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segunda-feira, 22 de outubro de 2012

Amostras do festival de Cannes 2012: “Like someone in love” e “Paperboy”


Cannes está chegando aos poucos por aqui. Nesta quarta estreou “The Paperboy”, de Lee Daniels, com um Zac Efron finalmente crescido e bastante bem e um Matthew McConaughey e uma Nicole Kidman muito bons e quase que irreconhecíveis: ele porque foi vestido com bastante esmero para o papel do jornalista investigativo que viaja ao sul dos Estados Unidos nos anos de 1960 colhendo evidências no intuito de inocentar o caçador de jacarés (John Cusack) implicado na morte de um xerife racista: está cabeludo, sujo, pouco aprumado e, portanto, bastante eficiente; e ela, porque insiste nas aplicações de botox, que deixa inexpressivo o contorno de seus lábios. 
O botox, no entanto, parece ter vindo a calhar neste caso. Nicole é a sulista que deseja esconder seus 40 anos atrás da maquiagem exagerada e do vestuário provocante. Torna-se um arremedo de mulher jovem, o que convém à história. 
“Frescor de mocidade” sua personagem efetivamente tem pouco: é mulher esquiva com tara por presidiários. Seu caso com o caçador de jacarés, tocado por correspondência, aproxima-a do jornalista (homossexual), de seu amante negro e do irmão imberbe. Os dois últimos passam a viver com ela um triângulo amoroso pintado com hiper-realismo e alguma inverossimilhança. 
Vê-se que sobram histórias em “The Paperboy”. Tal e qual as colunas de um jornal, temas diversos povoam-no. Funciona na economia do jornal, mas não na do filme, onde tudo parece episódico: denúncias de preconceitos vários (a patroa branca que humilha a empregada negra; os homossexuais, perseguidos pelo sexo e pela cor); a investigação do assassinato; a descoberta do “Amor” pelo rapaz; a ética jornalística. Para botar ordem na bagunça entra a empregada negra, contadora da história tempos depois e voz-off do filme. Ela o ordena, mas mesmo assim alguma poeira vai vez por outra fazer barriga debaixo de algum tapete. Isso gera alguns momentos de lassidão imperdoáveis. Só os desculpamos quando, em cena, Nicole Kidman dá voz à estranha fêmea sulista. Mesmo a mal explicada estranheza dela não impede que constatemos o belo trabalho de corpo e voz que ela faz para dar vida ao seu papel. 

Rin Tanakashi
Abbas Kiarostami estava inspirado ao batizar seu “Like someone in love”. Oxalá a inspiração continuasse consigo durante a rodagem do longa... Dois anos atrás, Cannes botou merecidamente em destaque seu “Cópia Fiel” (2010), denso exercício filosófico que deu a Juliette Binoche o prêmio de melhor atriz. Não acompanhei a crítica da Cannes desse ano a este último. Aqui em Paris a imprensa não gostou dele. Moi non plus... 
Ryo Kase
É rodado em japonês e se passa ruas de Tókio e adjacências. Há nele ecos de temáticas já reverberadas em “Cópia Fiel”, como aquela que se refere à relação entre o original e a cópia. Ecos esvaziados, no entanto. Na megalópole, a avó do interior reconhece a neta na fotografia de uma prostituta. Trata-se efetivamente da menina, que nega o fato para a velha, para o namorado, para si mesma – afinal, o retrato pode muito bem ser de outra pessoa, ela mesmo julga-se parecida com todo mundo. Eu tenho para mim que isso é laivo de uma visão eurocêntrica do oriental – o modo como os ocidentais observam o Oriente, o assemelhamento que atribuem a todos os seus habitantes, não se sustenta de fato. Um japonês é mais capaz de distinguir dentre os seus do que nós de distingui-los, em suma. Enfim, do modo como foi posto, o tema não me convenceu. 
Tadashi Okuno é o velho acadêmico romântico
Mas o problema não está só aí. Do ponto de vista cinematográfico “Like someone in love” não é mais inspirador. Temos uma câmera irritantemente inexpressiva a apreender tudo o que passa pela objetiva. Exceto por umas cenas de maior concentração, em que gestos/ música/ enquadramentos cooperam para a construção de sentidos mais densos (a canção-título na voz de Ella Fitzgerald despindo a alma do velho professor quando ele recebe a prostituta pela primeira vez), tudo caminha ao léu. O desfecho, um típico Kiarostami, aberto, só faz coroar a fragilidade dos sentidos construídos. Era assim também em “Cópia Fiel” – mas não se enganem, porque este trazia de fundo uma questão teórica debatida com muito mais contundência ao longo da história.