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terça-feira, 9 de julho de 2013

“O Grande Gatsby” by Mr. Luhrmann (2013)

Vou ser nota dissonante no coro que execrou o último trabalho do criador de Moulin Rouge! (2001). Embora esteja longe de ser uma obra prima, este Grande Gatsby é um filme digno de interesse. 
É verdade igualmente que ele se joga de cabeça no kitsch, pagando um tributo deveras custoso à tecnologia na qual é rodado – o 3D potencializa o efeito de excesso dos festins oferecidos diariamente pelo protagonista. 
Tributo “custoso” em várias acepções. As cifras gastas para a produção da obra foram reverberadas com grandiloquência por Hollywood: como se preço fosse sinônimo de qualidade – exclamou irado o colunista da Folha na resenha da produção. Mas custoso também porque o resultado final não é lá muito agradável de se ver. 
O irônico é que tal resultado imprime um sopro de novidade às adaptações cinematográficas da obra-prima de Scott Fitzgerald. A mais conhecida é a de Jack Clayton, de 1974 (o artigo sobre ela é um dos mais visitados do blog desde que a nova adaptação entrou em circuito). Nela, Gatsby e Daisy são impregnados numa pátina de nobreza explicitada cabalmente por Marcelo Coelho em artigo publicado na Folha Ilustrada de quarta passada (Gatsby, o retorno, 3 jul. 2013). São indivíduos superiores, ele (Robert Redford) em seu amor abnegado pela namorada de juventude, ela (Mia Farrow) na sua obrigação de se alinhar ao status quo
Carey Mulligan
Baz Luhrmann suprime a heráldica de seus personagens. Sua batuta reintroduz Gatsby (Leonardo Di Caprio) em seu lugar de gangster endinheirado que mal esconde a origem caipira. 
Daisy (Carey Mulligan) é a mocinha rica e fútil, namorada de juventude de Gatsby que acaba por se casar dentro da high society, patenteando o repúdio pelo estranho que tem a sua classe. O reencontro com o amor de meninice a balançará, mas ela acabará escolhendo o marido, e, portanto, o status que apenas o berço de ouro poderia oferecer. 
Daisy é desinteressante e moralmente frágil. Embora isso fique claro no filme de 1974, o espectador não consegue deixar de se envolver pelo modo como Mia Farrow conduz a personagem. Uma ou outra assertiva da personagem e a suavidade da atriz transformam Daisy num ser quase etéreo, com uma visada mais crítica à coisificação da mulher da alta sociedade daquele tempo, que não passava de um bibelot
Carey Mulligan consegue repor à personagem essas suas características fundadoras. Não porque ela seja má atriz – e isso já se provou nos seus bons desempenhos em dois grandes filmes dos últimos anos, Drive e Shame. O fato de ser pequenina e algo apagada joga em favor da personagem. O resultado de sua atuação é o epíteto da futilidade: a mulher-adereço, a it girl cabecinha de melão que brinca com as vidas alheias como se brincasse de boneca. Uma fêmea dessa estirpe só poderia, mesmo, fugir acuada para não ter de responder pelo crime que cometeu, nos braços do marido que a traíra e que ela traiu, recusando-se a velar o amante que morrera por ela. 
Quanto a Gatsby, o personagem criado por Di Caprio é muito menos grandioso que aquele de Robert Redford. A cafonice das festanças que oferece, onde tudo é too much, espraia-se para seus excessos cometidos ao se vestir ou ao se preparar para receber Daisy, e para seus maneirismos linguísticos. Luhrmann sublinha a origem pobre do personagem nos “Old boys” repetidos com pseudo-pompa por Di Caprio, e no terno cor-de-rosa que fá-lo vestir. Em seu filme, fica claríssimo o porquê o self-made-man Gatsby era rejeitado pelo círculo social de Daisy. 
Tobey Maguire
No entanto, o maior acerto de Luhrmann é também sua principal fraqueza. A breguice de Gatsby acaba resvalando para o próprio filme, na falta de uma instância superior que orquestre de modo crítico todos esses excessos. O resultado final é que tudo parece demasiado extravagante, e nenhuma personagem acabe por ganhar a simpatia do público. Nem mesmo a prosa de Fitzgerald, usada textualmente por Tobey Maguire enquanto ele narra a história do amigo, consegue elevar a história da vala comum em que ela termina depositada.  
O balanço final é que, embora Luhrmann não seja Jack Clayton – e daí é interessante ver seu filme porque ele rebaixa Gatsby do pedestal ao qual Redford o elevou –, ele está igualmente longe de ser Scott Fitzgerald, cuja arte transformou um tipo simplório num ser único, memorável.

sexta-feira, 26 de março de 2010

O grande Gatsby (1974): revisitando "The good old days"



"O Grande Gatsby" (1925) entrou em minha vida primeiro pela pena de Scott Fitzgerald, há uns bons 10 anos.
Entrou e não saiu mais - curioso como alguns livros que a gente lê passa a fazer parte de nossas vidas. Li-o num verão na praia - o ambiente e a história se misturaram, e eu já não era a estudante de Letras passando as férias com a família no litoral paulista, mas uma personagem daquele romance feito de festanças e charleston, amor e ressentimento, e de uma luz verde que brilhava insessantemente através da baía de East Egg (de novo a luz verde...), convidando o mocinho romântico à ilusão. Naqueles dias de leitura, eu tinha certeza de que, se forçasse as vistas, enxergaria numa daquelas ilhotas de Itanhaém a mesma luz verde que enredou Gatsby, obrigando-o a se fixar do outro lado da baía da mocinha que ele amava.
A prosa de Fitzgerald tornou-se pra mim ainda mais fascinante com o tempo. Clara Bow, a adorável e espevitada IT girl, ajudou-me a conhecer Daisy Buchanan, pródiga em beleza, sex-appeal e leviandade. Ambas são marcas do tempo, daquela época em que os carros iam ficando cada vez mais velozes, as mulheres mais liberadas e o Deus Todo Poderoso ia sendo substituído cada vez mais frequentemente por simulacros terrenos (pelo "Money, money, money" do "Cabaret", ou então, pelo moderníssimo outdoor com os olhos que tudo veem, de "O Grande Gatsby").

"The Great Gatsby" (1974)

Mas, em "O Grande Gatsby", a existência capitalista dos ricos trazia em seu fundo elementos invisíveis à superfície. Admiro em Scott Fitzgerald como ele consegue descamar seus heróis ao longo de suas histórias. A intangível "feiticeira ruiva" do conto homônimo, que dá razão à vidinha burguesa de Merlin Grainger, não passava de uma bailarina escandalosa; o metódico e centralizador Monroe de "Último Magnata" era, afinal, um romântico, enredado por uma mulher comum por ver nela a esposa amada que morrera; mais romântico ainda era Gatsby, o ex-soldado e, agora, arrivista social, que construíra nome e fortuna para entregá-los numa bandeja à fútil Daisy, cuja paixão por ele depois descobriremos não passar de um flerte (o flirt, tão na moda naqueles good old days).

Scott Fitzgerald

Scott Fitzgerald era um romântico numa época de perda das ilusões (pela Grande Guerra, pelo capitalismo selvagem) e desejo frenético de se experimentar experiências fugazes. Gatsby é um retrato disso: os scrapbooks que faz de Daisy são prova de que ele desejava parar o tempo que corria cada vez mais furiosamente e tentava impedir que as pessoas cultivassem relacionamentos duradouros. Quer mais romantismo que o modo como ele enxerga Daisy - tão bonita e (moralmente) quebradiça quanto a flor que lhe dá o nome - que sempre vê à distância, filtrada pelo grande amor que tem por ela, o qual apaga seus inúmeros defeitos? Isso tudo construído numa prosa elegante e, em certo sentido, clássica, que ousa no conteúdo e não na forma.

Redescobri o escritor sensacional ao ver, no final da semana passada (o atraso do post é culpa da correria de início de semestre...), a versão cinematográfica do romance rodada em 1974 e estrelada por Mia Farrow e Robert Redford, a terceira de suas quatro versões (as outras são de 1926, 1949 e 2000).
É um belo filme: boa escolha de elenco, trilha sonora, locações, fantástica fotografia e figurino, tudo contribuindo para a reconstrução do high-life de Long Island tal qual Fitzgerald o via. Mia Farrow é uma formidável Daisy. Os trejeitos artificiais que faz quando a câmera a toma pela primeira vez - momentos antes d'ela ser apresentada a Nick Carraway, o narrador - apreendem bem a mocinha fútil que ela, no final das contas, se provará. A personagem representa um tipo que é em si artificial - uma boneca moldada para o deleite dos grã-finos, cujo maior atributo é enfeitar as reuniões e festas por eles organizadas. Daisy até demonstra alguma consciência ao rogar para que a filha seja suficientemente bela e tola para encarar a vida que a aguarda ("Garotas belas e tolas podem usar as roupas que elas escolherem", ela consola a filhinha). Porém, no final o que subsiste é seu papel de flapper na extravagante peça de teatro em que ela entrou desde que teve idade para flertar.
Gatsby se apaixona por uma ilusão e deseja tomá-la para si. Porque sabia bem que mulheres como Daisy não se casavam com homens pobres, constrói um império maior que o homem com o qual ela havia se casado. E dá festas e mais festas em sua mansão, esperando pela personagem principal, sempre convidada mas que nunca aparece (afinal, ricos tradicionais não se misturavam aos novos-ricos).

Gatsby e Daisy se veem pela primeira vez depois de muito tempo, e através de uma moldura circundada por flores. Novamente a ilusão se sobrepõe à realidade...

É sintomático, portanto, que o reencontro de ambos seja cercado por aquilo que os separou: dinheiro. Fantástico, aliás, como Fitzgerald escreve nesse momento uma poesia do dinheiro. Gatsby, numa ansiedade que trás de volta o jovem oficial que ele foi, embeleza o jardim de sua casa para receber a moça e faz cair sobre ela uma simbólica chuva de camisas importadas (como essa cena, que nem me lembro existir no livro, fica bonita no filme!): inunda-a com dinheiro.

No final, porém, o que permanece é uma consciência de classe bastante forte. Gatsby perde sua ambiguidade para se parecer bastante com Nick, o primo pobre de Daisy, narrador da história. Ao contrário dos ricaços, que têm uma caixa registradora no lugar do coração, o herói de Fitzgerald acaba assumindo a culpa de um crime cometido por Daisy, morrendo por ela (o que há de mais romântico?). A canção que fecha o filme é uma balada irônica dessas diferenças sociais: Ain't we got fun (Whiting, Kahn, Egan, 1921).

In the winter in the Summer
Don't we have fun
Times are bum and getting bummer
Still we have fun
There's nothing surer
The rich get rich and the poor get children
In the meantime, in between time
Ain't we got fun?

Porém, o narrador fica do lado do protagonista e é, de certa forma, aquele que o redime, afinal, é através de seus olhos que conhecemos o que há de pérfido na sociedade dos roaring twenties.