quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

"White Christmas": a canção de Irving Berlin em dois musicais de Hollywood

Há exatos setenta anos, o compositor Irving Berlin escreveu esta que considero a mais linda canção de Natal de todos os tempos. "White Christmas" foi apresentada ao público pela primeira vez por meio da poderosa voz de Bing Crosby, numa apresentação do artista no show The Kraft Music Hall, veiculado pela rádio NBC no Natal de 1941.
No entanto, a música começou a trilhar carreira de sucesso (também na voz de Bing Crosby) apenas em meados de 1942, ao circular comercialmente no álbum com as canções do recém-lançado filme musical "Holiday Inn", protagonizado por Crosby e Fred Astaire. Lançado o filme, "White Christmas" competiu pela preferência do público com "Be careful, it's my heart", outra canção bem Irving Berlin, singela e linda. Porém, hoje o espaço é da primeira, pois já estamos em contagem regressiva para a chegada do Papai Noel e compartilhamos com os norte-americanos dos anos 40 da ânsia por canções que definam essa magia quase tangível que acompanha o Natal.
"Holiday Inn" foi lançado nos Estados Unidos em agosto de 1942. Pouco mais de um mês antes do Natal de 1942, a canção tornou-se a preferida dos ouvintes segundo vários hit parades do país, incluindo a rádio das Forças Armadas, inundada com pedidos da música, segundo registros. Hoje, seu single é considerado o mais bem vendido de todos os tempos, com impressionantes 50 milhões de cópias vendidas no mundo todo.
Trago essas informações históricas (emprestadas do canal do You Tube que apresenta a primeira versão da música para as telas) para pensar nos vários sentidos que "White Christmas" ganhou com o passar dos tempos. Naquele 1942 e anos subsequentes, ela ajudou a aquietar corações de soldados e familiares divididos pela 2ª Guerra. Seu eu-lírico pode bem ser considerado um daqueles jovens que partiam para o horror desconhecido munidos daquele patriotismo exacerbado que os americanos sabem como ninguém ostentar, e, distante de sua terra e de seus entes queridos, sonhava com os "Natais Brancos" de outrora: "Eu sonho com um Natal Branco/ Igual àqueles que eu conhecia/ Onde os topos das árvores brilham/ E as crianças ficam atentas/ Para ouvir os trenós na neve". Tranquilos que não vou mais continuar a minha tradução paupérrima da canção - para não ser acusada daquilo que critico: as versões malfeitas que não conseguem repor nem o sentido, nem a poesia dos originais. Fiquem com a obra-prima:
I'm dreaming of a white Christmas
Just like the ones I used to know
Where the treetops glisten,
and children listen
To hear sleigh bells in the snow
I'm dreaming of a white Christmas
With every Christmas I write
May your days be merry and bright
And may all your Christmases be white
Com duas estrofes e nove versos e a descrição de um pequeno quadro de felicidade familiar, Berlin conseguiu como nenhum outro suavizar a atmosfera de tensão da época. Interessante é que o primeiro uso cinematográfico da música não a relacionou à Guerra.

"Holiday Inn" também não tematiza o Natal - embora a data abra e feche a película que narra as aventuras e desventuras amorosas de um par de comediantes (protagonizados por Fred e Bing, dois dos artistas mais badalados do show bizz no momento). O título refere-se à pousada/restaurante administrada pela personagem de Bing, que, curado de um recente ataque de nervos, decide fundar um estabelecimento que apenas precise abrir nos feriados nacionais. E assim, Mark Sandrich (diretor de 5 das 10 películas de Ginger Rogers & Fred Astaire - só isso já serve para recomendá-lo) faz desfilar em frente ao espectador uma patriótica parada em comemoração às datas principais do calendário americano: Dia de Ação de Graças, 4 de julho, aniversário de Abraham Lincon, Páscoa, etc.
O humor que perpassa a história é quebrado nos dois momentos em que "White Christmas" é apresentada, os quais narram com a mesma doçura dois momentos fundamentais para as personagens de Bing Crosby e Virginia Dale: primeiro, quando os dois começam a se conhecer enquanto dividem de modo familiar uma noite de Natal na pousada em vias de ser inaugurada; e segundo, o reencontro de ambos, já apaixonados, na frieza do estúdio de Hollywood que transforma em filme a já então bem-sucedida pousada. A união do casal, debaixo da reprimenda do diretor, ressalta ainda uma vez o clima de acolhimento familiar promovido pela música. Mais que a badalação da Meca do cinema, a qual copiava (e copiava às vezes mal, segundo a personagem de Crosby) a realidade, tudo o que os pombinhos precisavam era um do outro. Sim, é piegas, mas funciona perfeitamente. 

"White Christmas" deu nome a um típico filme de Natal que começou a ser exibido nos Estados Unidos em outubro de 1954 - isto, bem como o fato de o nome do compositor anteceder o título do filme, patenteiam como Berlim e sua música gozavam da admiração do público.
Nesta película, a 2ª Grande Guerra ocupa papel de destaque, quem sabe, mimetizando a importância que a canção tivera naqueles últimos anos da conflagração.
"White Christmas" trata de modo quase que documental das confraternizações que aconteciam no front e dos destinos de seus combatentes. Talvez por isso, eu não consigo deixar de ficar engasgada sempre que ouço Bing Crosby cantando-a entre escombros, acompanhado apenas por uma caixinha de música e tendo como pano de fundo um conflito que não dá trégua.
O patriotismo tipicamente americano aparece nesta obra na defesa dos generais do passado - homens que, embora tenham comandado exércitos vencedores na Guerra, não encontravam trabalho naqueles anos 50. A visada crítica não torna, entretanto, a história amarga. Ao contrário, ela brilha, especialmente devido às presenças de Vera-Ellen e Danny Kaye, que, além de dançarem como ninguém, estão divertidíssimos como dois artistas do teatro cômico-musicado que não querem saber de compromisso mas - oh, graciosa obviedade - descobrem no final que não podem viver separados. E, antes de tudo, há a voz de Bing Crosby, levando "White Christmas" a se sobrepor aos ruídos da Guerra.
*
Antes de apresentar a cena, quero deixar a todos os amigos queridos que passam por aqui meus mais sinceros votos de um Feliz Natal. Quer seja ele um Natal Branco, com direito à construção de bonecos de neve e regado à bebidas quentes, quer seja um Natal colorido, iluminado pelo céu azul do verão - que chega aqui nos trópicos mais animado do que nunca. Desejo-lhes um Natal cheio de paz, seja ela encontrada em meio à família numerosa, em clima de festa, com troca de presentes e as crianças esperando o Bom Velhinho, seja ela encontrada na quietude do lar, num jantar simples do qual compartilham apenas os de casa. O meu, mesmo abafado, terá como trilha sonora "White Christmas" e outras maravilhas criadas pelos grandes compositores americanos, as quais, mesmo pintando cenários que nos são estranhos, definem lindamente o espírito natalino. Espero que nos encontremos no ano que vem com a mesma frequência e entusiasmo com que nos encontramos durante todo este ano!

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Prêmio Dardos


Olá, amigos!

Recebi esse selo da Márcia Moreira, dona de um blog que tem o título genial de "Clássicos, não antigos". Trata-se do “Prêmio Dardos”, que é um reconhecimento pela minha divulgação cultural neste blog. Vocês, que sabem como prezo por esse espaço, bem podem imaginar como fiquei feliz com a lembrança da Márcia, não?

De acordo com ela, o prêmio foi criado pelo escritor espanhol Alberto Zambade, cujo apelido é “Dardo”, que, em uma postagem do seu blog Leyendas de El Pequeño Dardo, resolveu premiar alguns blogs em 2008 que

... reconoce los valores que cada blogger muestra cada día en su empeño por transmitir valores culturales, éticos, literarios, personal, etc.., que en suma, demuestra su creatividad a través su pensamiento vivo que está y permanece, innato entre sus letras, entre sus palabras rotas.
... que transmitem valores culturais, éticos, literários, pessoais, etc. que, em suma, demonstram sua criatividade através do pensamento vivo que está e permanece intacto entre suas letras, entre suas palavras.

Ao premiar estes blogs, o escritor deixou como regra:

- Exibir a imagem do selo no seu blog;
- Linkar o blog pelo qual recebeu a indicação;
- Escolher outros blogs para receber o Selo Dardos;
- Avisar aos escolhidos.

Assim, este prêmio se espalhou pela Internet, chegando até a este humilde espaço.

Então, devo seguir as regras e premiar alguns blogues que visito e reconheço como fonte de conhecimento e aprendizado cultural. São eles:

- DVD, sofá e pipoca, de Fabiane Bastos, Geisy Almeida e Giselle de Almeida;
- Eternamente Regina, do Edison Eduardo;
- O Falcão Maltês, de Antonio Nahud Júnior;
- Tá falando comigo, do Danilo;
- Vintage Bog, da Júnia;

Não deixei de seguir as regrinhas estabelecidas pelo Alberto Zambade, ok!

Beijos a todos!

sábado, 11 de dezembro de 2010

Ser ou não ser, eis a questão...

Não, não estou em meio a uma crise existencial. Antes o contrário: depois de terminada a correria do semestre, deu-me uma vontade imensa que retomar um projeto de post sobre alguns usos que o cinema fez do famoso monólogo em que o torturado príncipe da Dinamarca, depois de assombrado pelo espectro do pai, faz desfilar seus fantasmas diante da audiência. A cena, que abre o terceiro ato e situa-se bem no meio de Hamlet, sublinha com maestria (e a partir de agora deixarei de lado os óbvios adjetivos elogiosos, desnecessários, já que falamos de Shakespeare) o desespero vivido pelo protagonista - cristão e político exemplar que almeja punir a mãe pela entrega sexual desta ao assassino do pai dele, o qual além de tudo era cunhado da mulher, ligação considerada incestuosa naquela corte. A célebre cena se sucede ao encontro entre a rainha, o novo rei e os dois amigos de infância de Hamlet, convocados à Dinamarca pelo rei para que pusessem um freio na loucura cada vez mais flagrante do herdeiro do trono. Na cena, Hamlet examina dialeticamente, sob a ótica cristã, o porquê de os sofredores não colocarem fim às suas vidas:

Morrer - dormir -
Dormir! Talvez sonhar. Aí está o obstáculo!
Os sonhos que hão de vir no sono da morte
Quando tivermos escapado ao tumulto vital
Nos obrigam a hesitar: e é essa reflexão
Que dá à desventura uma vida tão longa.
(tradução de Millôr Fernandes)

E paramos por aí na citação porque o solilóquio já é bem conhecido, se não por meio da peça, por meio das dezenas (literalmente) de versões cinematográficas dela rodadas desde que, em 1889, a diva Sarah Bernhardt aceitou a incumbência de desempenhar defronte de uma câmera da Pathé o duelo final entre Hamlet e Cláudio. As versões mais conhecidas da tragédia são a de 1948 e a de 1990, protagonizadas, respectivamente, por Laurence Olivier e Mel Gibson. Ainda que a primeira seja, sem dúvida, a melhor (dando ao talentoso ator-diretor o Oscar de melhor performance, além de outros três prêmios da academia, de melhor filme, direção de arte e figurino), não consigo gostar tanto dela quanto gosto da peça - talvez porque lhe falte aquele quê explosivo que torna as palavras impressas em cada página da peça mais resplandecentes que a tradução visual delas na película. E olhem que sou bastante adepta de adaptações de obras literárias ao cinema... Talvez seja esse desconforto que me faz preferir as leituras paródicas da cena. Por isso, e porque eu estou contagiada pela alegria de final de semestre e da aproximação do Natal, vou passar por duas dessas paródias a partir de agora.

*

Comecemos pela screwball comedy "Ser ou não ser" (To be or not to be, 1942), dirigida pelo alemão Ernst Lubitsch. A comédia ocupa com razão posto em todas as listas dos 100 melhores filmes que eu conheço: ela não só é divertidíssima, com um elenco de afinação ímpar - encabeçado por dois grandes comediantes da época, Jack Benny e Carole Lombard -, mas também faz uma crítica incisiva ao Nazismo. O filme merece um post bem detido só para si, que trate dos incríveis trocadilhos a la Lubitsch e demonstre como sua estrela estava bela e impecável na pele da atriz sedutora, mas como estou preguiçosa na mesma medida em que estou alegre, deixarei a tarefa para outro dia. Usarei esse espaço para recomendá-lo entusiasticamente àqueles que admiram "O grande ditador" (1940), "Bastardos inglórios" (2009) e "Vincere" (2009) - obra prima do cinema italiano que deu o ar da graça bastante rapidamente por aqui faz algumas semanas -, pois "Ser ou não ser" sem dúvida seguiu a linhagem fundada por Chaplin e inspirou muitas sátiras maravilhosas a malucos como Hitler e Mussollini.

Carole Lombard

Nesta película de Lubitsch, a crise existencial vivida por Hamlet ganha um plano muito mais palpável. O inimigo também apresenta-se na pele de um governante autoritário, mas mil vezes mais mortal: Hitler invade a Polônia, onde habita a troupe de teatro oficial - oficial mas, não obstante, extremamente canastrona... - chefiada pelo exibido Joseph Tura, interpretado por Benny. Por meio de sucessivos usos do teatro-dentro-do-teatro - estratégia tão querida por Shakespeare e fundamental em Hamlet para que o príncipe se certifique de que o tio efetivamente matara-lhe o pai - Lubitsch faz sua troupe polonesa exercer papel fundamental na resistência ao nazismo e, por fim, escapar ilesa do país. O uso da representação dentro da representação é tão engenhoso na película que deixa o espectador de primeira viagem completamente perdido - o grupo atrapalhado personifica tão bem o alto escalão nazista que torna difícil sabermos quem é o ator e quem não é, o que, em última instância, sublinha a crítica, já que, como bem mostrara Chaplin, os dois ditadores europeus, embora perigosos, não passavam de dois canastrões.
"Ser ou não ser", portanto, desce da esfera religiosa para empunhar as armas na luta pela liberdade individual - armas que são, neste contexto, o mise-en-scène e as interpretações. O Shakespeare é aqui modernizado não apenas para saciar o gosto do público mas para atender a um anseio do momento histórico. O famigerado monólogo, dito textualmente por Tura, salienta o fato ainda uma vez, já que apenas tem como utilidade servir de deixa para que os apaixonados de sua esposa deixem a plateia para irem se encontrar com ela. Vejamos a sequência, deixando de lado a ironia trágica que o filme encerra - já que foi o último rodado por Carole Lombard, morta no auge do talento e da juventude quando o avião onde viajava foi abatido pelo mesmo inimigo contra o qual "Ser ou não ser" se bateu.



*


E agora, paremos um pouco em "O filho da noiva" (2001), do argentino Juan José Campanella - uma de minhas mais novas paixões.
Quando escrevi sobre "O Segredo de seus olhos" (2009), esbocei minha impressão de que seu diretor fora influenciado pelas screwball comedies. Depois de passear por sua filmografia, acho que posso transformar minha suspeita em certeza.
"O filho da noiva" não deixa nem um pouco a desejar quando comparado àquele que lhe deu o Oscar. Campanella aproveita-se mais uma vez da versatilidade de Ricardo Darín, que, se no "Segredo..." está um galã que nada deve a Clark Gable, aqui está magistral como o homem comum que luta para administrar uma ex-mulher, uma filha pré-adolescente, um restaurante e uma mãe cuja memória se esvai devido ao Alzheimer.
O filme abre num flashback nostálgico da infância do menino Rafael, na época em que ele era um Zorro de brinquedo e a mãe era sua heroína. Uma brusca viagem ao presente mostra uma mãe já num estado de avançada senilidade e um filho esquivo que em nada lembra o herói que fora em criança. A situação se agrava quando seu pai, um romântico à moda antiga, decide expor sua esposa aos olhos dos conhecidos, já que quer casar-se com ela na igreja e, assim, realizar o sonho de juventude da mulher.
O enredo, que daria um dramalhão bem ao gosto das películas de Carlos Gardel, dá as mãos à comédia devido à perícia com que Campanella conduz seu elenco amparado no excelente roteiro do qual foi um dos responsáveis.
O filme está recheado de saborosos diálogos e situações, os quais muito se aproximam daqueles que mestres do gênero criaram nos Estados Unidos entre 1930 e 1960 (o trecho que upei de "To be or not to be" oferece-nos exemplo cabal do quão bem aproveitado foi esse gênero). A réplica da ex-mulher de Rafael à afirmação dele que desejava mudar-se para o México e levar a filha consigo é impagável: "E quem vai dar aulas pra ela? O professor Girafales?". A sequência do casamento do velho casal é uma das melhores que já vi - nela, humor e poesia entremeiam-se de um modo como eu apenas vi antes em obras-primas da comédia amalucada: como a sequência de "Midnight" (1939) em que Don Ameche descobre o esconderijo de Claudette Colbert e, enquanto ambos trocam farpas, descobrimos que foram feitos um para o outro; ou a sequência do casamento de Tracy Loyd e C. K. Dexter Haven em "Núpcias de Escândalo" (1940). Como Mitchell Leisen e George Cukor, Campanella consegue criar situações cômicas extremamente humanas - o que é, como os mestres do ofício não me deixam mentir, o caminho seguro para a atemporalidade.
Agora, pararei de falar antes de inserir aqui mais algum spoiler - esse filme merece a visita do leitor e eu não tenho o direito de estragar sua fruição.
Porém, antes de tudo, Shakespeare: ele aqui surge na sequência mais hilária da película, quando o ator figurante Nino Belvedere (ótima performance de Héctor Altério), amigo do protagonista, conta-lhe que está apaixonado pela namorada daquele. O monólogo de Hamlet é declamado em primeiro plano, numa sequência deliciosamente estapafúdia que ganha ainda mais irrealidade na medida em que, em segundo plano, os amigos engendram um arranca-rabo que muito se aproxima daquelas loucuras dirigidas por Blake Edwards (diretor de Hollywood que melhor trabalha a relação entre primeiro plano e plano de fundo no gênero cômico, penso eu) entre os anos 60 e 80, como "Um convidado bem trapalhão" (1968). Como bem fizera Lubitsch no inicio dos anos 40, Campanella inverte aqui os ponteiros, transformando a mais viceral tragédia na mais arrematada comédia - comédia que não deixa de trazer consigo o gosto daqueles passionais - e belos - tangos argentinos cantados por Gardel, Hector Varella e pelo próprio Nino Belvedere quando este descreve ao amigo a fossa em que mergulhara quando perdeu esposa e filha. E, por falar em tango, alguém está se lembrando de Billy Wilder, de "Quanto mais quente melhor", do Jack Lemmon e do gabiru?

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

"Quanto mais quente melhor" e os dois anos de Filmes, filmes, filmes!

Deixei passar, no dia 2 deste mês, o aniversário de dois anos do blog. Azar o meu, que perdi a chance de oferecer aos leitores esse bolo, presente de grego com que os mafiosos presenteiam o chefão da máfia de Chicago na deliciosa comédia de Bily Wilder "Some Like it hot" (1959), a grande vencedora da enquete do mês passado (50% dos votantes acharam-na a melhor de todos os tempos).
Mas, antes tarde do que nunca. O dia 2 de novembro não é dos mais risonhos para comemorarmos um aniversário. Agora que ele passou, podemos nos deliciar com a ironia desta e de uma porção de outras situações apresentadas na película - e pensar na própria ironia em que este blog se assenta, já que ele nasceu num Dia dos Mortos...

Ironia que salta aos olhos é o fato de uma comédia tão apimentada e hilária ter sido engendrada de uma relação extremamente conflituosa entre Marilyn Monroe e o diretor. Tony Curtis nos dá uns poucos detalhes sobre o caso no making of do filme inscrito na Edição Especial distribuída pela Fox. Porém, o astro prefere evocar com doçura e bom humor os momentos descontraídos vividos pela troupe. Por exemplo, na prova do figurino, após ser provocada pelos dois astros de que eles vestiriam trajes mais elegantes do que os dela, Marilyn teria levantado a blusa - sem sutiã - e lhes dito: "But you don't have this". Gentil até a morte, Tony preferiu reafirmar para a sua estrela a imagem que temos dela nas duas horas em que a vemos: Linda, de uma sensualidade meio juvenil e tola mas tão doce quanto o "Sugar" que lhe dá o nome.
A Trivia de Hollywood nos mostra outra Marilyn: uma m ulher de saúde física e mental já abalada que teria quase que enlouquecido seu diretor pelos constantes atrasos com que chegava ao set de filmagem e pelo esquecimento dos diálogos (algumas cenas teriam precisado ser repetidas 60, 70 vezes). Graças à mágica do écran, não conhecemos essa Marilyn.
É possível também que muitas dessas assertivas tenham sido estabelecidas pelo departamento de marketing da MGM, especialmente considerando que, em fins dos anos 50, a atriz vinha de uma estada no nova-iorquino Actors Studio - e, ao que tudo indica, uma estada aplaudida, em que ela teria sido considerada pário para Marlon Brando.


Não vale a pena, nessas linhas, nos aprofundarmos na persona pública e privada da polêmica atriz. Àqueles que desejam conhecê-la, recomendo o documentário sobre ela da série "Hollywood Collection" (vendida por aqui desde meados do ano), que disseca com argúcia aspectos de sua vida e obra. Descobrimos, por exemplo, que a imagem de tolinha adorável que Hollywood colou na atriz - e que, em alguma medida, ela também construiu para si - mascarava uma mulher que, para galgar os degraus da fama, não deixou de agir com algum sangue frio.
Vemos também o quanto essa imagem obrigou-a a repetir constantemente os mesmos tipos, frustrando seu desejo de experimentar no campo do drama. Uma pena: ao vermos a delicadeza com que
ela interpreta uma mulher problemática no último filme de sua carreira, "The Misfits" (Os desajustados, 1961), chegamos à conclusão de que quem saiu perdendo foi seu público.
Mas aqui quem nos interessa é a Marilyn cômica, insuperável mas infelizmente subestimada, como aconteceu a tantos outros cômicos que a antecederam e sucederam - só de pensarmos que as atuações de Chaplin nunca foram premiadas pela Academia de Artes Cinematográficas...
Com Tony Curtis e Jack Lemmon, a atriz compõe um dos elencos mais impecáveis do cinema, naquela que foi considerada, pela Entertainment Weekly, a melhor comédia de todos os tempos. A opinião recente da crítica faz eco à reação do público na época em que ela foi lançada, quando atingiu uma bilheteria que a pagou várias vezes.
Em "Some like it hot", Billy Wilder prova porque é mestre em seu ofício - e seu ofício o fez passear pelo drama, pelo romance e pela comédia, sempre magistralmente, que o digam "Sunset Boulevard" e "Love in the afternoon", duas outras obras primas.
"Some like it hot" tem tudo para agradar as mais variadas parcelas do público, que vão do espectador de primeira viagem até os cinéfilos mais inveterados... A mim ela sempre revela coisas novas, e eu a adoro cada vez mais. Nela, Wilder se revela um exímio garimpeiro do campo cinematográfico. Do drama mais pungente à comédia do estilo mais pastelão, há de tudo na película - testamento pilhérico das explorações do cineasta nos domínios da Sétima Arte.
O enredo beira a todo tempo o absurdo: para fugirem de Chicago após terem presenciado assassinatos comandados pela máfia, dois músicos são obrigados a se travestirem de mulheres e ingressarem numa banda feminina de jazz...
Para sustentá-lo, Wilder apoia-se nas tópicas que o cinema já havia produzido nos mais variados gêneros: o suspense, a ação, o romance, o musical e, é claro, a comédia. A história se passa em 1929, época em que a Bolsa de N.Y. estava prestes a colapsar, em que o comércio de bebidas alcoólicas era proibido, em que Mary Pickford era a maior estrela do cinema, as mulheres atingiram a tão almejada liberação feminina e o jazz era o ritmo que por excelência traduzia a euforia da sociedade moderna. A soma de referências a esse passado distante três décadas (mas cujos efeitos eram bem conhecidos) e dos gêneros cinematográficos que ainda faziam sucesso é responsável pelo surgimento de uma obra deliciosamente crítica e afiada.
A perícia com que Billy Wilder discorre sobre a linguagem dos mais variados gêneros cinematográficos à medida em que os alinha em seu filme soma-se aos três incríveis personagens principais que constrói: todos tão absurdos e geniais quanto a iniciativa do diretor de ironizar o modus operandi da indústria do cinema norte-americano à medida em que produzia um produto dela.
O passeio de Wilder pelos gêneros consolidados pela cinematografia é regido por um timing perfeito de comédia. O filme começa numa sequência que em nada deve aos filmes de gangsters protagonizados por James Cagney nos anos 30, regado a perseguições de mafiosos e sucessivas saraivadas de balas. Os bandidos vão dar num velório que se revela um bar ilícito, e a tensa trilha sonora é substituída pelo mais vigoroso jazz enquanto as pernas das coristas são enquadradas em primeiros planos. A alegria motivada pelo consumo do álcool nos remete às películas de William Powell & Myrna Loy, rodadas pouco depois do fim da proibição ao consumo de bebidas, nas quais o galã se revelava uma companhia mais interessante quando estava embriagado do que quando sóbrio. Todavia, Wilder não para nas referências ao passado, já que traz para sua obra um pimenta que, se o jazz ajudou a inventar desde os anos 20, por certo só pôde ser completamente saboreada nos 60, quando a censura do Hays Code recolhia os tentáculos que estendera sobre a indústria do cinema.
A principal responsável por temperar a película com erotismo é obviamente Marilyn. A atriz, aqui, repete mais uma vez o tipo da mulher sexy e inocente que tornou célebre. Porém, se essa obra se destaca em sua filmografia é porque o diretor conseguiu trabalhar ao longo dela símbolos que acenam para essa tensão entre a sexualidade e a ingenuidade. Por mais decotada que se apresente, a atriz nunca aparece vulgar. Nela, aquele desejo de ascenção social que sua personagem de Gentlemen prefer blondes" (Os homens preferem as loiras, 1953) já hilariamente verbalizara se soma ao sonho patético e genuíno de encontrar um saxofonista que a ame (já que ela só consegue se apaixonar por saxofonistas). A personagem realiza seu sonho romântico de um modo um tanto quanto enviesado, ao apaixonar-se por um suposto milionário arremedo de Cary Grant que não é outro que não... o que fugia da máfia.
O ponto alto do filme é justamente a releitura que Wilder faz da temática romântica. O plano de conjunto que toma pela primeira vez o hotel paradisíaco de Miami onde a comédia sexual se desenrolará, com direito a um coro de moças que canta uma canção alegre, nos dá a impressão de que veremos um daqueles adoráveis musicais da MGM. No entanto, uma outra redefinição nos rumos da fita se opera quando nos é apresentado aquele que (surpreendentemente) se tornará o par romântico de Jack Lemmon, um velho gabiru milionário.
Aliás, a sequência que narra o desenvolvimento dos dois pares românticos é uma das melhores de todos os tempos. Por meio de uma montagem paralela vemos a evolução de duas conquistas atípicas. Enquanto uma canção sensual acompanha as investidas de Marilyn ao supostamente frígido Curtis, um passional tango argentino mostra que Lemmon e o gabiru foram feitos um para o outro...

A ausência da censura permite que o diretor fale o mais abertamente possível sobre sexo, à maneira das películas anteriores à vigência do Hays Code e das comédias teatrais que influenciaram suas variantes cinematográficas. Além de finalmente poder povoar a ação de joelhos, pernas e decotes - algo impensável durante a censura -, Wilder pôde fazê-la ser perpassada por trocadilhos sexuais incisivos e modernos. A última sequência da película, em que o milionário aceita se casar com a personagem de Lemmon mesmo sabendo que ele é homem, já que "Nobody is perfect", é o mais perto que vi o cinema da época chegar da aceitação do homossexualismo. Sim, tal menção é feita por um viés cômico, porém, é reforçada pelo sentimento dúbio que Jerry (ops, Dafne) tem pelo noivo, "O homem que lhe daria segurança.", "O melhor homem que jamais conhecera.", "O homem cujos sentimentos ele não queria magoar.".

"Some like it hot" oferece uma deliciosa mistura de cinema clássico e modernidade que o torna uma das mais interessantes vias de acesso das novas gerações ao cinema produzido nos anos áureos de Hollywood.

domingo, 31 de outubro de 2010

A Suprema Felicidade (2010)


Não posso deixar "A Suprema Felicidade", o mais recente filme de Arnaldo Jabor, passar batido pelo blog. Antes de tudo porque Marco Nanini recebeu daqui, meses atrás, uma crítica (infelizmente) justa pelo seu desempenho em "O Bem Amado". Não que Nanini precise provar alguma coisa a quem quer que seja - sua participação na capenga adaptação cinematográfica da bem sucedida telenovela revela-se um acidente de percurso dentro de sua irrepreensível carreira. Mas sim porque sua performance neste filme de Jabor merece ser conferida. Aliás, este filme precisa ser conferido por todos os que tem alguma afeição genuína pela Sétima Arte.
Vi o filme extasiada ontem. Hoje, continuo achando que não é um exagero considerá-lo um filme perfeito. Muito, muito melhor do que a notícia que darei dele nessas linhas, notícia que, embora seja mais superficial do que ele merece, infelizmente é a melhor que poderei fazer nessa correria de final de semestre.

Aplausos para Jabor, que conseguiu imprimir a seu trabalho uma dinâmica própria, mesmo se utilizando de artistas com idades e formações muito diferentes.
O elenco "global" impera na película, marcadamente nas pessoas de Nanini, Dan Stulbach e Ary Fontoura, mas o jeito Globo de ser passa longe dela. Divide espaço com tais artistas dois comediantes sensacionais que, até onde sei, ainda estão alocados no SBT, Zé Bonitinho - meu ídolo - e Elke Maravilha. Em torno deles circula uma moçada que dá conta do recado bastante bem: Maria Flor (Deise), Caio Manhente, Michel Joelsas e Jayme Matarazzo (Paulinho), Tammy di Calafiori (Marilyn). Gente muito dessemelhante que consegue, no filme, deixar sua marca individual sem que, com isso, quebre o ritmo harmônico da história. Zé Bonitinho de batina é impagável e, nos gestos passionais que ele executa ao reger o coro de meninos da igreja, entrevemos os trejeitos do personagem que ele tornou célebre.
A performer Elke Maravilha dá um show como a esposa do saxofonista Noel (Nanini), o avô de Paulinho, figura responsável por iniciá-lo nos mistérios da vida. É uma delícia vê-la sem os acessórios de sua conhecidíssima personagem - vê-la vestida de vovó, mas uma vovó cujos trajes mal escondem a polaca notívaga que ela um dia foi. O casamento entre as sensibilidades artísticas dela e de Nanini funciona tão bem quanto o casamento que eles encenam na película. Aliás, minha impressão ao ver pela primeira vez o filme - certamente eu o verei mais vezes - é que Jabor dá um ritmo boêmio à narrativa que busca mimetizar essa união bem sucedida do casal.
Durante o tempo do filme, somos levados, junto com Paulinho, a beber a gota de felicidade que escorre até dos momentos mais dolorosos da vida. Quem nos convida é Noel, cuja existência plena de experiências nunca lhe satisfaz: "É praticamente impossível se experimentar a felicidade. No máximo conseguimos ser alegres.". Enquanto ele educa o neto e imagens de uma beleza não raras vezes comovente sucedem-se, acabamos compartilhando com Noel dessa sede de felicidade e sofrendo com ele na medida em que o fio de sua vida se torna mais e mais tênue.
Para que nos impregnasse dessa fascinante boemia visual, Jabor escolheu tematizar a época certa. A infância e juventude de Paulo coincidem com o fim da 2ª Guerra, com o apogeu e derrocada das big bands e reinado do rock'n roll sobre o jazz, com o estabelecimento de Marilyn Monroe como símbolo sexual. Um período repleto de referências tão caras para tantos... muito caras para mim, que cada vez estou mais imersa nelas...
O filme nos proporciona o prazer do reconhecimento dessas referências sem que, no entanto, restrinja-se a um passeio nostálgico nos belos anos de um tempo que passou. A nostalgia está, sim, presente: nos românticos salões de baile em que o jovem casal discute apaixonadamente o filme "O Morro dos Ventos Uivantes" enquanto ouve "I only have eyes for you"; na tradução in South American Way da antológica cena de Marilyn em "Quanto mais quente melhor", na qual ela chora a perda de seu amor; nas imagens de arquivo dos carnavais antigos.
Porém, a lembrança nostálgica não deixa de dar as mãos às sofridas, afinal, como sabiamente nota Noel: "Nada é completamente bom nem completamente ruim". O prazer vem acompanhado de uma evidente visada irônica que nem por isso deixa de nos convidar a aproveitá-lo. Exemplo é o relacionamento torturado entre os pais do menino por cujos olhos conhecemos a história - não pude deixar de pensar no paralelo entre a relação deles e aquela dos protagonistas do filme sobre o qual eles tão empolgadamente discutem no baile em que se conhecem. E a Marilyn brasileira, que enlouquece os homens nos palcos do Eldorado, não passa de uma frágil jovenzinha virgem abusada pela mãe e padrasto.
Tudo isso se desenrola em frente aos nossos olhos sem as detestáveis lições de moral que povoam o grosso da produção cinematográfica contemporânea.
Arnaldo Jabor precisa ser parabenizado por ter conseguido livrar-se das amarras da Rede Globo - mesmo recebendo financiamento dela - e feito um filme de poesia, coisa rara no cinema de hoje. As coisas não ditas soam por meio das imagens com uma contundência que as palavras jamais terão. Quer coisa mais lindamente bem contada do que o sentimento amoroso que o amigo de Paulinho nutre por ele? Ou os flashes dos mortos da gripe espanhola, que assombram continuamente a mente já abalada de Noel?
A falta de um claro nexo entre a realidade e a lembrança, que se observa nesse último caso, marca outro movimento narrativo comum ao filme. Nele, as experiências da infância e juventude de Paulinho desfilam alinearmente, movimento semelhante ao do subconsciente, no qual imagens e sensações misturam-se de modo anárquico.
"A Suprema Felicidade" é uma obra de poesia e enquanto tal deve ser analisada. Bobagem analisá-la aplicando as categorias da prosa - daí a pobreza de algumas resenhas do filme que circulam pela web. Aliás, a percepção estreita de alguns críticos lembra o susto que "Memórias Sentimentais de João Miramar", do modernista Oswald de Andrade, deu na crítica dos anos de 1920. Defendendo-o, o jovem Sérgio Buarque de Hollanda lembrou aos leitores que o que faltava de continuidade narrativa nas "Memórias..." como um todo, sobrava na intensidade que tinha cada um de seus episódios isolados. Acho que isso se aplica bem à "Suprema Felicidade", que deve ser conferida pela beleza das imagens que, em sua bem vinda descontinuidade, plasmam de modo tocante os meandros da memória de uma época que, embora já tenha passado, ainda vive dentro de nós de modo mais ou menos intenso.

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

"The Nun's Story" (1959) e outros tesouros de Audrey Hepburn

Um achado desta semana me fez retornar ao extraordinário The Audrey Hepburn tresures: pictures and mementos from a life of style and purposes, uma das maiores preciosidades de minha biblioteca. Trata-se de "The Nun's Story" ("Uma cruz à beira do abismo"), filme que eu considerava esgotado desde muito tempo, até encontrá-lo por acaso, por um preço ridículo, na prateleira das biografias cinematográficas de santos das Lojas Americanas. Um verdadeiro milagre...
O filme é tão impressionante quanto o livro que me deu uma primeira notícia dele. Para os fãs da atriz ele é obra fundamental, pois além de oferecer o melhor da atriz enquanto profissional, define sua persona pública mais cabalmente do que "Breakfast at Tiffany's" (1961), película que a tornou mundialmente conhecida como o epítome da beleza e da elegância. Aqueles que conhecem o papel relevante que Miss Hepburn exerceu como embaixadora da UNICEF certamente a reconhecerão na determinada Gabrielle Van der Mal, jovem que decide alistar-se nas hostes da igreja para que possa realizar-se como enfermeira no Congo.
Essa minha leitura biográfica pode parecer forçada - e talvez seja um pouco, mesmo - mas não pude deixá-la de lado depois de ler a correspondência de seis páginas que Audrey envia a Mel Ferrer enquanto estava na Europa, na qual detalha ao esposo a gênese de sua personagem. É, The Audrey Hepburn Treasures traz tesouros como esse em meio a páginas de uma leveza que, numa primeira olhada, nos faz imaginá-las superficiais.

Fac-símile da primeira página da correspondência enviada por Audrey a Mel Ferrer em 20 jan. 1958. The audrey Hepburn treasures.

Essa densa correspondência, na qual Audrey descreve cuidadosamente os conventos pelos quais passou enquanto compunha a personagem, mostra-nos quão profundamente ela sentiu o choque entre seu modo de vida e aquele que ela passava a vivenciar - choque muito semelhante ao enfrentado pela jovem Gabriele durante o período em que abraçou a vida religiosa.

I was interested to find that this Order allows the nuns to retain an individuality of their own, even after they have managed to efface their personality.

constata Audrey a respeito do convento que a hospedou por um dia, visivelmente comparando-o com a restritivista ordem religiosa à qual pertencia a freira que ela levaria para diante das câmeras - freira que precisava se soltar de todos os laços que a atavam à vida secular e obedecer única e exclusivamente aqueles que lhe eram superiores na vida religiosa.
A crítica ao cerceamento da individualidade, característica determinante no desligamento de irmã Luke do convento, soma-se à consideração que Audrey tece sobre a madre assistente do convento que a recebeu:

Mother Marie-Elise, [...] was [to me] on one hand the personification of a true nun; on the other hand I couldn't help feeling that this was a woman who would have been just the same whatever life she had chosen: plain good.

Audrey enxerga a madre com os mesmos olhos cheios de admiração com que verá a verdadeira irmã Luke e a símile desta que criará para as telas. The Nun's Story é a adaptação cinematográfica da autobiografia da freira Marie-Louise Habets, que desligara-se da vida religiosa por incompatibilidade de gênios. A mulher inspirava um respeito intenso na atriz, como essa sua correspondência nos dá a ver. Audrey relembra a Mel seu empenho junto à Ordem religiosa à qual a freira pertencia para que o roteiro fosse por ela aprovado sem modificações:

I have never talked so much in all my life [...]. I feel strongly that the script is now back where it was and all the things you and I ever discussed are right there. [...] I explained to him how I understood the point of view of the Order and how their purpose was a good one but that neverthleless their purpose limited and checked Sister Luke in her wish to give and serve lovingly and without limits.

O excerto é pródigo por deixar visível tanto a personalidade artística de Audrey Hepburn quanto sua preocupação enquanto membro da sociedade. Aqueles que conhecem sua biografia perceberão como o fato de ela desvincular inclinação religiosa e realização do bem ecoa fortemente em seu papel social, pois a atriz, como sabemos, fez muito mais pelas crianças do mundo do que muitos membros da igreja. E a percepção fina da personalidade que ia transpor para a tela demonstra quão dedicada Audrey era ao seu métier. Na carta, a atriz constata que qualquer história digna de interesse sobre a freira deveria dar a ver o conflito que ela vivenciava por amar sinceramente a Deus e desejar servi-lo, porém, enfrentar as limitações impostas por sua Ordem religiosa.

Cada metro da película patenteia que a atriz foi bem sucedida na empreitada. É tocante o desespero que imprime em seu rosto sempre que a mão de ferro da Igreja, no intuito de eliminar a individualidade da jovem freira, obriga-a a cumprir preceitos muitas vezes vãos: quando, por exemplo, a obriga a reprovar no exame que lhe garantiria a viagem ao Congo para que, com isso, demonstrasse a humildade que lhe pede a Igreja; ou quando ela precisa retornar de seu amado Congo para novamente exercer uma vida de reclusão na Europa. O sofrimento atinge o ápice quando, durante a guerra, a freira não consegue perdoar o nazista que matara seu pai - impossibilitada de seguir a doutrina cristã do perdão sob quaisquer circunstâncias. Esse fato é, aliás, determinante para que aquela marvelous and determined woman, sobre a qual Audrey fala com tanta intimidade e afeto, não mais consiga conciliar os papéis de religiosa e de mulher. Entre a etérea religião, que pairava sobre tudo, e aquela guerra horrivelmente palpável que se desenrolava do lado de fora dos muros do convento, a irmã Luke acabará optando pelo segundo caminho.


O mote por si só já é digno de interesse - como nos comprova o fato de Marie-Louise já ter vendido espantosas três milhões de cópias de sua autobiografia quando os direitos dela foram comprados pela Warner.
Porém, o que torna a película absolutamente imperdível é o modo como ela conta a história de modo cinematográfico. Ao resenhá-la, o crítico da Film and Review sublinhou a necessidade de a obra ser revisitada algumas vezes para que se pudesse compreender a profundidade e complexidade dos sentimentos que a atriz principal projeta. Com efeito, The Nun's Story é de uma beleza tão envolvente que dificulta o distanciamento crítico.
No espaço de duas horas e meia de película, o diretor Fred Zinnemann opta pelo afastamento proporcionado pela objetiva indireta para retratar uma história clássica de aprendizado, que toma a protagonista como personagem privilegiada da observação mas procura não penetrar em seus pensamentos. Faz a opção por um enredo circular, nos moldes do romance de aprendizado, tomando Gabriele desde seu ingresso na Ordem religiosa até seu abandono do local, tão determinada quanto entrou mas muito mais madura. A escolha é precisa porque transforma a película numa melodia suave, tão suave quando as ordens religiosas aparentam ser, e um parêntese nesse sentido é a descrição cinematográfica que Audrey faz ao esposo do ofício religioso que presenciara quando se internara no convento:

they [as freiras] looked alike and became beautiful; partly because their faces all expressed the same inner thinking - [...] - but their habits and the lighting also contributed to this lovely effect. The diversity of faces around the reading table now seemed all as one.

A despeito do que pensavam as freiras, seus vestuários e a iluminação do ambiente tornava-as todas iguais. Nas cenas passadas no convento que antecedem a partida da freira ao Congo, a direção de Zinnemann busca a todo tempo captar a identidade na aparência, identidade que depois será desconstruída quando irmã Luke chega à África e encontrará, na personalidade aguda do Dr. Fortunati (Peter Finch), a força que a levará a repensar o caminho que escolhera.

Daí em diante, a câmera abandonará os interiores para captar planos gerais e panorâmicas da natureza e do povo exuberante pelos quais a jovem quisera ser acolhida desde que resolvera tornar-se freira.
As tomadas não são aleatórias nem tampouco exóticas - servem, sim, para patentear por meio das imagens aquilo que a personagem de Audrey tão lindamente verbaliza ao se referir ao local: "O Congo corre em minhas veias".
E o que dizer do desempenho da atriz, um dos mais extraordinários que já vi no cinema. Aliás, tenho uma dificuldade imensa de falar de Audrey Hepburn, a quem eu amo desde criança por motivos que, portanto, extrapolam sensivelmente o âmbito crítico. Audrey nos deu inúmeras provas de ser a lady por excelência - no modo profissional como encarou algumas injustiças da indústria cinematográfica e na humanidade com que tomou para si os papéis de mãe e de filantropa.
A delicadeza que faz transparecer nos gestos e na voz da personagem que criou é não apenas o resultado do estudo consciencioso do papel mas parece refletir algo que vem de dentro dela.
The Audrey Hepburn treasures nos dá inúmeras pistas para que compreendamos a dedicação da atriz na construção de suas personagens. As duas páginas fac-similares do roteiro de "Breakfast at Tiffany's" trazem palavras e mais palavras grifadas. Lendo-as, lembramo-nos da leitura melodiosa que a atriz faz do papel de Holly. Lembrei-me dessas duas páginas durante todo o tempo em que via The Nun's Story.
Ao ficar sabendo que teria de deixar seu amado Congo, irmã Luke olha para as aves que adornavam o jardim do hospital e afirma: "I'm coming back, you beautiful thing.". Rememorando o contato que tivera com Audrey ao dirigi-la em "Funny Face", Stanley Donen afirma emocionado que nunca se esqueceria do modo como ela cantava. Eu tampouco me esquecerei do modo como ela pronuncia aquela frase ou da musicalidade que ela imprime a todas as falas de Gabrielle - e pensar que Audrey nem era considerada cantora...

*

The Audrey Hepburn treasures, embora esgotado na editora, pode ser lido online no site da Amazon. Os fac-símiles dos "tesouros" da atriz não fazem parte da visualização, mas só o livro já vale a visita.

Audrey, embaixadora da UNICEF, em Bangladesh (fim dos anos 80)

sábado, 2 de outubro de 2010

Judy Garland em cena: um filme e um show


Judy Garland é uma das estrelas de cinema que mais me atraem. Mais que admirar seu trabalho sempre competente como atriz e cair siderada quando a ouço cantar, fico fascinada com a relação de amor e ódio que ela desde sempre travou com o show biss.
Filha mais nova de um casal de artistas de vaudeville de Minnesota, Judy praticamente nasceu nos palcos, nos quais ingressou profissionalmente aos dois anos, quando, reza a lenda, arrebatou o público com sua interpretação de "Jingle Bells"... Sua voz lhe abriu as portas da poderosa MGM, que a rebatizou - até então ela era era Frances Ethel Gumm - e tomou para si a tarefa de transformar a adolescente gorducha numa jovem longilínea que fosse desejada pelas plateias de todo o mundo.
O movimento, comum à Hollywood do star system, deixou na moça marcas tão profundas quanto deixara anos antes em Greta Garbo. Em 1939, ano em que Garbo emplacou seu último grande sucesso de bilheteria e de crítica (o imperdível "Ninotchka"), Judy despontou para a fama no "Mágico de Oz". A ele se seguiu uma série de filmes que rodou com outro queridinho de Hollywood nos anos dourados do cinema, Mickey Rooney (com quem já havia trabalhado num filme da série "Andy Hardy", protagonizada pelo ator). O sucesso dos filmes da dupla tornou-a uma das principais estrelas da galáxia da MGM, porém, também foi o deflagrador da dependência química que acabaria por levá-la à morte em 1969, quando ela tinha apenas 47 anos. Em quantas histórias reais e ficcionais como essa a indústria do cinema não desempenhou papel análogo de mãe que se revelou madrasta?...

O passeio pela biografia da nossa Frances Gumm não aparece aqui por acaso. Os tropeços da jovem atriz na trajetória pela estrada pedregosa da fama estão impressos em sua obra, e é isso que a torna tão notável. Selecionei aqui duas de suas produções que me agradam muito - e por motivos diferentes. A primeira é "Strike up the band" (1940), segunda das quatro películas que ela rodou com Mickey Rooney; a segunda é o "Judy Garland Show", série televisiva veiculada pela CBS entre 1963 e 1964.


"Strike up the band" é um daqueles descontraídos musicais que Hollywood rodou desde que começou a falar, em torno de 1929. A fórmula de sucesso do gênero é seguida quase que religiosamente. Nele estão presentes artistas conhecidos, bom humor, romantismo, canções de compositores queridos pelo público e números musicais de tirar o fôlego. No entanto, o filme se destaca pela deliciosa sequência "Nell of New Rochelle", interessante não apenas pela leitura crítica que faz da tradição teatral, como porque alude ao próprio passado artístico de Judy, que cresceu nos populares palcos do vaudeville dos anos 20.
O fio que liga a ação desse musical é tênue: As personagens de Judy e Mickey são dois jovens do interior que sonham com a fama. No intuito de conseguirem dinheiro para levarem a Nova York seu grupo musical, os jovens colocam em cena "Nell of New Rochelle", melodrama "cheio de palavras antigas" que haviam escrito.


A bem humorada sequência dá uma aula de história do teatro. O enredo encenado é totalmente tributário dos melodramas que eram sucesso de público na Europa e na América desde 1800.
Nela estão presentes as personagens tipificadas - Nelly é uma pobre moça que vive de esmolas, é perseguida por um vilão bigodudo que tem voz cavernosa e risada macabra, e é salva por um belo cavalheiro; a moral burguesa é defendida de modo escolar pelas personagens, quer por meio de discursos, quer de canções; e todos terminam felizes para sempre, depois da destruição do vilão pelo mocinho.
O melodrama constantemente visita esse blog. Não é um acaso. O gênero surpreendentemente nos persegue a todos, por meio dos enlatados cinematográficos e das telenovelas que ainda insistem em nos fazer engolir essa visão religiosa de que o mundo é justo, o casamento e a procriação são a finalidade maior da existência, and so on...
Portanto, não podemos deixar passar uma produção que zomba desses lugares comuns como esse filme (de 1940!) o faz. Recomendo fortemente a sequência aos leitores. Recostem-se com calma (ela tem 15 minutos). Certamente vão se divertir:



A sequência é fascinante pela recriação que faz do gênero.
Recriação cômica, bem entendido, pois embora os artistas melodramáticos precisassem exagerar nos gestos para imprimirem em suas fisionomias o que se passava nas suas cacholas, é certo que aqui tal exagero é elevado ao cubo. Porém, a maquiagem carregada do elenco, a voz sibilante da mocinha (e a voz rouca do bandido) e os diálogos verborrágicos não devem em nada aos melodramas protagonizados por artistas como Sarah Bernhardt. Não conheço a fundo a biografia de Judy Garland, mas é bastante provável que ela tivesse dado vida, nos palcos populares pelos quais passou, à personagens da estirpe de Nell of New Rochelle. A atriz sublinha de modo formidável o que de patético há em canções como "Heaven Will Protect the Working Girl" ("O céu protegerá a moça trabalhadora", de 1909) e "Come home, father" ("Volte para casa, papai", 1864), as quais levavam os espectadores de fins do século XIX e começo do XX às lágrimas, canções cuja pobreza conceitual salta aos olhos quando vistas com algum senso crítico. "Strike up the band" mostra de modo cabal que enredos e personagens frágeis como esses apenas podem ser ressuscitados pelo viés do humor. Escolha de mestre a do diretor Busby Berkeley, cuja contribuição à história do cinema não se resume aos estravagantes números de caleidoscópio, como pensam muitos.
E nesse filme Judy ainda dava os primeiros passos rumo àquele espantoso domínio de cena que ela demonstrará anos mais tarde, e que está todo contido no "Judy Garland Show".

Mickey Rooney, já então um mocinho de 20 anos e com impressionantes 14 anos de experiência nas telas (e - pasmem - hoje, aos 90 anos, ele ainda continua na ativa), parece ter exercido papel de destaque no desabrochar da atriz como profissional. Sua participação na série televisiva de Judy prova-nos que a química do casal era fruto da afeição genuína que sentiam um pelo outro - e essa afeição foi fundamental para a sustentação da atriz que desde bem jovem vivia sob o efeito de calmantes e estimulantes.
Porém, se Mickey Rooney naqueles anos 60 ainda conseguia fazer Judy reviver a cômica que ela havia sido no teatro de vaudeville, os anos de consumo de drogas e o desdém com que a indústria cinematográfica passara a tratá-la deixaram-lhe marcas profundas. A soma desses fatores deu-nos, no entanto, uma atriz madura, complexa e completa. Por isso, a visita ao "Judy Garland Show" é programa obrigatório aos seus fãs.

Se Judy Garland já brilha como atriz, como cantora ela é incomparável. O domínio de palco e câmera que revela, a escolha do repertório e a incrível afinação oferecem ao público uma experiência estética de um nível poucas vezes suscitado por um intérprete num palco. Ao interpretar as canções que marcaram sua infância e adolescência, sua vida pessoal e profissional, Judy Garland consegue o casamento perfeito da mulher, da atriz e da cantora. Toda a complexidade da mulher está impressa no modo como ela interpreta canções como "A foggy day in London Town" (Gershwin), "San Francisco" (Kahn); "Old Devil Moon" (E.Y. Harburg e Burton Lane) e tantos outros clássicos. Em "A Foggy Day", seu desempenho começa contido e se intensifica conforme os olhos do eu-lírico da canção veem o amor iluminar o caminho onde antes havia uma neblina espessa. O mise-en-scène intimista e os primeiros planos por meio dos quais Judy é tomada dão relevo apenas à canção (demorei muito tempo para reencontrar essa gravação, que tanto me impactou quando a vi pela primeira vez no blog do Ricardo).



A voz de Judy Garland e seus gestos potencializam os sentidos das canções que ela escolhe. A especificidade do veículo onde essas pérolas foram veiculadas não é em nenhum momento negligenciada. Sobejam os primeiros planos da artista - a subjetiva direta, profundamente expressiva, aproxima-se mais e mais de seu rosto, parecendo captar o alvoroço de sua alma nas canções melancólicas ou sensuais. E quando invade a tela o rosto já macerado da atriz e seus grandes olhos inquirem o espectador, ela se torna muito humana e lindíssima.

Nunca imaginei que alguém pudesse superar a interpretação de Petula Clark de "Old Devil Moon". Judy consegue, pois injeta uma dose de desvario romântico na leitura desses versos, glosando assim a crescente intensificação do arrebatamento amoroso que eles suscitam:

You've got me flyin' high and wide
On a magic carpet ride
Full of butterflies inside.
Wanna cry, wanna croon,
Wanna laugh like a loon.
It's that old devil moon
In your eyes.





E nos momentos descontraídos, a atriz mostra-se tão senhora de si como quando dera vida a Nell of New Rochelle, em 1940. Exemplo disso é sua interpretação de "San Francisco", canção que ganhara as telas em 1936 no filme homônimo (denominado no Brasil "São Francisco, cidade do pecado") protagonizado por Jeanette Mac Donald e Clark Gable.
A canção era uma das preferidas de Judy, como nos atestam os vários registros que há da mesma nos álbuns da artista gravados a partir de seus shows. Em comum nessas gravações há a introdução de uma estrofe cômico-laudatória que parece ter sido composta pela própria Judy, na qual ela dizia que nunca se esqueceria como a "Brava Jeanette" cantava em meio das ruínas da cidade: "A-a-a-and saaaang", enfatiza ela, reproduzindo a interpretação que Jeanette fizera da canção - interpretação tão ao gosto dos anos 30, quando a performance das operetas teatrais ainda dava as cartas no cinema. E Judy leva o mimetismo às últimas consequências, numa apresentação que paga claro tributo ao número musical de sua antecessora. Trinta anos depois de Jeanette, Judy traz à canção o mesmo entusiasmo quase infantil que tomara a mocinha de "São Francisco, a cidade do pecado" enquanto ela entoava o hino da cidade que estava prestes a ser varrida por um furacão. Um misto de homenagem e bom humor bem Judy Garland que leva o público à loucura. Abaixo, a cena do filme "São Francisco" (colorizada, pois não encontrei a versão original) e, em seguida, Judy.






Meu primeiro ímpeto é acabar isso aqui lastimando a fatalidade que a levou tão cedo. Mas aí entro no You Tube e assisto aos excertos do "Judy Garland Show" nos quais ela arrasa cantando as canções que tanto amava; pego meu DVD do "Desfile de Páscoa" e revejo aquela cena incrível em que ela canta "Easter Parade" para Fred Astaire, uma de minhas preferidas dos dois artistas; volto ao You Tube e vejo mais uma vez sua interpretação de "Old Devil Moon" (canção que me persegue faz alguns meses); e acabo me decidindo pela manjada - porém, não menos sincera - conclusão de que Judy continua por aqui, vivíssima.


*
Nos comentários à postagem, os amigos trouxeram não apenas a Dorothy - que aqui apareceu apenas de passagem, largadinha sobre as flores do Mágico de Oz - como a Liza Minelli. Como agradecimento pelas leituras carinhosas que o post recebeu, divido com todos o número de "Over the rainbow" do qual tomam parte a mãe e a filha - bela sequência do show que ambas realizaram no London Palladium em fins de 64. Depois de afirmar "Oh, I sang this song for so many years", Judy pede ajuda da plateia. Olhem...

12 out. 2010