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sábado, 17 de abril de 2010

O que pode acontecer depois do final feliz: The Thin Man (1934-1947)


Cinearte, Rio de Janeiro, 15 de fevereiro de 1928.

Estou, no momento, numa fase Myrna Loy. Desde que li a reação de L.S. Marinho ao tê-la encontrado - "Quando me estendeu a linda mão – senti um calafrio pela espinha dorsal. Esqueci-me completamente e toquei-a quase a medo, como se tocasse uma brasa. Ela sorriu, maravilhosa, mostrando uma fileira de dentes pequeninos de gente mentirosa..." - resolvi descobrir mais sobre a vamp que fascinou o jornalista brasileiro quando ele passou por Hollywood como correspondente da Cinearte.
Passeei pela filmografia da atriz. No início da carreira, Myrna vestiu-se da mulher fatal que assediava os homens dentro (e fora) das telas. Seu primeiro papel é simbólico. Ela foi a "Vamp" num filme (aparentemente perdido) dirigido por Tom Buckingham e co-estrelado por Nita Naldi e Natacha Rambova (What price beauty, 1925). Em 1928, ela já era notória por esse tipo de papel, ao ponto de despertar a atenção do cronista apaixonado da Cinearte - apaixonado e culpado, já que ele conclui: "E foi como um micróbio, como verme, que deslizei até a porta para não ficar ao lado daquela mulher colossal, supinamente bela, e supinamente má... (...) Aí têm os meus amigos o maior pecado moral que tenho em toda Hollywood...".
No final dos anos 20, com a libertinagem correndo solta em Hollywood e os comitês de moral cada vez mais alvoroçados, a moça precisou investir em outros tipos. Isso fica claro se lermos as personagens que ela desempenhou pelo viés das fotografias publicitárias das películas. Essas imagens são de 1930 e 1931, respectivamente:



Seus olhos verdes entreabertos... As câmeras dos anos 20 não eram sensíveis ao verde, portanto, registravam a cor como branco. Isso só foi resolvido nos últimos anos da década, depois de várias estrelas terem se beneficiado disso para reforçarem a aura de mistério e maldade que envolvia suas personagens.
Em 1932, Myrna Loy foi a aristocrática namoradeira de "Ama-me esta noite" (aliás, quando vi esse filme pela primeira vez, a personagem dela me atraiu mais que a de Jeanette MacDonald), que perdeu para a censura porção razoável dos diálogos atilados que travou com Chevalier. Restaram as linhas aparentemente inofensivas, mas pronunciadas por ela de modo tão eficaz que temos uma das vampiras mais sexy e bem humoradas da época.

Myrna Loy no ano de "Ama-me esta noite", com olhos mais escuros.

A perda da dramaticidade de seu tipo deu-nos a Myrna que pra mim é a mais interessante: a cômica, um pouco ingênua e romântica. Em 1936, ela co-estrela com William Powell, seu mais assíduo galã, no "Libeled Lady". É a garota difamada do título, milionária e de pés no chão, mas que não resiste a Powell (a gente, ao vê-lo sistematicamente, também tem dificuldades de resistir), advogado pilantra mas no fundo bom moço que deseja seduzi-la para livrar o jornal em que trabalha do processo que ela lhe impinge. Outro par romântico (às avessas) cuja história conhecemos na película é Spencer Tracy & Jean Harlow, hilários e deliciosos.
Harlow, a vamp loura platinada que quer a todo custo se casar mas não consegue uma brecha na agenda do jornalista Tracy, é outro exemplo da evolução da personagem da vampira imposta pela censura.
O Hays Code começou a pegar pesado em 1934 - quem quiser uma notícia mais detida sobre ele gostará de passar pelo meu post de 23/10/2009. Nem Harlow, símbolo sexual da época, escapou ilesa, tanto que, em "Wife versus Secretary", ela é a secretária caidinha pelo patrão (Clark Gable), mas desfaz o mal-entendido que colocaria um ponto final no casamento feliz dele com a personagem de Myrna Loy e casa-se com o bom moço James Stewart. Duas vamps tornadas boas moças pela mágica do star system.

Uma Myrna sorridente em 1935. Ela já não carregava mais nada daquela mulher malvada que fez o cronista brasileiro sair fugido de Hollywood...

Myrna teve uma carreira que durou quase 60 anos e viveu até os quase 90. No entanto, aqui me interessa, sobretudo, a moça inteligente, bem-humorada, madura e independente que conquistou as plateias dos anos 30 e 40 como a Nora da série de suspense "The Thin Man". Interessa-me, talvez, porque estou vendo cada vez menos o tipo circulando por essa nossa sociedade que experimenta, agora, uma trágica reversão nos costumes...

Myrna Loy e William Powell em "The Thin Man" (1934).

A série começou com uma maravilha da screwball comedy.
A socialite Nora, o marido plebeu Nick e o cachorro Asta (o mesmo que aterrorisa Cary Grant e Katharine Hepburn em "Levada da Breca") são três dos personagens mais bem delineados da época. Asta é um perdigueiro às avessas, medroso e abobalhado, humanizado graças ao competente trabalho de câmera dirigido por W. S. Van Dyke. Nick é incrivelmente beberrão (numa época em que a comercialização de bebidas alcoólicas tinha acabado de ser liberada em território norte-americano, depois de 14 anos de proibição) e, devido às suas origens populares, é amigo de todos os bandidos pés-de-chinelo da cidade.
Somos apresentados a Nora pouco tempo depois de ela ter feito sua transição da família aristocrática e chata na qual nascera para o entusiasmado círculo social do marido, junto do qual novidades pululavam a todo instante. Embora carregue muito do seu mundo consigo - no porte, na educação, na preocupação com os parentes - vemos que ela cada vez mais se educa na escola do marido, e adora cada momento. Não posso deixar de pensar aí numa defesa do americano médio, vindo do povo, mas que podia, sim, ascender socialmente - argumento necessário num momento de Depressão, quando parecia não haver lugar na sociedade para esses indivíduos.
Os "opostos" se mantém unidos pelo humor - até hoje uma das receitas mais eficazes para qualquer relacionamento, daí a esse relacionamento parecer-nos tão real. Para tirar Myrna de uma situação perigosa, William coloca-a num taxi e manda o motorista levá-la para ver o túmulo do general Grant. Ao perguntar o que ela achou, ela responde: "Lovely, I'll have one made for you". Numa das 5 sequências do filme, "Another thin man" (1939), o detetive engana a locatária de um conjunto de apartamentos de que a esposa é, na verdade, sua amante - e é fascinante ver como essa fantasia sexual apimenta a relação dos dois. Em "After the thin man" (1936), a primeira sequência do filme, ao perguntar com quem o marido falava, e ouvir que era com a amante, a esposa responde calmamente: "I don't know why I always take you for granted". No primeiro filme da série fica patente a vitalidade do casamento, no olhar que a mulher troca com o marido quando o vê consolar a filha que perdeu o pai:

Impossível listar todas as réplicas afiadas que inundam os filmes da série. Improfícuo também, porque tiraria do leitor o prazer de descobri-las, e eu é que não quero ser culpada disso. O dinamismo das películas e a química entre os três artistas principais muito se deve a W. S. Van Dyke, que os dirigiu nos 5 dos 6 filmes nos quais dividiram a cena (o diretor suicidou-se em 1943, 4 anos antes da rodagem de "Song of the Thin Man" - aliás, a trivia de Hollywood conta que, 3 anos antes, Van Dyke foi o responsável por impedir o suicídio de uma de suas musas, Jeanette MacDonald, que amargava a dor de ver o amante Nelson Eddy casado com outra...). Aliás, o sexto filme se ressente da ausência do diretor polivalente, que dirigia com a mesma maestria os números musicais de MacDonald & Eddy e as histórias detetivescas vividas por Nora, Nick e Asta. Van Dyke já havia trabalhado numa ferrovia e como mineiro, tornando-se, a partir de meados dos anos 10, um dos muitos operários responsáveis por estabelecer as bases da indústria do cinema norte-americano.
Os "Thin Man" são prova da efetivação dos moldes fundados por Van Dyke, Griffith, Lubitsch, Chaplin. Myrna e Nora tornam-se uma só, assim como William e Nick - Walter Benjamin fala sobre o artista de cinema representa-se, antes de tudo, a si mesmo. As várias sequências da película reafirmam a identidade entre ator e personagem, e entre o público e a pessoa que ele vê em cena filme após filme. Nick e Nora passam por momentos de diversão e temor resolvendo casos misteriosos. O público ri e chora com eles, ansioso por vê-los escapar ilesos para poderem viver (e fazer o público viver) uma nova história numa próxima vez. Fico me perguntando quanto essa identificação não aumenta conforme o público vê que o casal da tela grande vivencia o mesmo que tantos homens e mulheres vivem no dia-a-dia: os primeiros anos do casamento, o nascimento do filho, os primeiros anos de vida da criança. Sim, porque as relações interpessoais são apreendidas nos "Thin Man" de modo mais maduro que na maioria das comédias românticas da época, que culminavam com o casamento dos pombinhos e uma nebulosa "felicidade eterna". "The Thin Man" desenham magistralmente como poderia ser esse final. Recomendo-os!

*
Esses filmes ainda não estão à venda no Brasil, no entanto, podem ser localizados pelo emule. A Open Subtitles traz legendas em português de quase todos.

domingo, 20 de dezembro de 2009

"Walking in the Winter Wonderland"

Muitos anos antes de aprender que o clima natalino quase palpável não passava de uma mistificação do mercado para induzir os consumidores a gastar dinheiro, o Natal era a minha época favorita. Agora que estou um pouquinho mais velha e sábia (e cética...), noto espantada que aquela sensação antiga ainda continua a mesma. Ainda continuo indo ao Shopping Iguatemi, não mais para pegar na mão os flocos de neve de mentira jogados de meia em meia hora do alto do estabelecimento (até porque faz 15 anos que o shopping parou de ensaboar os clientes com aquela mistura de água e sabão em pó), mas para ver a tradicional arrumação de Natal, abanar a mão para o Papai Noel (não posso mais me sentar no colo dele) e comprar enfeitinhos nas Lojas Americanas ao som da Simone cantando "Então é Natal...". A conclusão a que chego (não menos espantada) é que, embora algumas coisas sejam piegas, são elas que dão sentido para nossas vidas... O Macaulay Culkin entregando a pombinha da amizade para sua amiga bizarra que trata as pombas do parque no "Esqueceram de mim" (1992) me emociona até às lágrimas desde que eu era criança. Não menos que o solitário Senhor Matuschek da "Loja da Esquina" (1940) quando ele entrega aos seus funcionários a tão esperada bonificação e leva o rapazinho pobre que recém contratara para uma "verdadeira" ceia natalina. Pouco importa que esses e tantos outros personagens saiam de galochas e sobretudo sob a neve, enquanto eu os vejo com o ventilador ligado num calor que passa dos 30 graus. Isso decididamente não tem importância, porque me pego cantando "Winter Wonderland" e "White Christmas" dezenas de vezes por dia nessa época do ano, mesmo que estejamos no meio do verão e o pé de acerola daqui de casa esteja todo verde e vermelho. Essas canções e filmes têm gosto de infância, lembram-me de quando eu esperava o Papai Noel acordada, por isso sou tão grata por Hollywood ter perpetuado a "magia do Natal". A indústria do cinema pode ser até ser piegas, mas ela me faz muito feliz...
Quero transmitir um pouco desse clima a todos os amigos blogueiros que fiz por aqui. A todos, um grande abraço - tão grande quanto este que a Audrey está dando no Papai Noel. E ao som de "Winter Wonderland" cantado pela queridíssima DoDo.