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sábado, 12 de junho de 2010

I remember Mama (1948)



Passei um mês (caótico) inteiro compartilhando daquele sentimento de saudades de casa comentado pela Lorena dias atrás. Ontem, recebi o chamado familiar – aquele que, vez por outra, me faz largar as obrigações e correr para cá trazendo pela mão um filme que me impressionou para tentar reter nem que seja um pedacinho dele numas linhas. O filme é “I remember Mama”, dirigido por George Stevens.
Foram conduzidos pela batuta do diretor alguns de meus filmes preferidos: “Ritmo Louco” (“Swing Time”, 1936), que é o maior musical de Astaire & Rogers; “The Talk of the Town” (1942), screwball comedy genial protagonizada por Cary Grant, Jean Arthur e Ronald Colman e “Penny serenade”, drama lindíssimo (e tristíssimo) em que Grant e Irene Dunne dividem a cena. Stevens sempre me surpreendeu pela elegância com que consegue dar conta de trabalhos tão diferentes. Sua direção é limpa, libertada de clichês envelhecidos e de uma agudeza tão incrível que seus objetos tornam-se admiráveis não porque são cobertos por aquela “pátina do tempo” que faz tudo parecer fascinante, mas porque são realmente bons. Um exemplo cabal é o triângulo amoroso suis generis vivido pelo trio de “The Talk of the Town”: todos vivendo sob um mesmo teto e compartilhando de um modo um tanto quanto picante do cotidiano familiar (e isso em princípios dos anos 40...).

“I remember Mama” é precioso. Na escolha do elenco, na construção do enredo, nada está fora de lugar. A experiência do diretor nos mais variados gêneros se faz sentir neste drama agridoce que retrata o dia-a-dia de uma família de imigrantes noruegueses que habita a São Francisco dos anos de 1910. É um deleite ver cenas onde há união tão perfeita entre o drama e a comédia, onde a comédia contribui para suavizar a aspereza do drama e ele lhe injeta verdade.
A película filtra a vivência em família por lentes extremamente amoráveis.
O apelo emocional é intenso, dado os laços que historicamente unem os membros de uma família – e cativa especialmente o público adulto, que tende a olhar nostalgicamente para o passado, para a felicidade da infância, deixando de lado as pedras do caminho. A escolha da época em que se passa a história é precisa. Naquele início do século XIX ainda se observava uma rígida estrutura familiar segundo a qual os pais faziam as regras e os filhos as acatavam com um respeito que beirava a idolatria – uma diferença gritante dos dias de hoje, em que se observa a reversão completa do quadro, o que ainda uma vez convida os adultos nostálgicos a admirar “I remember Mama”...
A tradicionalidade da família tematizada pelo filme é ainda sublinhada por sua origem, o “velho mundo”, que naqueles anos 10 era tão distante e estranho. O caráter ritualístico da vivência em família é potencializado nele ao ponto de, em alguns momentos, atingir o símbolo – como naquele em que a filha mais velha, depois de preferir como presente de formatura o broche que sua mãe herdara de sua avó ao moderno conjunto de pentes, é convidada pelo pai a tomar uma xícara de café, bebida apenas permitida “às pessoas crescidas”.
“I remember Mama” é uma ode àquela família tradicional no seio da qual se aprendia o amor, o respeito, o valor da educação e tantos outros valores importante para o amadurecimento saudável. Certamente uma cena ou outra dele nos fará lembrar de algum momento em que a família foi fundamental em nossa vida: quando nossa mãe foi segurar nossa mão pequenina e trêmula no hospital; quando os pais se desdobraram para financiar o curso que definiria o nosso futuro profissional; quando descobrimos que aquele tio irascível tinha um coração imenso.
Todo o filme toca no melodrama, mas consegue extrapolar com competência os limites estanques dele. O velho inquilino mal pagador, um vilão na tradição melodramática, torna-se no filme o leitor apaixonado responsável por fazer a jovem - lindamente desempenhada por Barbara Bel Geddes - amar os livros e decidir tornar-se escritora. Ele foge da casa na surdina, deixando um cheque falso e o conjunto de clássicos que lera à família. A Mama, lembrando desses serões, constata: "ele nos deu algo muito mais valioso que o dinheiro" - e diz isso sem grandes arrebatamentos, como diria uma mãe de família preocupada com o futuro dos filhos.


O retrato final da Mama que olha pela janela com lágrimas nos olhos enquanto a filha escritora lê à família o conto em sua homenagem pode nos lembrar dos horrorosos tableaux finais, retratos que se convenciona usar nos melodramas para atestar o equilíbrio familiar retomado depois da destruição do vilão. Porém, a sinceridade de matriarca rígida e devota da família com que Irene Dunne o interpreta faz com que nós nos lembremos de nossas mães.

Filmes como esse e aquele que comentei no post anterior pertencem ao elenco e ao diretor. Deixo o elenco para o final sem, no entanto, deixar de ressaltar que o filme é apenas digno de nota por causa dele. É fácil histórias desse tipo caírem na pieguice dos comerciais de margarina. Não aconteceu porque Irene Dunne soube deixar de lado o seu porte de prima donna e encarnar uma imigrante com aquele inglês precário comum a tantas outras que aportaram nos Estados Unidos no início do século XX, e porque Barbara Bel Geddes escondeu seus 26 anos debaixo dos cabelos soltos e do gorro da meninota cuja voz não era mais audível do que o permitido a uma adolescente membro de uma família tradicional daqueles velhos tempos.


domingo, 9 de novembro de 2008

DUAS COMÉDIAS MUITO ENGRAÇADAS: “FLOR DE CACTUS” (1969) E “MINHA ESPOSA FAVORITA” (1940)

Os dois últimos filmes aos quais assisti não me fizeram perder tempo. Eu já sabia que o primeiro (“Cactus flower” é o título original) era uma comédia muito eficiente, então fui atrás dele, ontem de noite, quando estava precisando de minha ração de diversão. Como infelizmente nosso mercado de clássicos é, ainda, bem pequeno, eu o vi porque o descobri, por acaso, num desses fóruns de download de filmes que existem pela internet (Torrent do filme). O que primeiro me atraiu foi, como sempre acontece, o elenco, já que nunca tinha ouvido falar no diretor Gene Saks. Ingrid Bergman, Walter Matthau e Goldie Hawn – que ganhou um Oscar de atriz coadjuvante pela empreitada – co-atuam nessa fantástica comédia que, não sei como, conseguiu no IMDB a medíocre média 6,8.
O elenco consegue dar verossimilhança a uma imensa quantidade de ditos cômicos que, na mão de um grupo menos afinado, faria com que o resultado ficasse medíocre. Para isso, o trabalho do diretor é fundamental, e ele usa boas estratégias para dar um sopro de vida às personagens. A longa seqüência inicial da mocinha que deixa uma carta na caixa do correio, volta para casa, tranca portas e janelas e tenta suicídio é cinematograficamente muito bem feita.
Através unicamente da imagem, vemos que a moça é uma típica jovem suburbana, e está apaixonada por um homem mais velho, que a deixou plantada a sua espera, e por isso ela decide pôr fim à existência. A interação verbal só é estabelecida depois que o vizinho a salva e, ao fazer respiração artificial na moça, é agarrado por ela. Nesse momento, o espectador percebe algo que o casal só perceberá nos últimos minutos do filme –a moça é talhada muito mais ao rapaz que ao homem sisudo cuja foto ela beijou antes de tentar se matar. Do mesmo modo como percebemos que o lugar do dentista é junto da rígida secretária, tão espinhosa quanto o cactus que lhe pertence, e que acaba por desabrochar junto com a personagem e com a atriz – a qual, depois de ter sofrido desgraçadamente nos papel da princesa Anastácia, Joana D’Arc, Hedda Gabler e outras heroínas trágicas, recebeu aqui o que foi, até onde eu sei, o seu único papel cômico.
O modo como a Ingrid se desincumbe dessa tarefa por si só faz com que o filme seja digno de atenção, mas essa é apenas uma das características positivas do filme, que deixa de lado o romance meloso para pintar com humor a história do dentista solteirão que, para fugir do casamento, faz a namorada idealista acreditar que ele é casado e pai de três filhos. A atriz iniciante (essa é a primeira fita de Goldie Hawn) está à altura dos maduros e experientes protagonistas, como a amante paradoxalmente cheia de princípios, que ao temer pelo futuro da esposa do dentista, por quem se afeiçoa – a secretária é coagida pelo chefe a fazer esse papel – acaba jogando a espinhosa mulher no colo do amante. Além dos achados cômicos, o humor está na ironia da situação – embora todos anseiem por aventuras, é possível se realizar num relacionamento maduro, baseado no companheirismo e em pequenos gestos, como o de fazer um sanduíche de galinha e ovo para o ser amado...

Outro filme que se sustenta por meio de um quiprocó é “Minha esposa favorita” (“My favorite wife”), esse já lançado por aqui (mas caaaro...) que trás Irenne Dunne e Cary Grant nos papéis principais como um casal que, depois de quatro anos de vida em comum, é separado pela aparente morte da mulher – apenas aparente, já que, no exato momento em que o juiz bate o martelo para declará-la oficialmente morta, ela cruza, vivíssima, o portão de sua casa. O que seria o fim de um problema para o casal torna-se apenas o início quando a esposa descobre que seu marido acabara de se casar com outra. É a partir daí que ela vai colar no esposo – que efetivamente a ama – para que ele resolva o impasse, o que se torna difícil porque ele é um tipo cheio de princípios, que não sabe como abandonar a sua segunda mulher.
Aqui também os ditos cômicos – “Aposto que você diz isso para todas as suas esposas.” é apenas um deles – têm um casamento perfeito com as ótimas seqüências visuais, que não precisam de palavras para se efetivarem. Exemplos são a cena dos pais que assistem orgulhosos aos filhos repetirem uma infinidade de vezes as lições que aprenderam – o que deixa a segunda esposa profundamente irritada; ou a reação do marido depois de descobrir que a esposa, durante os sete anos que estivera perdida, vivera numa ilha com um homem bonito e atlético. Além disso, o filme teve para mim uma graça especial porque descobri, nele, uma interlocução com “Operação Cupido” (1998) – filme a que eu sempre assisto com nostalgia por me remeter à minha adolescência: o nome do personagem de Cary – Nick – é também o de Dennis Quaid; a cena do elevador, em que o marido vai se inclinando, conforme a porta se fecha, porque vê a esposa (ex-esposa, no caso do último); o nariz machucado do protagonista, do qual a protagonista cuida (embora ela o faça de um modo muito menos delicado em “Minha Esposa Favorita”); o “nothing, nothing at all” pronunciado pelos filhos dos dois casais.
O filme é irresistível, e vale quanto custa.