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segunda-feira, 1 de março de 2010

Desfrutando de um Intermezzo: uma vista d’olhos no primeiro papel americano de Ingrid Bergman


Na semana retrasada, submeti minha mente descansada das férias (curtíssimas, mas bastante proveitosas) à missão de fazer um vídeo sobre um filme de 1939 para inscrevê-lo num concurso promovido por um usuário do You Tube. Não ganhei o concurso, em compensação, me diverti fazendo um mini-documentário sobre “Intermezzo: a love story” - filme em que Leslie Howard e Ingrid Bergman dividem a cena.
O “Intermezzo” de 1939 nem de longe é o meu filme preferido de Ingrid Bergman. A versão sueca da película, também estrelada pela atriz, é melhor – aliás, foi com ela que inaugurei esta paragem. A maior relevância do filme está, mesmo, no fato de ele inaugurar a carreira da atriz em Hollywood – carreira que deu-nos preciosidades como “Casablanca”, “Interlúdio” e o profético “Rage in Heaven”, com que cruzei apenas anteontem e sobre o qual definitivamente ainda falarei mais. Isso por si só já o torna digno de nota.
Para fazer esse pseudo-documentário, apoiei-me especialmente no curioso “Ingrid Bergman: my story”, escrito por dela e Alan Burguess – livro cuja assistematicidade (ele equilibra-se entre o depoimento e a autobiografia – e tantas são as peças pregadas pela memória... –, a biografia e o tabloide) curiosamente coaduna-se com a vida polêmica e, porque não dizer, amoral da atriz.
Demorei um pouco para criar coragem e submeter a vocês o vídeo, no qual, como Paulinho Soares, eu falo “com a língua enrolada” (“Do you like it, macacada?”). Culpa da nacionalidade do dono do concurso... Bem, logo saberemos if you liked it... Podem me dizer a verdade ou, então, não dizer nada, caso fiquem com pena...
O vídeo está no fim da postagem. Com ele, quis dizer mais ou menos isso:


Tudo começou quando uma jovem atriz sueca deixou o marido e a filha pequena para se aventurar do outro lado do oceano. Pouco poderia ela imaginar que isso mudaria sua vida. Ela era Ingrid Bergman e a razão de sua viagem, o filme norte-americano “Intermezzo”.
Era 1939 e Miss Bergman tinha 23 anos. A oportunidade surgiu depois que ela fez um punhado de filmes na Suécia. Seu primeiro papel creditado foi em “Munkbrogreven” (O conde de Munkbro”, 1935). Um ano mais tarde, foi dirigida pelo importante diretor sueco Gustaf Molander em “Pa solsidan”.

Ingrid Bergman em "Munkbrogreven" (1935)


No set de "Munkbrogreven"
Fonte: Ingrid Bergman: História de uma vida

Porém, sua carreira deslanchou meses mais tarde, noutro filme de Molander, “Intermezzo”, no qual desempenhou o papel de Anita Hoffman, jovem pianista que se apaixona pelo famoso violinista Holger Brand, seu ídolo e pai de uma de suas alunas. Ingrid não parecia nem um pouco embaraçada por co-atuar com Gösta Ekman, cuja carreira cinematográfica já estava consolidada. Ao contrário, como se pode ver pela paixão e vivacidade que ela emana nas cenas que divide com ele.

com Gösta Ekman em "Intermezzo" (1936)
Fonte: Ingrid Bergman: História de uma vida



A película ficou conhecida nos Estados Unidos. Não demorou para que o produtor David O. Selznick, dono da Selznick International, enviasse a caçadora de talentos Katherine Brown à Suécia com o objetivo de contratar a jovem atriz. Miss Bergman acabou por assinar um contrato para rodar uma versão americana da fita.

Ela deixou esposo e filha na Suécia com o objetivo de para passar três meses em Hollywood.
Suas lembranças de quando chegou na capital do cinema são curiosas. Em sua autobiografia, ela afirma que ninguém se surpreendeu com seu visual. De fato, ela não se assemelhava às demais estrelas de Hollywood e tampouco queria se parecer com elas. Ingrid lembra que Selznick desejou transformá-la antes de mandá-la ao estúdio: ela precisaria consertar os dentes, fazer as sobrancelhas e usar maquiagem, segundo ele. Ela afirma ter se negado a ser construída e dito a Selznick que estaria disposta a voltar à Suécia caso ele insistisse: “Eu pensava que o senhor me tinha visto no filme Intermezzo, que gostou de mim e enviou Kay Brown à Suécia para me contratar. Agora que me viu, o senhor quer mudar tudo. De modo que prefiro não fazer o filme. (...). Tomo o primeiro trem e volto para casa.” (p. 55).


Ainda bem que a atriz foi tão resoluta e, ao mesmo tempo, não tomou o trem de volta para casa, ou então teríamos perdido uma das melhores atrizes de todos os tempos.
Em "Intermezzo: a love story”, versão do filme rodada em 39, ela repete sua personagem da película sueca, desta vez tendo como galã outro ator conhecido, Leslie Howard. Ingrid está luminosa no filme. O fato de não estar falando sua língua nativa em nada a atrapalha. Ela interpreta de modo sutil e preciso o papel de uma jovem passional que sabe não passar de um “intermezzo” na vida do homem que ama. O título funciona perfeitamente. “Intermezzo” é uma peça musical ou dramática executada entre dois atos de uma peça teatral ou ópera. Efetivamente, a bela pianista sabe que Holger precisa voltar à esposa e aos filhos – todos os “maridos honrados” retratados nos filmes da época precisavam...
Porém, o “intermezzo” vivido por ambos já basta para fazê-la cativar o público. Não muitos anos depois disso, o nome da atriz apareceria sobre o título da fita, acima do nome de Leslie Howard que, por sua vez, constava minúsculo abaixo do título...


Em suas memórias, Miss Bergman também ressalta uma característica de Selznick que fê-lo odiado por muitos diretores: ele interferia em todos os aspectos dos filmes que produzia. Selznick teria substituído o diretor Gregory Ratoff para dirigir pessoalmente a atriz em sua primeira cena. Vou descer aos detalhes apresentados por Ingrid porque o processo de produção cinematográfica positivamente me fascina...

Selznick teria dito a Ingrid: “É o seu primeiro impacto sobre o público americano e tem que ser sensacional (...) tenho que conseguir o impacto de um novo rosto que chegou às telas americanas, de tal modo que a plateia seja apanhada de surpresa e exclame ‘Ahhh’.”.

A cena era simples: Ingrid apenas precisava chegar na casa de Holger, tirar seu casaco e chapéu e entrar na sala. No entanto, diz a atriz que o produtor repetiu a cena inúmeras vezes, até depois de o filme ter sido terminado. Vou dar novamente lugar à Ingrid que apresentará mais detalhes:

“Já tinha chegado o meu último dia e a minha última hora. Em 1939, tomava-se um trem em Los Angeles para atravessar a América, e depois pegava-se o navio em Nova York. De modo que havia um carro à espera para me levar ao trem. ‘Não. Mandem esperar. Mais uma tomada.’ ‘Mas David, eu tenho que apanhar minha bagagem em casa’. ‘Nós mandamos apanhar. Apanhem a bagagem da Senhorita Bergman. Mandem um carro. Você alcançará o trem, não se preocupe.’

Eu tive que sair correndo do estúdio, ainda com as roupas que estava usando no set; gritar adeus para a equipe e atirar-me no carro para alcançar o trem segundos antes da partida... para você ver como é David Selznick.” (p. 65).

com Leslie Howard em "Intermezzo" (1939)

A resenha de “Intermezzo” publicada no The New York Times em fins de 1939 deixava claro que a atriz havia correspondido aos anseios do diretor. Segundo a folha, “A sueca Ingrid Bergman é uma pessoa tão adorável e uma atriz tão graciosa que estamos felizes por David Selznick ter escolhido o calmo ‘Intermezzo: a love story’, para sua estreia em Hollywood ao invés de algum drama heroico que, se não tivesse subjugado sua estrela, poderia ter nos subjugado e nos tornado menos conscientes da frescura, simplicidade e dignidade natural que são os agradáveis dons de Miss Bergman à nossa tela. Ela é bela, mas não é linda. Seu modo de atuar é surpreendentemente maduro, ainda que singularmente livre de maneirismos estilísticos. Há aquela incandescência em Miss Bergman, aquela faísca espiritual que nos faz crer que Selznick encontrou outra grande dama das telas."

“Frescura e simplicidade” definem Ingrid Bergman bastante bem. Ela atuava - fingia -, no entanto, não podia ser mais natural, mais verdadeira. Neste sentido, a história que a atriz conta acerca de sua recusa a se maquiar é, se não verdadeira, ao menos sintomática. A ausência de maquiagem acompanhou a atriz ao longo de sua carreira. Creio ser por isso que ela me impressionou desde que a vi pela primeira vez em "Spellbound" e que me impressiona desde então.

*


domingo, 2 de agosto de 2009

Romeu e Julieta, de George Cukor


Romeu e Julieta (Romeo and Juliet, 1936). Aí está um dos filmes que mais me impactaram nesse período de tempo que fiquei longe daqui. Isso porque eu sou fascinada pela direção do George Cukor, porque acho a Norma Shearer uma graça e porque a fita dialoga com uma porção de coisas que venho lendo e pensando nesses últimos meses.
Quando a vi pela primeira vez, 20 dias atrás, senti que, pela primeira vez, todas aquelas palavras de Shakespeare ganharam vida. Todos aqueles versos, que me pareceram tão grandiloquentes e deslocados no texto escrito da peça (quando o li aos 15 anos), e na versão cinematográfica dela protagonizada por Leonardo di Caprio (a que assisti não muito depois), e até mesmo em Sheakespeare apaixonado, de repente ganharam sentido ao serem pronunciados por Norma Shearer, Leslie Howard e John Barrymore. O sentimento amoroso, a ironia, a pilhéria: até 20 dias atrás eu não havia encontrado essas qualidades na história. Aí vi a cantada fantástica que Romeu passa em Julieta e, pela primeira vez, notei o quanto ela é sensual e ousada: o fato de o rapaz querer depositar seus pecados nos lábios da moça só não é mais fascinante do que o de ela desejar devolver nos lábios dele o pecado que ele lhe entregou. Formulação absolutamente formidável, tão década de 1930, tão George Cukor!... Talvez seja por isso que o diretor conseguiu criar uma obra prima cinematográfica à altura da obra prima teatral.
O modo como Cukor conseguiu atualizar a história sem atualizar a linguagem da mesma é notável. Não mais notável, no entanto, que o caminho traçado pelo drama: apresentado primeiramente para as popularíssimas platéias da Londres seiscentista, ele tornaria a viver no bojo da cultura de massas, para o deleite das popularíssimas (ou nem tanto) platéias dos Estados Unidos, de Londres, do Brasil, do mundo inteiro. Quatro séculos e tantas mudanças econômicas mais tarde fizeram com que a história servisse a propósitos muito semelhantes: agradar o grande público, tão desejoso de diversão.
Benjamin lembra das palavras proferidas por Abel Gance em 1927: "Shakespeare, Rembrandt, (...) Todas as lendas, todas as mitologias (...) aguardam sua ressurreição luminosa". Já estava claro o poder das telas de abraçar a produção e os produtores de obras de arte e distribuí-los em larga escala. Esse filme corrobora cabalmente a afirmação do crítico.
Óbvio que os mecanismos de atração são outros. Nos tempos de Shakespeare, homens representavam papéis femininos, convenção plenamente aceita pelo público. Nos anos de 1930, o star system estava a todo vapor, construindo ídolos em série. Norma e Leslie são os maiores atrativos do filme - o trailer dele, que convida o público a ver a reunião dos pombinhos de O amor que não morreu (Smilin' through, 1932), deixa isso claro. Isso, porém, não diminui a importância da adaptação. Ao contrário, a beleza do resultado final atesta que a peça realmente se trata de uma obra de arte, sempre atual - especialmente quando manipulada pelas mãos certas.
Cukor certamente tem um bom par dessas mãos. Daí o fato de ele ter conseguido ressaltar o que há de sensual e engraçado na história, através de uma direção conscienciosa que, abaixando o tom de voz dos artistas, deu intimidade à verborragia shakespeareana e tornou todos aqueles discursos tão tocantes. E como ajudaram aqueles close-ups do belo rosto de Norma Shearer, rosto que endossava cada uma daquelas linhas...
Já vi Shakespeare no teatro, Otelo (Diogo Vilela fazendo o papel de Iago). O elenco não era ruim, mas a montagem não conseguiu atingir 10% da excelência da adaptação cinematográfica de Romeu e Julieta. Sendo assim, sinto-me obrigada a concordar com Gance: a ressurreição de Shakespeare se dá especialmente no cinema. Se se quiser manter os diálogos originais, penso que aquele Shakespeare popular do século XVI só pode se tornar novamente apetecível ao público nas telas, por meio de atuações sóbrias. Por meio, enfim, desse estilo cinematográfico que se tornou tão popular no século XX, o único capaz de demonstrar a atualidade dos sentimentos à baila na história.