Crítica publicada em Notas Musicais a 15 maio 2024.
Impressões sobre filmes, óperas, espetáculos teatrais e afins.
quarta-feira, 29 de maio de 2024
Topografia de um delírio – “O Gabinete do Dr. Caligari” no Theatro São Pedro
Crítica publicada em Notas Musicais a 15 maio 2024.
sábado, 3 de outubro de 2020
Giornate del Cinema Muto de Pordenone 2019: Dia VIII
Dia 8, 12 de outubro, sábado
Último dia da Giornate. Theatro Verdi fechado ao público para o já tradicional ensaio da Orchestra San Marco, que acompanhará o programa que fecha o evento: “The Lodger” (“O inquilino”, 1927), obra da fase silente de Alfred Hitchcock.
A sessão seguinte fecha com chave de ouro o programa Films on Films. Em cena, a espevitada flapper Coleen Moore é – literalmente – uma cinderela às avessas em “Ella Cinders” (Alfred E. Green, 1926).
Em seguida a Coleen Moore, vemos o terceiro e último episódio do rocambolesco seriado norte-americano “The Great Gamble” (1919). Retornando ao Theatro Verdi, passamos pela enorme e deliciosa feira-livre que se espraia pelo centro da cidadezinha aos sábados. Suas iguarias servem-nos como o almoço derradeiro daquela semana de festival. À tarde, preparamo-nos para nos despedirmos de William Hart.
Feita esta ressalva, observamos modelarmente em funcionamento, nesses dois filmes, a lógica do studio/star system. Estamos diante de dois típicos westerns de Hart, espaços em que a fronteira entre o bem e o mal é tênue e a moral se constrói à bala. Em ambos há o esforço deste protagonista finalmente bafejado pela moral (que é, como sempre, mais religiosa que jurídica) de proteger a família do bandido que ele matou; em ambos, a tentativa de reduzir-se a mulher indígena ao jugo do colonizador branco – a grande e trágica metáfora da colonização das Américas.
No desfecho, o obscuro Skinner se transformará num grande negociante ao longo de um número de dança que é um elo perdido entre os primeiros filmes que flagravam os gêneros musicais da moda, como o jazz, e os musicais da aurora do cinema falante. A escalada do protagonista é também aquela dos ritmos musicais modernos, bastante criticados na entrada dos anos de 1920, perfeitamente incorporados ao gosto do público cinematográfico no final da década.
Hoje começa a Edição Limitada da Giornate, realizada de modo integralmente remoto. É uma substituta possível ao evento presencial, considerados esses tempos bisonhos. Embora a Giornate seja muito mais que os filmes que nela se exibem, é um refrigério podermos acessá-la virtualmente. Vamos então a ela!
quarta-feira, 27 de janeiro de 2016
“Eu sou Ingrid Bergman” (Stig Björkman, 2015)
Eu sou Ingrid Bergman.
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Com os filhos Roberto e Isabella |
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Em "Anastácia" (1956) |
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Em "À Meia Luz", 1944 |
domingo, 24 de fevereiro de 2013
Oscar 2013. Parte 5: “Hitchcock”
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O original e a cópia |
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Hitchcock (Anthony Hopkins) e Alma Reville (Helen Mirren) |
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Scarlet Johanson, Janet Leigh, na antológica cena do chuveiro |
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Um Hitchcock afável pega carona no carro da estrela |
quinta-feira, 16 de agosto de 2012
Hitchcock, o gênio assombrado

Nela desfilam homens feridos física e/ou psicologicamente por armas às vezes tão mortais quanto desconhecidas. Homens fechados ao relacionamento amoroso, como o agente da inteligência norte-americana em tempos de guerra Cary Grant, de “Interlúdio” (Notorious, 1946), que convence a mulher de costumes fáceis Ingrid Bergman a se juntar aos Aliados, casando-se com um espião nazista. Homens aos quais a Guerra só fez emergir um complexo pré-existente, como o suposto médico e suposto assassino Gregory Peck de “Quando fala o coração” (Spellbound, 1945), curado com a conjuração da psicanálise freudiana pela Dr. Constance Petersen (novamente Ingrid Bergman). Homens esquivos como o taxidermista Norman Bates de “Psicose”, que cobre com a capa da afabilidade outro feixe de complexos altamente tributários de Freud; cuja relação com a mãe se desdobra do complexo de Édipo para a projeção/identificação.

Um trabalho notável neste sentido é Fascinado pela beleza, de Donald Spoto, estudioso de cinema com longa lista de publicações na área e cujo estudo sobre a obra de Hitchcock gerou uma tríade de livros, da qual este é o último. Spoto abre o volume com uma longa lista de agradecimentos às atrizes que ele entrevistou. Nomes como Ingrid Bergman, Grace Kelly, Kim Novak, Eva Mary Saint, Tippi Hendren – praticamente todas as protagonistas figuram nela. Ao fim, uma bibliografia igualmente volumosa explicita que a obra não é fruto de meras conjecturas. Estas partes do texto são fundamentais, pois as conclusões da análise de Spoto são estrondosas.
Pode-se, no início, acusar o sr. Spoto de sensacionalista ou bradar acerca da inutilidade de sua empreitada.

O analista fala muito bem sobre os medos recônditos de Hitchcock emergirem, na imagem cinematográfica, por meio de símbolos. Há nessa assertiva um tanto da psicanálise que interessou ao diretor em dois pontos fundamentais de sua filmografia, distanciados quase 20 anos um do outro: “Quando fala o coração” e “Marnie”. Há, todavia, outro tanto de cinema. A imagem prenhe de sentido, ao ponto de atingir o valor de símbolo: esta não é também a especificidade do cinema? Hitchcock não nos deixa perder de vista o parentesco entre o símbolo que confere perenidade ao cinema e o símbolo por meio do qual o psicótico transfigura a realidade, já que é incapaz de lidar plenamente com ela.
sábado, 13 de agosto de 2011
Os 112 anos de Hitchcock: notas sobre “Um corpo que cai”, a indústria do cinema e outras cositas mais

O que dizer desse inglês de alma cosmopolita cuja impecável sensibilidade artística gerou uma das obras mais densas da cinematografia mundial? Eu o amo apaixonadamente desde que era menina. Para mim, ele é quem melhor resume a Sétima Arte. Suas obras repletas de cenas de perseguição, grandes romances, traços detetivescos e bom-humor convidam o grande público à diversão. Porém, os elementos do melodrama rocambolesco são sempre sutilmente desvirtuados, para que saciem o gosto do público sem que traiam a arte.


D: A obra de Hitchcock como um todo é importante para a história do cinema porque ele conseguiu elevar o filme de suspense (considerado até então um gênero menor) a objeto de arte. Os produtos do gênero hoje são influenciados pela obra do diretor – embora a massa dos filmes de suspense produzidas em nossos dias não chega aos pés da produzida por ele.


A linguagem da câmera, os planos, o próprio nome do filme (Vertigo) – todas essas expressões carregam significados. Na resenha sobre o filme, você fala de como o “modo como imagens e sons se agrupam dizem mais sobre os personagens que o enredo”, exemplificando a primeira cena, em que John Ferguson e Midge Wood se encontram. Quais recursos o diretor utiliza para expressar características dos personagens, além das explicitadas no enredo? E quais são essas características?

Nesse mesmo post você fala, também, da maneira que, na visão de homem apaixonado de John, a mulher “misteriosa” se assemelha a um objeto de arte. Quando isso acontece e quais os símbolos responsáveis por tal interpretação?


sábado, 30 de julho de 2011
As parcerias inspiradas de Catherine Deneuve & François Truffaut: “A sereia do Mississippi” (1969) e “O último metrô” (1980)



A produção cinematográfica do diretor inglês deixou recordação indelével no francês desde jovem – como o entrevistador deixa claro ao entrevistado inúmeras vezes. Truffaut entrevista Hitchcock em 1962; "Hitchcock/Truffaut: entrevistas" sai pela primeira vez em 67. A emulação bem humorada de Hitchcock feita por Truffaut na “Sereia do Mississippi” parece desdobramento natural daquela admiração. Emulação que ganha contornos próprio, distintos da obra do mestre, bem entendido. Mais que entrevistador, o diretor francês fora um dos críticos responsáveis por elevar a obra de Hitchcock do lugar de “entretenimento banal” que ela ocupava para “obra autoral” de primeira grandeza.




O sensacional é que esta frase volta, quase que ipsis litteris, noutra parceria inspirada de Truffaut & Deneuve, “O último metrô” (Le dernier métro, 1980). Um parênteses necessário é o de que a beleza da musa francesa lhe rendeu, com o passar dos anos, uma legião de fãs/jornalistas/diretores extasiados. Em nenhuma de suas entrevistas ela deixa de ser atingida com perguntas que concernem a sua aparência física. Perguntada recentemente no Brasil sobre se “É um peso ser bela”, ela respondeu de modo inspirado: “Peso maior é ser feia”. Além de não ter pelo na língua (Bravo, Catherine!), a atriz demonstra que esta é, para si, uma questão menor. Tenho para mim, portanto, que ela e seu diretor decidiram de comum acordo transformar o assunto em tema de chiste.




Com o filme, Truffaut prova cabalmente que o conceito de “autoria” não é sinônimo de emprego e reemprego incansável da mesma série de procedimentos tendo em vista chegar a um fim já conhecido. No "Último Metrô" está todo o charme de “A Sereia do Mississippi”, porém, numa ancoragem muito mais incisiva na realidade; num tratamento muito mais humano àquelas mulheres e homens que tinham de lidar com duros conflitos – não só externos como também internos.

