “Em um mundo melhor”, que tem o poder de entremear duas narrativas igualmente medíocres, dialogando entre si de forma artificial, e não deixam qualquer chavão passar batido: o menino que sofre de bullying, revoltado pela mãe que morreu de câncer, e o do médico bonzinho que lida com sanguinários (ultracaricatos) líderes africanos. Enfim, as desgraças da mídia são enfileiradas na película, pasteurizadas para alimentarem o paladar pouco treinado do público comum.


Os pretensiosos

Outro subgênero importante do cinema dos EUA é composto por filmes que se querem grandes, porém, apenas conseguem serem-no no que toca à duração, aos gastos, enfim, à pretensão. Minha lista de pretensiosos do ano é composta pelo sensaborão “Um lugar qualquer” (Somewhere, 2011, Sofia Coppola), filme que rompe com a narrativa estereotipada de Hollywood, mas não consegue ganho nenhum com isso: arrasta-se como se estivesse solto ao sabor do vento, perdido entre imagens banalíssimas de refeições sendo preparadas, dançarinas bailando números musicais inteiros, inúmeras viagens de carro - elementos que somados nos levam a nowhere, com o perdão pelo trocadilho... Segue a banda o “Cisne Negro” ("Black Swan", Aronofsky, 2010) e “Meia-noite em Paris” ("Midnight in Paris", Allen, 2010), ambos louvados pela crítica oficial mas desancados – com argumentos, bem entendido – por essa que vos fala, pobre resenhista que chegou até a ser agredida verbalmente porque, ooohhh!, cometeu a heresia de dizer que Woody Allen fazia, em seu filme, uma cópia piorada de si mesmo. O quarto filme a receber tratamento análogo aqui será “A árvore da vida” (“The tree of live”, Mallick, 2011), que merece o pódio da categoria.

Este merece uma leitura um pouco mais detida – mas nem tanto, pois espero ansiosamente pela resenha de meu amigo Chico Lopes, que consegue como ninguém ser num só tempo inteligente, irônico e divertido. Especialmente porque o filme já arrebanhou a Palma de Ouro em Cannes, prêmio respeitável.
Se “A árvore da vida” é competente numa coisa, é no marketing. Um diretor recluso e bissexto é coisa tão surpreendente nessa nossa era de ultraexposição na mídia que só isso já vale um prêmio. Junte artistas famosos (o confiável Sean Pen e o galã-quarentão-ainda-com-estofo-pra-fazer-bilheteria Brad Pitt), tecnologia de ponta e um texto cifrado, pseudo-intelectualizante. Uma amiga minha definiu lindamente o filme: duas horas e meia de apresentação da proteção de tela do Windows. Isso quase que encerra a questão. Basta apenas dizer que esse desfile de imagens bonitas empacota a história pouco convicente de uma família do sul dos Estados Unidos do início dos anos 50. Mas a pretensão é imensa: nestes 5 indivíduos (a estória tem laivos autobiográficos, como não podia deixar de ser) o diretor/escritor pretende fazer emergir a história do cosmos: do caos ao big bang, as águas vivas e os dinossauros, e um marido machão que agride a esposa e tolhe os filhos. Diga-se de passagem, é muito egocentrismo do Sr. Mallick pretender que seu mundinho familiar (circunscrito a um grupo branco, de classe média, dos Estados Unidos do pós-guerra) tenha estofo para gerar tal reflexão metafísica. Se ele estivesse me ouvindo eu lhe indicaria sessões de análise para que, livrando-se do pai castrador, ele nos livrasse de projetos como esse. Mas como ele não está, mudemos de assunto.


Os bons, longe dos Estados Unidos

Porque vi poucos filmes americanos, meu ano cinematográfico foi muito bom. Da Argentina nos chegou “Abutres” (“Carancho”, Trapero, 2010), “Um conto chinês” (“Um cuento chino”, Borensztein, 2011), ambos com o excelente Ricardo Darín, que para nossa sorte trabalha com bastante regularidade. Ambos valem a pena: o primeiro porque trata com agudez do funcionamento da indústria argentina de pagamentos de seguros de trânsito, com toda a corrupção que a envolve; e especialmente o segundo, uma comédia extremamente bem encenada, de ditos espirituosos e situações cômicas bem fundadas, mas que não deixa de lado o aprofundamento dos caracteres e o choque de ideias – choque gerado pela aproximação de duas culturas bem diferentes, unidas definitivamente por uma insólita vaca que despenca do céu (o tal “conto chinês” do título). Outro altamente recomendável é “O homem ao lado” (El hombre de al lado, Cohn, Duprat, 2009), tragicomédia que tematiza com louvável seriedade a relação entre visinhos – e, mais amplamente, a relação com o outro.
Da Coreia do Sul chegou aqui no interior “Poesia” (“Shi, Chang-dong-Lee, 2010) bela história da velhinha que, já corroída pelo Alzheimer, começa a enxergar a vida com olhos de poeta – resultado das aulas de poesia que começa a tomar. Do Peru, “Contracorrente” (“Contracorriente”, 2009, Fuentes-León), delicada leitura do homossexualismo numa aldeia de pescadores peruana. Dos que ainda podem ser pegos na tela grande, valem a pena os dois franceses “A chave de Sarah(“Elle s’appelait Sarah”, Paquet-Brenner, 2010) e “O garoto da bicicleta” (“Le gamin au velo”, Dardene, Dardene, 2011), premiado em Cannes com o Grand Prize. O primeiro não consegue um efeito cinematográfico tão eficiente ao entremear a odisseia de Sarah – judia enviada com os pais a um campo de concentração alemão, pelas mãos do próprio exército francês, e que dele foge para tentar salvar o irmão que ficou para trás – e a de Julia, jornalista que, ao escrever sobre o Holocausto, descobre que a família do marido esteve ligada intimamente à tragédia da menina judia; e precisa lidar com todos os problemas familiares decorrentes da descoberta. Porém, ele vale sobretudo pela ótima Kristin Scott Thomas, na pele de Julia. O segundo já atinge com maestria a unidade entre forma e tema: conta sem rebuços a história de um garoto revoltado, interno de um orfanato, e seu périplo para resgatar a manter a bicicleta – e a integridade moral e física – numa cidade hostil. A câmera toma o mundo pelos olhos do protagonista, provocando a identificação rápida do leitor com o menino meio vadio e meio perdido, porém, acima de tudo uma criança que ainda tem muito a conhecer da vida. Mesmo aproveitando-se da subjetiva direta, a narrativa não deixa de ampliar o escopo, pintando, além do menino, o mundo que o rodeia – mundo cujas ambiguidades ele ajuda a construir.
E do Brasil, em meio ao lixo industrial brotaram os bons “Capitães da areia” (Amado, Gonçalves, 2011), dirigido com alguma irregularidade mas bonita reverência pela obra de Jorge Amado – e a diretora, neta do autor, consegue numas cenas da obra resultados mais interessantes que os alcançados no livro; “Amanhã nunca mais” (Jungle, 2011), em que sensacionais Lázaro Ramos e Maria Luisa Mendonça ousam num filme divertido e denso, diferente das coisas que se produzem no país; e “O Palhaço” (Selton Mello, 2011), com espantoso sucesso de público, considerando-se às meias tintas da produção, homenagem singela ao mundo do circo.


Os melhores

De minha lista de melhores fazem parte os norte-americanos “Além da vida” (“Hereafter”, Eastwood, 2010) e “Melancolia” (Melancholia, Von Trier, 2011). O primeiro surpreendente pelo modo como amarra as histórias de duas vidas marcadas pela tragédia à história do homem que tem poderes espirituais. Além da direção acima de qualquer suspeita de Clint Eastwood, que me atrai por atingir a dimensão poética das coisas que tematiza, o filme vale por Matt Damon (cada vez melhor), no papel do vidente, e de Cécile de France, como a moça que escapa com vida da histórica tsunami da Tailândia.

"Melancolia" eu achei maravilhoso do princípio ao fim e nos mínimos detalhes: na escolha da linguagem cinematográfica usada: o uso competente da câmera para detalhar os estados de espírito da protagonista e de sua irmã; o modo como a apaixonada e torturada partitura de “Tristão e Isolda” molda-se ao tema, pintando com grandiosidade a entrega passional à inação, inerente à melancolia; nas atuações irrepreensíveis de Charlotte Gainsbourg e Kristen Dunst – esta última está perfeita e merece com louvor o prêmio de melhor atriz que Cannes lhe deu (e eu que a imaginava talhada apenas para representar a noivinha boboca do Homem Aranha...).Adicionar imagemDa Itália saiu a comédia “O primeiro que disse” (“Mine Vaganti”, Ozpetek, 2010): linda (e não falo apenas dos lindíssimos protagonistas), tocante, divertida, bem italiana. Da Espanha, o impressionante “A pele que habito” (“La piel que habito”, Almodóvar, 2011), as pazes de Almodóvar com o grande cinema e de Antonio Bandeiras, com os grandes protagonistas. Flertando com o cinema de horror e com os avanços no campo da medicina – campos que parecem cada vez mais aproximados – o diretor levantou e desdobrou, com sangue frio, questões pungentes: quais são os limites da medicina? onde se concentra a identidade do sujeito?
Da Rússia/França, “O Concerto” (Le Concert, Mihaileanu, 2009), história do maestro que, metido num imbróglio político no passado, apenas reassume sua função depois de se juntar aos músicos seus amigos – um bando de russos bem russos, gritões, beberrões e intensos (e eu ressalto os estereótipos com todo o respeito, porque eles são usados nesses filmes com uma sinceridade comovente). O filme traz uma visão arrebatadamente romântica da arte, ainda mais cabível considerando-se o tour de force do grupo na execução de Tchaikovsky, o grande compositor romântico russo.

Da França ainda saiu o instigante “Cópia Fiel” (“Copie conforme”, Kiarostami, 2010), exercício filosófico e cinematográfico de respeito; “Homens e Deuses” (“Des hommes et des dieux”, Beauvois, 2010), brilhante lição de como o respeito entre os homens e o amor ao próximo extrapola os limites das religiões; “Gainsbourg, o homem que amava as mulheres” (“Gainsbourg, vie héroique”, Sfar, 2010), comovente (e original) documentário sobre o músico francês; “Potiche: a esposa troféu”, com a minha agora querida Catherine Deneuve, que me levou à Paris e me fez lá reencontrá-la no gracioso drama musical “Les biens aimés” – filme em que ela novamente canta, desta vez com a filha.
E do Brasil saiu o ótimo “Não se preocupe, nada vai dar certo” (“Carvana”, 2011), em que Tarcísio Meira dá um show na pele do artista canastrão e trambiqueiro, numa trama que acompanha-lhe o ritmo: também ela exagerada, colorida e irresistivelmente absurda.

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O ano de 2011 nos reserva surpresas. De minha parte, espero ansiosamente pela montagem cinematográfica de “Deus da carnificina”, protagonizado pelas grandes Kate Winslet e Jodie Foster; e por “O Artista” (Hazanavicius, 2011), filme francês em branco e preto e silencioso cujo trailer prova cabalmente que, nesses tempos em que a tecnologia engole o produto, nada melhor do que se voltar às origens para se salvar à arte.