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terça-feira, 24 de agosto de 2010

O bom cinema nacional: “As melhores coisas do mundo” e “Insolação”

Coincidência ou não, vi esses dias no cinema dois bons filmes nacionais. Coincidência ou não, ambos aguentaram-se nas salas de exibição de Campinas apenas por uma semana.
Na verdade "As melhores coisas do mundo" (2010) é - felizmente - um reincidente. No princípio de maio, ele deu o ar da graça na infamíssima sessão das 11 da manhã - hora em que nem mesmo os sujeitos tematizados pela película podiam prestigiá-la, já que estavam ou se preparando para ir ao colégio, ou para o deixarem. Agora, que as sessões são no meio da tarde, parte deles pode comparecer. Resta saber se irá - a contar pelos espectadores da sessão a que assisti, creio que não. Já "Insolação" (2009) apareceu por aqui num cinema alternativo e não foi visto por mais de uns poucos gatos pingados.

Alguns deixaram o filme pela metade; o lanterninha desrecomendou-o. Oh, desgraçado de mim, diria o filme se fosse um personagem daqueles melodramas ainda tão comuns em nossos cinemas. Mas se o fosse, certamente não seria abandonado, já que prenderia o público até o final, quando o mocinho vence o vilão e deixa a mensagem de que tudo pode melhorar. E isso efetivamente "Insolação" não faz - e cometeria pecado grave, creio eu, se fizesse.
Ao contrário, sucedem-se na película paisagens ermas, em meio das quais se levantam construções desativadas ou desabitadas. Intercalados a elas, edifícios comerciais funcionam tenazmente realizando não sabemos muito bem o quê.
Em primeiríssimo plano desenrolam-se os dramas humanos - que seriam banais se não fossem tomados com a destreza que são e não se relacionassem tão bem com a atmosfera de delírio evocada pelo filme. Dramas muito bem desempenhados por nomes como Simone Spoladore (vilã naquela novela tolíssima da Record), Paulo José, Leandra Leal e Maria Luísa Mendonça - há ainda um garoto muito talentoso cujo nome desconheço (ele está no fotograma acima dividindo a cena com Spoladore).
Os cenários, longe de serem meros adornos, exercem papel dramático na película, entrelaçando-se nos caminhos tortuosos trilhados pelas personagens doentes de uma insolação tanto física quanto psicológica.

Fica claro que, em detrimento da clara qualidade da história, ela não desce fácil. Os diretores (Felipe Hirsch e Daniela Thomas) até que tentaram minorar os percalços, cosendo as últimas cenas de modo a darem um sentido mais objetivo ao conjunto de imagens que os espectadores estavam até então recebendo sobretudo como sensação. Não sei se fizeram bem. Seria mais coerente se eu saísse da sala atordoada pelo excesso de brilho das imagens do que esclarecida pelo conjunto de diálogos que tentam iluminar o final. Nem por isso o conjunto deixa de ser interessante como proposta artística - não consigo deixar de pensar como a atmosfera de abafamento criada pelo filme oferece-nos um paradoxal respiro nessa nossa época de produções ready made.


Existem obras cerebrais que nos surpreendem pela factura mas não dizem nada à nossa sensibilidade, enquanto que outras, mais singelas, nos emocionam. Isso se aplica ao "As melhores coisas do mundo". O universo adolescente aparece em plenitude no filme. Impossível as últimas gerações não se identificarem com as histórias por ele narradas - e, por isso mesmo, é surpreendente o fato de eu ter visto tão poucos jovens na sessão a que assisti. Assim como "Insolação", o filme areja o ambiente povoado pelas produções previsíveis, mas areja por meio de uma leve brisa - e quem passeia por aqui sabe como eu prefiro as brisas leves...
O dia a dia de Mano, tão comum quanto de tantos outros garotos de 15 anos, é apreendido com perícia pela diretora Laís Bodanzky, que evita com inteligência cair no lugar comum (quem vê "Malhação" com algum senso crítico sabe como isso é difícil). Tudo ali parece real, algo só tornado possível pela afinação do elenco (ponto para o companheirismo com que Caio Blat, Denise Fraga e Paulo Vilhena dividiram a cena com atores iniciantes) e, é óbvio, pela direção firme - e a diretora não só teve de administrar um elenco considerável mas muitos extras.
O filme me fez reviver por duas horas minha adolescência. Revi as colegas saidinhas, os fofoqueiros, o garoto emotivo que declara seu amor por meio da poesia (sim, no filme essas poesias são bem feitas demais, mas nem por isso deixam de dar um belo efeito), o grupo de teatro (e pensar que eu cheguei a desempenhar o Pedro Álvares Cabral numa dessas peças, oh céus...). As personagens são meio tipificadas, mas o que é a gente aos 15 anos senão esboço do que seremos mais pra frente, não? "As melhores coisas do mundo" permite que nos reencontremos com todas as coisas boas e as bobagens que protagonizamos na nossa adolescência. E quem prestigiá-lo ainda ganhará de brinde pelo esforço reflexivo um final feliz - afinal, tudo parece possível quando se é adolescente.