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quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Quando nada acontece na tela: Amantes (Two lovers, 2008)

Do volume de filmes que vejo, tem sido meu costume comentar aqui os que prefiro. Hoje, abro uma exceção para falar sobre esse filme estranho que vi faz alguns dias.
Estranho não quer necessariamente dizer ruim. As várias resenhas sobre ele, que li depois de sair do cinema, demonstram que o filme satisfez uma porção de gente. Eu efetivamente não fui uma delas.
A explicação disso talvez esteja no chiste que a personagem de Audrey Hepburn faz em "Quando Paris Alucina (Paris when it sizzles, 1963), esse sim, um de meus favoritos. O filme da Audrey faz uma divertida leitura sobre o processo de produção de uma obra cinematográfica. Audrey representa uma taquígrafa contratada por um roteirista que deseja alinhavar em dois dias o script de um filme. Ao mergulharem no trabalho intenso, ambos dão a ver ao público a maquinaria da maior indústria de cinema do mundo - Hollywood: a necessidade de o filme terminar com a aproximação das duas cabeças muito bem pagas que trocarão aquele beijo responsável pela venda de pipocas e ingressos do cinema. A brincadeira com a conhecida fórmula de sucesso de Hollywood se soma às espinafradas dadas em alguns cineastas ditos cult, que, segundo a personagem de Audrey, constróem um filme pela negação. Daí os títulos paródicos "A festa que não aconteceu"; "Nenhuma dança nas ruas", etc.
Vendo "Amantes", me senti em contato com um desses pseudo cults ironizados pela taquígrafa atilada - que, aliás, convence o roteirista (interpretado por William Holden) a escrever um roteiro mais real, mais otimista, enfim, mais hollywoodiano.
Não defendo apenas os filmes que seguem a fórmula antiga e conhecida. Não é um grande problema quando as coisas efetivamente não acontecem num filme, mas sim quando elas deixam de acontecer em virtude de uma tentativa mal-sucedida do diretor de se afastar dos padrões. Isso - é o que ocorre em "Amantes" - faz com que o filme se torne falso, postiço.
Que nome dar para aquela fotografia titubeante que parece ter sido produzida por alguém com vertigem? Ela cairia bem se encontrasse alguma contrapartida na história, mas não parece ser esse o caso. Se ela tivesse sido usada para refletir o estado de perturbação e alheamento do protagonista, talvez a cena do primeiro jantar devesse ser tomada da distância, e não por meio de primeiríssimos planos de cada um dos pratos. E os diálogos fajutos, pobres mesmo, semeados pelo roteiro: "Você é um doido?", "Não.". E aquele (disforme) triângulo amoroso, ou devemos dizer "quadrado", já que a foto da antiga namorada assombra o protagonista até quase o fim da história? Sem contar a incoerência sobre a qual a história é construída: o rapaz que, dois anos depois de abandonado pela namorada, ainda tentava dar adeus à vida, de repente se vê dividido entre duas mulheres. É claro que a vida é complexa e o psiquismo ainda incompreensível, mas quando o diretor abusa dessas premissas, corre o risco de ser rejeitado.
O maior problema, na minha opinião, é que o filme não consegue alçar voo. Triste, pois ele faz algumas brilhantes tentativas. Além dos bons desempenhos de Gwyneth Paltrow, Joaquim Phoenix e Isabella Rossellini - eles fizeram tudo o que podiam com o roteiro que tinham -, os cenários são precisos. Os da casa do rapaz e da tinturaria de seu pai pintam muito bem os domínios de uma família de classe média baixa por demais presa ao passado.
E, no que toca às personagens, chamo atenção para a mãe do protagonista, interpretada por Isabella Rossellini, assustadoramente parecida com sua mãe Ingrid Bergman nos gestos, no rosto e na voz.
Os trajes dos anos 40 usados por ela, tão semelhantes aos que sua mãe usou em filmes como "Arco do Triunfo" ou "Interlúdio", expressam com alguma crueldade a distância entre o glamour das personagens de Ingrid e a ostentação pueril e fora de lugar desta personagem de Isabella. Isso, somado às bolinhas de naftalina que deixam sua casa cheirando à casa de vó, estendem à família do protagonista o deslocamento vivido por ele.
É uma pena que tantos elementos interessantes se percam no meio de situações e diálogos mal construídos. Do contrário, teríamos um filme que certamente seria lembrado por muito tempo.

domingo, 16 de novembro de 2008

Stanley Donen, um Hitchcock dançarino: Charada (1963)

Tive uma agradável surpresa quando vi esse filme pela primeira vez, um ano atrás, e uma surpresa igualmente agradável quando pude comprá-lo por um preço razoável na semana passada. Audrey Hepburn e Cary Grant são dois ídolos meus, assim como Hitchcock. Além disso, adoro musicais, e verdadeiramente tiraria meu chapéu – se tivesse coragem de usar um – para esses indivíduos que conseguem introduzir num filme, de modo perspicaz, leveza, humor e música. Stanley Donen é, com certeza, um deles, e o exemplo mais cabal de seu talento é o musical “Cantando na chuva” (Singin’ in the rain, 1952), dirigido por ele e Gene Kelly. Donen, que passeou pelos mais variados gêneros ao longo de sua carreira, fez de “Charada” o balanço do que de melhor produziu. O “thriller” aproveita o que de melhor há em suas comédias musicais, nas quais introduz o humor de forma sempre inesperada e delicada.

Apenas para citar um momento, no “Um dia em Nova York” (On the town, 1949), o marinheiro Gene Kelly, que desceu a terra apenas por um dia, lastima-se por perder a namorada. Os amigos – um deles é ninguém menos que Frank Sinatra – conseguem-lhe uma dessas garotas que estereotipa o “patinho feio”, amiga da namorada de Frank. O jovem marinheiro apavora-se quando a moça se aproxima, mas é conquistado por sua simpatia quando ela, juntamente com Sinatra, Ann Miller, Betty Garret e Jules Munshin, canta ao mesmo a divertida “Count on Me”. A personagem de Gene ganha, nesse momento, ânimo para procurar a moça de quem havia se enamorado. O espectador segue o grupo, deliciado. 
Há muito disso em “Charada”. O filme tem início com o apito de um trem e um corpo sendo jogado para fora dele. Corte. Longe dali, nas montanhas geladas da Suíça, uma arma é apontada para Audrey Hepburn. Música de suspense e, de repente, um jato de água atinge, certeiro, a face da moça. Trata-se apenas do filho endiabrado da amiga, que se diverte com sua arminha de brinquedo... A quebra da tensão pela introdução do elemento cômico é característica da obra de Hitchcock, o mestre do suspense, interlocução obrigatória para quem se mete a trabalhar no gênero em questão. Mas em “Charada”, Donner mostra que também é mestre, pois dosa a tensão e a comédia de modo completamente pessoal. Exemplo claro é o fato de o humor sempre se destacar nesse enlace. Temos isso na cena do enterro do marido de Regina – personagem de Audrey – quando entram na igreja praticamente vazia os comparsas do homem, os quais se utilizam de várias estratégias extravagantes para se certificarem se ele realmente está morto. 
Entre risos e sustos caminha o filme, que não deixa para trás uma característica do trabalho de Donnen que me é muito querida, a metalinguagem. O beijo entre os personagens de Audrey e Cary lembra o legendário beijo trocado por Ingrid Bergman e Cary no “Interlúdio”, de Hitchcock (Notorious, 1946), ambos frutos da iniciativa feminina, mal atrapalhados por uma ligação telefônica. Outro tributo ao mestre do suspense é a explicação irônica que Cary dá a Audrey sobre sua carreira de bandido, a qual lembra “O Ladrão de Casaca” (To catch a thief, 1955), também protagonizado pelo astro.
E para arrematar, os diálogos são extremamente bem construídos. “Sabe o que há de errado com você?”, pergunta Regina para um Cary arredio por ser paquerado por uma moça muito mais jovem que ele. “O quê?”, ele pergunta. “Nada.”, responde ela. É assim até a cena final, a qual, curiosamente, é tomada em “Uma linda mulher” (Pretty Woman, 1990) como metonímia do cinema clássico. Gary Marshall acertou em cheio: “Charada” realmente o é.