segunda-feira, 13 de abril de 2009

Quando a música contagia: "Ama-me esta noite" (Love me tonight, 1932)



Em 1927 Hollywood começou a falar e a cantar, especialmente, que o diga "The Jazz singer", primeiro filme no qual houve introdução extensiva do som, exatamente nos números musicais. O deslumbre pelo som da voz humana em todas as suas nuances - único elemento do qual o cinema até então não podia se utilizar - foi intenso e se revelou, no final dos anos 20 e primeiros anos dos 30, nos musicais produzidos pelo maior pólo da indústria do cinema.

Exemplo disso é "Ama-me esta noite", veículo que revelava um novo par romântico das telas, Jeanette Mac Donald e Maurice Chevalier - contratados quando a emergência do som pegou de calças curtas uma série de divas e galãs cujas vozes não se equiparavam aos belos rostos que possuíam (John Gilbert e Clara Bow, apenas para citar alguns).

Adaptação de peça de teatro, "Love me tonight" mostra um percurso usual em Hollywood ainda no tempo dos "silent pictures", quando Erich von Strohein rodou "The merry widow" (1924), estrondoso sucesso da Broadway. Não é um acaso, portanto, que uma das uniões do par Jeanette/Maurice tenha ocorrido para a filmagem de uma nova versão de "Merry Widow" (1934), desta vez com a direção de Lubish.

A temática de "Ama-me esta noite" serve bem ao intuito principal da "fábrica de sonhos", daí a apropriação de uma das variantes da estrutura dos contos de fadas, aquela em que o mocinho enfrenta inúmeros percalços para salvar a donzela em perigo. O divertido é que, no filme, o esquema é subvertido. A mocinha - a princesa Jeanette - que já não é donzela, uma vez que fora casada, está efetivamente em perigo, mas por um um mal muito menos palpável que os vilões convencionais: ela sofre constantes desmaios. A profilaxia é apresentada por um médico cuja formação bastante provavelmente é tributária do pseudo-cientificismo dos anos de 1870: o casamento. É aí que aparece o salvador, não um príncipe encantado, mas o alfaiate Maurice, que vai para o castelo no intuito de cobrar o conde pilantra a quem vendeu fiado, e, devido à galanteria que é típica das personagens interpretadas pelo ator, dá algum colorido àquele ambiente centenário (habitado por pessoas não tão mais jovens do que isso) e acaba, por meio de um beijo, acordando a Bela Adormecida hollywoodiana.

Outra graça de "Ama-me esta noite" é que a apropriação dúbia dos contos de fadas é acompanhada por uma linguagem verbal e cinematográfica que muito se aproveita da censura frouxa e pouco sistemática em voga na época (a cena em que Maurice tira a medida do busto da princesa é o exemplo que primeiro me ocorre).


E isso não raras vezes é feito através de canções muito atraentes e por isso, acredito, tão cativantes. O delicioso número inicial, da canção "Isn't it romantic", é o exemplo mais claro, e acredito que é o primeiro número a palmilhar um percurso que depois será comum nos musicais de Hollywood, o da introdução de um longo número musical que, neste caso, aos poucos é compartilhado por todos os personagens que participam da ação, responsável por unir os planos - e, simbolicamente, o personagem do mocinho ao da mocinha - e, consequentemente, o ator à atriz, a qual verbaliza seus anseios amorosos através de lindos versos de Lorenz Hart e música de Richard Rogers (dos quais depois Billy Wilder se apropriará no clássico Sabrina, de 1954, numa clara referência ao filme):

"Isn't it romantic
Music in the night, a dream that can be heard.
Isn't it romantic
That a hero might appear and say the words
brought by a secret charm or by my heart's command
My prince will come just to kiss my hand..."



A assertiva de Walter Benjamin, segundo o qual para o cinema é menos importante o ator representar diante do público um outro personagem do que ele representar-se a si próprio, encaixa-se como uma luva nesta produção - sintomático é o fato de os nomes dos personagens serem iguais aos dos artistas.
O efeito disso é claro e bem conhecido pelos empresários dessa fábrica de sonhos, que nada tinham de tolos: convidar o espectador a participar da ação, a compartilhar dos sentimentos daqueles personagens aos quais poder-se-ia atribuir os rótulos de "pessoas". O curioso é que ainda hoje aceitamos o convite, por mais que saibamos que tudo isso não passa de ilusão...