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sábado, 8 de novembro de 2014

Música & Cinema no SESC Pinheiros

Foi com nostalgia que recuperei a resenha da exposição francesa "Musique et cinéma", escrita quando eu recém voltara de Paris. E os comentários dos amigos blogueiros. A Letícia, da Crítica Retrô, sonhava: “Quem sabe um dia não temos a sorte de vir uma exposição dessas para o Brasil?”. Sonho de realização improvável, mas não impossível. Prova disso é que o SESC Pinheiros (São Paulo, metrô Faria Lima) acolhe agora (e até 11 de janeiro de 2015) uma porção considerável dela. 
O questionamento segue o mesmo: “Música & cinema: O casamento do século?”. E as respostas desdobram-se com a mesma formatação da Exposição original: a penumbra a mimetizar a sala de cinema; telas brancas a reproduzirem as sequências de abertura de filmes rodados entre os anos de 1930 e 2000; enquanto pequenos monitores apresentam sequências célebres (Clouzot a testemunhar Karajan regendo a Filarmônica de Berlim; Judy Garland num dos números musicais de “Nasce uma Estrela”, 1954...) e conta as histórias a eles relacionadas. É desusado me estender aqui. Remeto o leitor à tal resenha passada, que descreve a passo a exposição. 
Da criação da Cité de la Musique, não cruzaram o Atlântico os estúdios de brinquedo; os três telões a emergirem uma grande audiência nas obras inesquecíveis. A sala dentro da qual criadores explicavam proficuamente suas criações foram transformadas nuns poucos monitores a apresentar o depoimento de escolhidos: Ennio Moriconni, Michel Deville, Eduardo Coutinho.  
O resumo é eficaz. Se lima consideravelmente a voz de nomes fundamentais da música na Sétima Arte, como Michel Legrand (a quem o lirismo da obra de Jacques Demy muito deve), também dá voz à prata da casa – igualmente abafada na exposição francesa, diga-se de passagem. Chico, Vinícius, Caetano e Gilberto Gil deram corpo e alma a filmes mais ou menos populares: de “Ópera do Malandro” (1986) a “Lisbela e o Prisioneiro” (2003); de “Veja essa canção” (1994) a “Eu tu eles” (2000). A seleção deixa de lado os usos mais cerebrais da música, como aquele que ocorre em “O Som ao Redor” (2012), para concentrar-se, sobretudo, na canção. Daí, pede a voz Eduardo Coutinho, cuja última obra, “As Canções” (2011), recupera as trilhas-sonoras das histórias de anônimos. 
O sempre sagaz Coutinho vê as vidas dos brasileiros indissoluvelmente imbricadas nas canções. Um mundo emerge dessa consideração: a revolução tecnológica que tornou possível a invenção do fonógrafo, do cinema e do rádio, que engatilhou a cultura de massas, alavancou a popularização da música enquanto item fragmentado de consumo: nos 78 rotações, nos salões de bailes dos bairros, numa variedade crescente de gêneros que aproximavam os corpos, relaxavam os costumes severos de outrora e davam voz a uma massa a quem o acesso à música clássica era impossível. Nosso século XX teve a honra de parir Cartola, Irving Berlin, Adoniran Barbosa, Cole Porter, Vinícius, George Gerswhin, Catullo da Paixão, nossos Beethovens. 
O cinema acolheu de bom grado a popular canção, sua contemporânea. A Exposição apresenta algumas das primeiras tentativas de se sincronizar som e imagem: O "Chronomégaphone Gaumont", de 1906, apresentava números musicais curtos. São da época gravações de canções populares e de trechos de óperas, reduzidos às suas mais célebres árias. 
Enquanto que, ao longo dos anos 1895-1920, instrumentistas e orquestras maiores ou menores tocavam antes, durante e/ou depois das exibições cinematográficas, além de ritmarem, dos bastidores, os affairs imaginários das estrelas silenciosas das telas (observem o violinista e a pianista que tocam para criar o mood romântico em Garbo e Nagel, n’“A Dama Misteriosa”). 
Música e cinema: o casamento do século? Um dos mais auspiciosos, por certo. Se lágrimas nos subirem aos olhos aos primeiros compassos de “Moon river”, será possivelmente porque nos lembraremos de Audrey Hepburn flanando suave pelas ruas sonolentas de Nova York, ao despertar da cidade (e de “Bonequinha de Luxo”, 1961). 
Nunca o prelúdio de Tristão e Isolda me soou tão pungente quando no momento em que fui interpelada pelo desespero de Kirsten Dunst, em “Melancolia” (1961). A música nos toca a todos menos por seu propalado “sentido universal”, e mais porque ela ganha subitamente tradução num rosto, num gesto, num acontecimento – quer sejam naqueles criados pelo cinema, que nos são dados sem pejo fitar, quer seja naqueles construídos pelos nossos cinemas individuais, nas canções que embalam as pessoas e os momentos que nos são queridos.
*
SESC Pinheiros: Música e Cinema: o casamento do século?
De 20 set. 2014 a 11 jan-2015
R. Paes Leme, 195. São Paulo (metrô Faria Lima)

domingo, 28 de abril de 2013

Cinema e música em Paris: “Le monde en-chanté de Jacques Demy” na Cinemateca Francesa, “Musique et cinéma” na Cité de la Musique

Exposição "Le monde enchanté de Jacques Demy",
em cartaz na Cinemateca Francesa até 4/8/2013
Sentada em minha cama em Valinhos empreendo uma viagem mental até Paris. Ainda falta arquitetar um último post sobre correr dos dias na cidade-luz, aquele que a correria dos últimos momentos impediu de nascer enquanto eu ainda estava naquelas paragens. 
Falaremos de cinema e música. 
Cinema e música num post de despedida? Isso pede trilha sonora. 
Ao fundo soam baixos os primeiros acordes de “Sentimental Journey”, o leitor os escuta? Percebe que a voz doce de Doris Day se avoluma enquanto caminhamos ao longo do rio Sena, em direção da Gare d’Austerlitz, em plena primavera parisiense que começa a pintar tons de verde sobre as árvores e a tingir os jardins com as cores do arco-íris? Ops, comédia romântica em vista. Corta! 
Agora, o inesquecível tema de “Psicose” invade de súbito a cena. Quede árvores vicejantes, flores em botão, o rio Sena a brilhar sob a luz da primavera? Tudo está ali mas nada mais se vê. O som terrífico engole tudo, e o leitor, como o personagem, só pensa no perigo invisível que ganha corpo pela música e parece prestes a fazê-lo sucumbir... A mesma cena transformada pela trilha sonora. 
Paris oferece ao público duas oportunidades de pensar sobre o papel fundamental que a música exerce no cinema. Na Cinématheque Française (metrôs Bercy/Quai de la Rapé/Bibliothéque, dependendo da intensidade do desejo de caminhar que toma o visitante), a poucos metros de nossa cena hipotética, os refletores voltam-se para o mundo cantado/encantado (enchanté, gracioso trocadilho em francês) que Jacques Demy criou ao longo de três décadas. A Cité de la Musique (metrô Porte de Pantin) amplia o escopo para pensar o papel da música no cinema mundial desde o nascimento dele (ambas as exposições valem muito a pena e a visita a uma delas garante meio ingresso à outra). 
Como se vê, as exposições se complementam. 
“Musique et cinéma: le mariage du siècle?” dedica-se a responder prolixamente à questão: “Para que serve a música no cinema?”. 
Um largo salão na penumbra acolhe o visitante. Pelas paredes, vinis com sucessos musicais das películas. À esquerda, fones de ouvido e monitores de 14 polegadas dispostos diante de cadeiras usadas em sets de filmagens dão ao visitante uma mostra do poder do diretor; nas telinhas, cenas de obras célebres como “Nasce uma estrela” de 54. Mais à frente, trechos curtos de outras obras primas desenrolam-se no monitor superior enquanto a banda sonora é destacada no inferior. Ali o visitante tem o poder de manipular o tempo do som e descobrir onde, na imagem, foram emitidos os sons mais agudos, por exemplo. Mais além, uma sala de edição de som acolhe os mais ousados. À sua disposição, um sintetizador de som e um catálogo de cenas de filmes os esperam para que eles deem carne a invenções cinematográficas do tipo das que abrem este post
A exposição, interativa, é um prato cheio para os pequenos – é raro, aliás, que uma exposição em Paris fique um dia sem receber visita deles. No dia em que estive lá cruzei com um grupo de alunos do primário a apertar com curiosidade os botões da juke box gigante do subsolo para ouvir os sucessos musicais de clássicos da sétima arte rodados dos anos de 1920 a 2000. A seleção é eclética: Roy Orbison (Uma linda mulher, 1990), Vinícius de Morais (Orfeu, 1950), Maurice Chevalier (Ama-me esta noite, 1932) ecoaram democraticamente pelos quatro cantos do ambiente. 
A intervenção ativa do visitante no ambiente dá lugar à concentração silenciosa na sala seguinte, onde três telões apresentam cenas de clássicos nos quais a música exerce papel preponderante. Em cena, Meryl Streep, levada pelas mãos do amado, aprende das alturas quão grande é a África. O tema musical de “Entre dois amores” (1985) é a alma do filme. 
No andar de cima aprenderemos pela observação empírica como os temas das aberturas das obras dão o tom das mesmas – duas dezenas de vídeos sucedem-se no centro do salão de entrada, convidando o público à aproximação. Enquanto isso, salas menores convocam os interessados a ouvir os criadores explicando a gênese de suas obras. É lá que, por exemplo, Michel Legrand explica que o ritmo de “The Thomas Crown affair” (1968) foi dado pela sua música (premiada com o Oscar), criada a posteriori à rodagem e que, não obstante, definiu a decupagem do filme. Corte, fade out

Fade in para a próxima vedete do post
Os curiosos pela sétima arte têm alguma ideia sobre a importância de Michel Legrand na arte de Jacques Demy, já que o músico foi responsável por musicar a poesia dos principais sucessos do artista: “Guarda-chuvas do amor” (Les parapluies de Cherbourg, 1963), “Pele de asno” (Peau d’âne, 1970) e “Les demoiselles de Rochefort” (As donzelas de Rochefort, 1966). 
A câmera Pathé Kid de
Jacques Demy
A mostra que a Cinemateca Francesa acolhe nesta primavera europeia aprofunda a relação entre estas almas-gêmeas artísticas, estabelecendo igualmente outras vias para a compreensão do diretor francês. As demoiselles de Rochefort esperam o visitante na entrada. Um longo espelho transforma-o num personagem daquele filme para jogá-lo dentro da cozinha do menino Jacques, set de rodagem de sua primeira criação, uma fita de animação. Lá está o aparelho Pathé Kid com que ele começou a dar vazão ao seu mundo encantado. Pelas paredes, retratos de família misturam-se aos retratos das personagens de papel por ele criadas a partir dos anos 60, que ganharam corpo nos desempenhos de Anouk Aimée, Catherine Deneuve, Jeanne Moreau. 
Caminhando pela rua cenográfica de Rochefort
O mundo real e o de ficção se misturam, intercambiam-se, reproduzindo o movimento do artista, enfant éternel a usar a batuta de diretor como se esta fosse uma vara de condão, a imprimir mesmo nas imagens mais amargas um sopro de felicidade, a transformar em música e em riso as mais severas filosofias. 
A certa altura do percurso pela vida/ obra de Demy o visitante se vê plenamente imerso nos cenários de seus filmes. Difícil é não aceitar o convite e se tornar um habitante de sua Rochefort ou do reino encantado no qual se refugia a princesa “Pelo de Asno”. 
Recriação do cenário de Pelo de Asno

Entre cenário, telões demandam a atenção dispersa do visitante, que se descobre ora diante de um Harrison Ford que as vicissitudes da indústria do cinema impediram de conseguir, junto de Demy, sua primeira grande chance nas telas (Model Shop, 1968); ora diante de um Marcelo Mastroianni grávido de Catherine Deneuve – inversão jocosa na relação que ambos encetavam offscreen (L’évènement le plus important depuis que l’homme a marché sur la lune, 1973). 
No mundo enchanté de Demy apresentado pela Cinemateca ouve-se também muita música de Legrand e vê-se um belo vídeo em que Agnés Varda compila a arte do esposo. Ambos Varda e Legrand tiveram presença ativa para o preparo da mostra, e Vardas está vez por outra no recinto, a acompanhar de perto a cria, assim como fizera durante a rodagem dos filmes do companheiro: Fotografias das produções realizadas pela artista estão espalhadas pela mostra, e seu nostálgico documentário “Les demoiselles ont eu 25 ans” (1992) compõe o box com a obra completa de Demy, que o visitante cinéfilo precisa trazer de Paris, pois à venda por aqui não há sequer “Os guarda-chuvas do amor” (foi o que fiz, e logo mais vou precisar recorrer a Demy pour revivre les jours d’été – como cantam as soeurs jumelles Catherine Deneuve e Françoise Dorléac – que vivi nesses gélidos e inesquecíveis meses que passei em Paris.) 

segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

Dessay, Legrand e a preparação da “Recette pour un Cake D'Amour” de “Peau d’Âne” (1970)

Vivendo intensamente minhas (re)descobertas francesas. 
O maravilhoso acaso do encontro com Natalie Dessay reservou inúmeras surpresas. A soprano francesa passou o mês circulando a França ao lado de Michel Legrand, a cantar as canções por ele compostas ao longo de mais de 50 anos, para clássicos como “Os guarda-chuvas do amor” (Les parapluies de Cherbourg, 1964), “As donzelas de Rocheford” (Les Demoiselles de Rocheford, 1967), “Pele de Asno” (Peau d’Âne, 1970) e "Yentl" (1982). O necessário encontro com ela trouxe de bandeja a redescoberta de um dos mitos da música popular. Não podia ser melhor. Chuva de pétalas de rosas sobre a fronte de Natalie, a quem o blog se dedicará mais a contento brevemente (tapete vermelho já em fase de instalação)! 
No entanto, o assunto principal da postagem é um dos efeitos colaterais de Mme. Dessay, “Pele de Asno”, ou melhor, a receita do “Cake d’Amour” de “Pele de Asno”, episódio central do filme de Jacques Demy. 
Nada melhor para por fecho no ano que a preparação de um bolo de amor, no qual colocaremos todas as nossas melhores esperanças para o ano vindouro, e... Opa, chuva de clichés à vista; paremos por aqui antes que o leitor feche – com razão – a página, e vamos logo para a receita... Mas não sem antes dizermos umas palavrinhas sobre o filme. 
Michel Legrand e Jacques Demy engendraram, a partir dos anos 60, uma das mais frutíferas parcerias do cinema. Juntos, o músico e o letrista/roteirista/diretor promoveram uma leitura tipicamente francesa do filme musical norte-americano. Vistas de relance, suas películas nada devem às produzidas por Hollywood. O olhar atento revela a originalidade na tessitura das músicas, dos versos e uma maior liberdade na montagem. O resultado é a quebra das convenções que regiam os musicais americanos em direção à leitura bem-humorada das complexas relações humanas; a uma poesia risonha. 
A definição veste bem “Pele de asno”, cujo enredo foi baseado em fábula de Charles Perrault. Catherine Deneuve é a princesa repudiada pelo pai depois da morte da mãe. Uma promessa feita à esposa impede o rei de se casar novamente. Quererá o acaso que a mulher perfeitamente talhada para ele seja a filha, a quem ele pede em casamento anos mais tarde. 
A menina vacila, embora esteja mais que propensa a aceitá-lo como marido. A avó, uma fada, canta-lhe os graves preceitos morais que impedem a união: Mon enfant, on épouse jamais ses parents./Vous aimez votre père, je comprends./ Quelles que soient vos raisons,/ Quels que soient pour lui vos sentiments./Mon enfant, on épouse pas plus sa maman./ On dit que traditionnellement,/ Des questions de culture et de législature/ décidèrent en leur temps, qu'on ne mariait pas/les filles avec leur papa. (“Conseils de la fée de Lilas”). Canta-lhe esse assunto da maior gravidade e de forte sopro trágico no ritmo monotonal da língua francesa, por cima de uma melodia que mais se choca com os versos do que os envolve, promovendo como resultado final uma graciosa surpresa. 
Quando tomado no diálogo com a matriz americana, “Pele de Asno” revela-nos um punhado de outras surpresas. A princesa é obrigada pela avó a partir inesperadamente a um longínquo povoado, disfarçada como a emporcalhada criadinha Pele de Asno – depois saberemos que a avó queria mesmo era casar-se com o rei, que, neste sentido, por uma ironia do destino é obrigado a abrir mão da filha para se unir à sogra!... 
Reduzida ao trabalho braçal, Pelo de Asno divorcia-se das princesas sofredoras e passivas da tradição ao decidir que se casará com um príncipe, nem que precise sair ela mesma em sua busca (“Les insultes”). E depois de enredá-lo, ela, com uma encantadora assertividade, preparará para ele a famigerada “Recette pour um Cake d’Amour”, cujo papel fetichista é sublinhado pela crítica que tratou do filme. Aqui, deixaremos fetiches de lado para metermos a mão na massa literalmente. A partir de agora, o Cake d'Amour", versão "Filmes, filmes, filmes!". Mas primeiro, fiquem com a canção: 

 

Recette pour um Cake d’Amour versão Aline Vessoni e Danielle Crepaldi: 

Como viram no clip, Pele de Asno desdobra-se no seu alter-ego Princesa para preparar o doce. Eu precisava de ajuda, por isso convidei para a empreitada a amiga Aline Vessoni, que todos dizem ser minha irmã-gêmea perdida. Eu, responsável por preparar a receita, faria o papel da princesa. Ela, da mal-ajambrada Pele de Asno... 
Embora tenha reagido agressivamente a princípio (por que será?!...), Aline acabou por encampar a ideia. Aqui vocês a veem entoando a canção em falsete. Abaixo segue a receita/canção.

Préparez votre... préparez votre pâte 
Dans une jatte... dans une jatte plate 
Et sans plus de discours 
Allumez votre... allumez votre four.

Prenez de la... prenez de la farine 
Versez dans la... versez dans la terrine 
Quatre mains bien pesées 
Autour d'un puit creux... autour d'un puit creusé

Choisissez quatre... choisissez quatre œufs frais 
Qu'ils soient du mat'... qu'ils soient du matin frais 
Car à plus de vingt jours 
Un poussin sort tou... un poussin sort toujours. 

Un bol entier... un bol entier de lait 
Bien crémeux s'il... bien crémeux s'il vous plait 
De sucre parsemez 
Et vous amalga... et vous amalgamez. 

Une main de... une main de beurre fin 
Un souffle de... un souffle de levain 
Une larme de miel 
Et un soupçon de... et un soupçon de sel. 

Il est temps à... il est temps à présent 
Tandis que vous... tandis que vous brassez 
De glisser un présent 
Pour votre fian... pour votre fiancé 

Un souhait d'a... un souhait d'amour s'impose 
Tandis que la... que la pâte repose 
Lissez le plat de beurre 
Et laissez cuire une... et laissez cuire une heure 


Préparez votre, préparez votre pâte...: resultados do experimento 

Com todo o respeito, M. Demy e M. Legrand como cozinheiros são ótimos músicos. A mistura de quatro punhados de farinha, quatro ovos e uma cumbuca de leite apenas dá uma massa manipulável com as mãos no mundo fantástico instaurado pelo filme... Un bol entier de lait foi reduzido para cerca de 100 ml. Como a receita pede-o bien crémeux, usei um lait concentré entier non sucré, semelhante ao nosso creme de leite, não fosse por sua coloração amarelada. Mas mesmo a diminuição da quantidade de leite resultou numa massa da consistência de um milkshake... 
Enquanto eu realizava o milagre da multiplicação do trigo dentro da jatte plate, chegou em casa da Aline a Flávia Bragatto (era véspera de Natal, dia perfeito para preparação de um “Cake d’amour”...), chefe de cozinha que os deuses sabiamente colocaram em nosso caminho. Concordamos que quatre mains bien pesées era uma medida deveras vaga de farinha de trigo... À essa altura a receita era seguida apenas de rabo de olho, e Flávia se uniu a mim na missão de fazê-la dar certo. 
Cozinhando bem vestida pela primeira vez na vida...

Aos quatro ovos, ao leite e às 750 gramas de trigo (“quatre mains” de gigante de trigo...), introduzimos quatro colheres de sopa de açúcar e aproximadamente 50 ml de mel. 
Seguimos à risca a quantidade de manteiga da canção, une main de beurre fin, umas boas 100 gramas. Multiplicamos o fermento para fazer o - agora - monstro, crescer; un souffle de levain virou três sachês de fermento biológico, já que cada qual faz crescer 250 gramas de trigo.
Hélas, antes a poesia de Demy que essa descrição prosaica da receita! Bem, atentamos contra a arte, mas... deu certo! Eis o resultado final, depois de a massa ter descansado ½ hora em fogo baixo e assado uma hora em temperatura de 200 graus. 
O bolo/pão acabou por espalhar amor pela casa (...). Como ficou apenas levemente doce, nós o comemos com manteiga, ricota, mostarda, patê de atum, frango e tudo o mais que havia na mesa. 
E na manhã do outro dia, ele ainda gloriosamente foi acompanhado por Nutella e mel, recordando experiências muito doces que começaram no concerto de Dessay e Legrand e acabaram numa perfeita (embora um tanto quanto bagunçada, devo reconhecer...) noite de Natal.