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terça-feira, 23 de junho de 2009

Brindemos a um mundo que pode ser maravilhoso: Holiday (Boêmio Encantador, 1938)


O Boêmio Encantador do título é novamente o Cary Grant, mas para que eu não seja acusada de ser cinéfila de um artista só, preciso explicar que quem me moveu a assistir a esse filme foi a sra. Hepburn, depois d’eu ter sido conduzida por ela a um passeio por sua filmografia. O documentário no qual isso se deu compõe os extras de “Núpcias de Escândalo” (Philadelphia Story, 1940), filme que me fascinou à primeira vista, daí a curiosidade de ver “Holiday”, no qual ela também é dirigida por George Cukor e divide a cena com Grant.
Somava à minha curiosidade o fato de ambas as produções terem sido separadas pelo fosso no qual mergulhou a carreira de Katharine e quase determinou seu abandono das telas, para as quais apenas voltou depois do sucesso que fez nos palcos interpretando a astuta e inflexível (mas nem tanto) herdeira Tracy Lord, sucesso que depois repetiu no cinema naquela que é uma das grandes comédias de todos os tempos.

E que surpresa agradável não tive eu ao encontrar em “Holiday” uma atmosfera tão semelhante à de “Philadelphia Story”: a mesma sensibilidade nas atuações e mesma maestria na direção.
O gosto do público é complicado de se entender – Katharine, aquela que fora considerada box office poison por filmes como “Holiday”, depois foi consagrada fazendo um trabalho bastante parecido...
Aliás, o retorno da estrela ao cinema não foi acompanhado da mudança de norte de sua carreira. Ao contrário, ao se assistir extensivamente à sua produção, observa-se nela uma unidade. A pose ereta, a cabeça erguida, a flexibilidade e o tom de voz tornaram Katharine tão fácil de ser parodiada e, ao mesmo tempo, impossível de ser copiada. E quantas produções não se beneficiaram de sua prosódia peculiar, misto de fala corriqueira, declamação e música, que cooperou para deslocar seus filmes da realidade imediata e os lançou em um mundo que parece tão longínquo e sedutor. E se isso é verdade em “A bill of divorcement” (1932), película que a apresentou ao grande público, na qual interpretava a mocinha assombrada pela aparentemente irrevogável herança paterna – a loucura – tanto mais é verdade em “Holiday”.
Nesta deliciosa comédia romântica, o galã, e os coadjuvantes – entre esses últimos, Edward Everett Horton, num de seus papéis cômicos mais sóbrios – unem-se à musicalidade da voz e dos gestos de Katharine. E o diretor, grande maestro que é, conduz o bailado de modo tão afinado, leve e adorável, que também eu tenho vontade de sair dançando sempre que vejo o filme.
A pobre menina rica é trancafiada num palacete e obrigada a aderir à hipocrisia do meio que a circunda, sofrimento que divide com o infeliz irmão, o qual fora obrigado a seguir a carreira imposta pelo pai. Porém, ela é salva pelo belo e idealista jovem para quem os bens materiais ficam num plano muito distante. Quem nunca ouviu história semelhante? Mas por certo não a ouviu do modo como Katharine Hepburn, Cary Grant, Henry Kolker, Edward Horton, Jean Dixon e George Cukor a contam. Ora, também os contos de fadas são mais que conhecidos, mas “O mágico de Oz” (1939) é único. Também o tema amoroso é um só, e Cole Porter ou Gus Kahn apresentam-no de mil maneiras diferentes. A razão é a mesma para todos, que imprimem um ritmo original e único à obra que criam, que deleita e nos faz querer repetir a dose mais e mais vezes, até memorizar os diálogos, as letras e a melodia.

terça-feira, 4 de novembro de 2008

O AMOR E O ÓDIO NA TERRA DO CINEMA: OS TÍTULOS PASSIONAIS QUE DAMOS AOS FILMES NORTE-AMERICANOS. PARTE I – O AMOR.


Continuo o trabalho, agora discutindo, não tão exaustivamente, a exaustiva adjetivação com que brindamos (nós? ou os portugueses?) os filmes norte-americanos que aportam por aqui. Do amor ao ódio, uma vasta gama de sentimentos acomete os responsáveis pelas versões em português dessas fitas. E, o que é mais engraçado, isso tudo é, não raras vezes, banhado pela tinta do sensacionalismo. É assim que substantivos próprios ou comuns, ou então frases curtas sem adjetivos, dão cria a orações inteiras, compostas de sujeitos, verbos etc., etc., etc. “Alice Adams” (1935), no qual Katharine Hepburn estrela no papel da mocinha pobre que almeja, num só tempo, amor e ascensão social, é entre nós conhecido como “A mulher que soube amar”. O título faz com esse filme o mesmo que “Jejum de amor” faz com “His girl Friday” – constrói expectativas falsas no espectador, uma vez que a jovem Alice está algo distante do estereótipo da moça romântica que sofre um amor intenso e submisso pelo moço rico. Ela é, sim, calculista a ponto de manipular toda a família de modo que esta encene o papel de emergente para que o moço seja cativado. A cena do jantar é formidável por representar a ironia da situação: é verão, e o moço é convidado pela namorada a experimentar uma infinidade de pratos pouco digestivos para a estação, servidos pela empregada que só faz praguejar. Aliás, a quebra de expectativas gerada pela tradução em português do título levanta algo que eu discutia com um amigo outro dia. Será isso fruto do descaso que os tradutores têm com o produto com o qual trabalham – nesse caso, considerado meramente como produto, destituído do rótulo de “arte” que tem a literatura, a qual usualmente merece deles um pouco mais de atenção? Ou então isso é feito para que o mercado seja atingido com mais impacto? Ambas as coisas são possíveis...
Também da Katharine (1955) é o belíssimo “Summertime”, história de uma secretária já madura que é atingida em cheio pelo grande amor numa viagem que faz à Veneza. Entre nós, o subtítulo é explicativo “Quando o coração floresce” (ou “florece”, de acordo com o que está estampado na embalagem da caríssima versão brasileira do filme, lançada pela Continental). Outro mais que explicativo é “Brigadoon”, bonito musical fantasioso de 1954, que também narra a história do grande amor, algo sublinhado pelo esquisito título “A lenda dos beijos roubados” com que o conhecemos – provavelmente escolhido por alguém que tinha acabado de ler um dos volumes açucarados de “Bianca”. “Young at heart” (1954) é outro que merece ser mencionado. O nome alude à canção homônima que foi um grande sucesso de Frank Sinatra. Não por acaso, o filme estrela o cantor/ator, que faz par romântico com a encantadora cantora/atriz Doris Day. A canção título (“Jovem de coração”), que é a música resultante de um longo trabalho de auto-descoberta do personagem problemático representado por Sinatra, é desconsiderada pelo gênio que deu título na tradução em português. Aqui o filme chama-se “Corações enamorados”.

Deixemos, agora, o amor por sentimentos menos arrebatadores... “Holiday” (1938) é um outro filme de Katharine Hepburn do qual nossa língua abusou. “Boêmio encantador” é o título, alusão ao personagem de Cary Grant, que, embora encantador, nada tem de boêmio. É, sim, crítico à sociedade que almeja unicamente o acúmulo de bens – mote que deixaria o romance insosso não fosse a genialidade de George Cukor, que o transforma, creio eu, num dos filmes mais bonitos e engraçados de todos os tempos. O pobre Cary também virou entre nós “O eterno pretendente”, numa fita de 1945 intitulada “Once upon a time” – título, diga-se de passagem, muito mais condizente com a fábula da lagarta dançarina que se transforma em borboleta, uma vez que o filme não retrata nenhuma história de amor. Sem comentários...

Continuando, “State Fair” é aqui conhecido por “Feira de Ilusões” (isso no plural, já que duas versões do mesmo – 1945 e 1962 – foram lançadas no Brasil). “The Philadelphia story” (1940) – outro com Katherine Hepburn e Cary Grant (elenco engrossado ainda mais por James Stewart), também dirigido por George Cukor – a maior comédia de todos os tempos, creio eu, ganhou de nós o nome de “Núpcias de escândalo” (e dos portugueses, o título de “Casamento Escandaloso”, segundo consta no IMDB – esse é o único filme do grupo para o qual encontrei registro dos títulos atribuídos no Brasil e em Portugal). Embora o casamento em questão efetivamente engendre um escândalo, quem já viu o filme sabe que esse não é, de modo algum, o único tema em questão no “História da Filadélfia”, daí a novamente pobre escolha do título.

E, para ainda uma vez provar que essas esquisitices não acontecem apenas com os produtos da era de ouro do cinema, cito o “When Harry met Sally” (“Quando Harry conheceu/encontrou Sally”, 1989), o já bastante conhecido entre nós “Harry e Sally: feitos um para o outro.”

A próxima postagem apresentará sentimentos menos doces.