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terça-feira, 22 de janeiro de 2013

Leslie Caron no Quartier Latin (8/1/2013)


A mostra "Paris vu par Hollywood", que encerrou carreira no Hôtel de Ville em meados do mês passado, ainda rende frutos. Diversos cinemas do Quartier Latin continuam a reverberar as clássicas canções norte-americanas que embalam gerações há 60, 70 anos, construindo no escuro da sala de projeção uma Paris afável, brilhante e musical. Impossível, depois de sermos embriagados por uma das stravaganzas da MGM, as ruas de Paris não passarem a soar o leitmotiv que serve de combustível aos passos do pintor Jerry de “An American in Paris”, ou o tema romântico que embala o idílio dele e de sua Lise às margens do Sena – grandes Gershwins, parisianíssimos americanos –, ou o “Bonjour Paris” com que Audrey, Freddy e Kay cantam os pontos turísticos da cidade. A mágica da projeção faz com que, caminhando por Paris, reencontremos a Paris de estúdio inventada por Hollywood. 
"An American in Paris" (1951)
A Rue Champolion, ruela do Quartier que abriga a homenagem, mal parece cruzar a movimentada Rue des Écoles e estar a dois passos dos concorridos Boulevards Saint Germain e Saint Michel. Apertada, a ponto de a fila de cinéfilos que a tomam antes das sessões impedirem a passagem dos carros por ela, parece mais é saída de um dos storyboards que engendraram o magnífico “An American in Paris” – encontro cabal entre ficção e realidade. Foi num desses cinemas da Champolion, a "Filmotheque du Quartier Latin", que Leslie Caron deu o ar da graça no último dia 8, numa séance (pra lá de) especial do filme em questão. 

Rue Champolion
Paris-cenário. Os leitores podem imaginar o que é para uma apaixonada pelo cinema clássico ver Mme Caron en personne!? Deixemos de lado, então, os desnecessários adjetivos e detenhamo-nos no ponto culminante, sua apresentação de “An American in Paris” (Un Americain à Paris/ Sinfonia de Paris, 1951). Leslie – licença agora para a intimidade tipicamente americana, perfeitamente cabível para o assunto em questão – é de uma lepidez que de modo algum acusa seus 81 anos. Longilínea, apesar do seu pouco menos de 1,60 m., elegante, desdobrou o charme físico em uma hora de um bem-humorado e profundo rememorar de sua carreira americana, focado neste filme que a lançou no cinema e no mercado mundial. 

Narrou os bastidores de seu encontro com o Gene Kelly: o primeiro desencontro (já que ela, adolescente primeira-bailarina de um teatro parisiense, fora embora apressada tão logo terminara seu espetáculo visto por Gene, “como toda boa moça da época”); o posterior encontro, já contratada pela MGM, dentro da qual ela descobriria que, atriz iniciante e completa desconhecedora do inglês, faria nos Estados Unidos “apenas” um dos papéis principais daquele que era vendido como o “maior musical de todos os tempos”. Uma vez nos EUA, conta a atriz que se iniciou no curso de inglês pelas mãos de Shakespeare, lido, relido e memorizado. 
Escolha suis generis, se considerarmos o gênero popular em que ela seria iniciada. Escolha coerente, no entanto, constatamos ao olharmos a carreira de Leslie Caron em retrospectiva: além de graciosa parceira de monstros sagrados da dança como Gene Kelly e Fred Astaire, a atriz acumula trabalhos dramáticos e cômicos (dentre os quais eu ressalto – porque adoro – sua sátira de Alla Nazimova em "Valentino", 1977, que pode ser visto aqui). 
Em sua fala, Leslie esquadrinhou os bastidores da produção de “An American in Paris”: as longas horas de trabalho de segunda a sábado; sua relação com Oscar Levant, que ela afirma ter sido desde o princípio amistosas, (apesar do que sabemos sobre o humor do ator/pianista); os encontros do elenco aos domingos, onde por diversão rodavam filmes tétricos (dos quais o hipocondríaco-pessimista Levant se recusava a participar); a timidez de Vincente Minnelli e a direção segura que Gene Kelly dava aos seus diálogos de aprendiz de inglês. 
Estendeu-se sobre a relevância do papel de Kelly para o resultado final da produção. Coreógrafo, ele era o responsável igualmente por posicionar a câmera nos números musicais. 

Como Alla Nazimova em "Valentino" (1977)
Abertas as perguntas, Leslie Caron respondeu sem reservas e em detalhes a tudo o que lhe perguntaram. Falou com carinho sobre “Gigi” (1958), feito quando ela “finalmente sabia representar”, uma vez que nessa altura já havia tomado anos de cursos de atuação – disse ter se sentido tola ao ver-se Lise, na tela, pela primeira vez, a modesta! Lembrou “Valentino”, “que muitos de vocês não devem conhecer”. E neste rebaixamento de tom menos próprio à diva que ela é que às mocinhas como Lise e Gigi que ela foi (e para todo o sempre será) nas telas, brincou sobre o sucesso que anda fazendo no Quartier Latin (o "Reflet Medicis", também na Rue Champolion, exibe uma versão restaurada de Gigi): “Ah, mas isso não vai durar muito.” 
Neste sentido, a cereja do bolo foi pra mim sua resposta a um questionamento sobre o star system. “Hollywood, de certa forma, desdobrou nas telas a personalidade de seus artistas.” Isso, dito com tanta sinceridade por ela no contexto que acabei de narrar, bota-me no mínimo a repensar o papel da capital do cinema na construção dos mitos das telas. Porque não considerar que a natureza tenha, em alguns casos, se sobreposto às pinceladas da Max Factor e às canetadas dos departamentos de marketing dos estúdios? Parece ter sido esse o caso de Leslie Caron. 


Na ocasião do encontro, Mme Caron assinou sua biografia “Une Française à Hollywood”, versão francesa do original em inglês (quem quiser pode encontrá-la aqui).

"Gigi" (1958)

domingo, 14 de outubro de 2012

“Paris vu par Hollywood” no Hôtel de Ville e “Sabrina” (1954)


O Hôtel de Ville, bela construção a dois passos da Île de la Cité, em Paris, recebe até meados de dezembro a exposição Paris vue par Hollywood, memento num só tempo nostálgico e crítico da forma como a produção cinematográfica hollywoodiana apreendeu a cidade-luz. 
Hôtel de Ville
Na entrada, a linha do tempo dá o tom da mostra: por ela desfilará cem anos de cinema, até “A invenção de Hugo Cabret” (2011), recentíssima obra prima de Martin Scorsese em que dá o ar da graça a Paris do Méliès de 1890-1910. O corredor coberto das recordações do tempo em que o cinema dava os primeiros passos é preenchido com o som que vem do subsolo, onde um enorme telão apresenta excertos de obras produzidas quando a arte já amadurecera. 
An American in Paris
Antes de chegar ao subsolo, o público curioso pode esgueirar-se em direção às pilastras que sustentam o edifício e juntar a imagem ao som. Lá está a Garbo de “Ninotchka” (1939) a replicar, num hilário pragmatismo, a cantada do parisiense típico Leon: “Só quero saber qual a distância mais curta até a Torre Eiffel. Você acha mesmo que há a necessidade de flertar?”. Gene Kelly arrebata Leslie Caron nas margens do Sena, ao som de “Love is here to stay”, em "Sinfonia de Paris" (An American in Paris, 1951); o maravilhoso Gershwin sabe dar voz à Paris como ninguém. E Audrey, Freddy e Kay Thompson entoam um “Bonjour Paris” enquanto saltitam separados pelos pontos turísticos da cidade, encontrando-se, claro, no topo da Torre Eiffel (Cinderela em Paris/Funny Face, 1957). 
Funny Face
É no subsolo que estão as maiores preciosidades da mostra: peças do figurino usado por Greta Garbo em “Camille” (1936) e por Audrey Hepburn em "Amor na Tarde" (1957), um prato cheio para os fetichistas; fotografias de divulgação das fitas, trechos de roteiros, desenhos de produção de filmes como “An American in Paris” e “Moulin Rouge” (1952). 
Hollywood constrói Paris como a cidade do prazer e da liberdade. Paris vue par Hollywood argumenta que a cidade tornou-se, para a cinematografia norte-americana, o ponto de fuga dos cerceamentos impostos pelo Hays Code. Toda a liberalidade proibida nos filmes que tematizavam os EUA foi transferida para Paris, tornada, neste sentido, retrato enviesado de uma América do Norte ideal. 
The Merry Widow
Artífice que soube construir cabalmente uma Paris americana foi Ernst Lubitsch, que além de “Ninotchka” dirigiu pérolas como “The Love Parade” (1929) e “The Merry Widow” (1934). Nos dois últimos figura Maurice Chevalier, ator francês que, depois de décadas de carreira no vaudeville parisiense, foi escolhido pelo cinema hollywoodiano para personificar o que seria o francês típico: galanteador cujo cinismo caminhava de mãos dadas ao romantismo. Não por acaso, numa de suas últimas criações ele surge como mentor de Louis Jordain noutra típica película de Hollywood sobre Paris: “Gigi” (1958). 
O diretor de "Gigi", Vincente Minnelli, foi outro apaixonado pela cidade. É de sua lavra “An American in Paris”, filme que, segundo a mostra, é a versão mais bem acabada do modo como a “América” viu a cidade. A Hollywood clássica deixou de lado Paris como realidade empírica para se dedicar a uma criação poética da cidade. Representação mais arrematada do intuito é esta obra em que Minnelli e o ator-coreógrafo Gene Kelly reinterpretam a cidade a partir das telas dos artistas que a representaram: Monet, Renoir... A obra prima de Minnelli e Gene sintetiza o esforço americano das primeiras cinco décadas do século: Paris torna-se a tela em que um mundo cor-de-rosa se projeta. 

Audrey em "Funny Face"

"Sabrina" (1954) 
A mostra continua no cinema Le Champo. Só nesta semana veiculam-se lá outros dois filmes com Audrey Hepburn, atriz cuja elegância cedo a identificou à cidade: “Charada” (1964) e “Sabrina” (1954). 
Vi o último, ontem, pela décima vez; a primeira em tela cheia. E ele nunca me pareceu tão bom. Gostava mais da versão de 1994, o filme que mais vi na vida... Talvez porque a versão com Julia Ormond e Harrison Ford reforce a imagem de romantismo da cidade, enquanto que o filme de Wilder a chacoalha. E é isso que acho tão fascinante, agora. 
Sabrina é a jovenzinha sensaborona (bem, nem tanto; falamos de Miss Hepburn...) arrolada, no brilhante roteiro, no quadro de posses da família Larraby: eles tem funcionários pra cuidar da piscina coberta e descoberta, do aquário do peixinho George e dos barcos, bem  como um chofer importado da Inglaterra anos atrás, junto com um Rolls Royce e uma filha. Os medalhões americanos são ridicularizados com tremenda verve neste roteiro que também tem o dedo de Wilder, como não podia deixar de ser. Não só isso: a imagem paradigmática da Paris de Hollywood é questionada. 
Ao contrário do filme de 1994, em que a cidade torna-se locação importante, no filme de Wilder ela aparece em telões, é tipificada no mais alto grau: Sabrina viaja para Paris no intuito de aprender culinária (a sala de aula dá frente para a torre Eiffel, o professor é a caricatura do francês de bigode encerado e biquinho).  Escamoteado está o desejo da moça de esquecer David, o Larraby mais jovem, seu amor platônico desde a infância. Lá ela amadurece, torna-se a mulher cosmopolita que transpira elegância pelos poros – em outras palavras, torna-se Audrey Hepburn. Volta envergando um tailleur, o chapeuzinho da moda e trazendo na coleira o french poodle “David” – metáfora do encoleiramento a que ela submeterá o David real não muito tempo depois. 
No andar da ficção, a máscara da “Paris vista por Hollywood” é esgarçada. A jovem cosmopolita só tem uma casca de maturidade; é manipulada por Linus, o Larraby mais velho, workaholic e anti-romântico. É rejeitada pela família dele e vítima até mesmo do próprio pai. No fundo, Sabrina continua a desajeitada filhinha do chofer que, no início da película, quase bota a casa abaixo ao tentar o suicídio. Novos são apenas seu stupid hat e seu stupid dress, como ela não deixará de constatar. 
É óbvio que no final tudo se ajeita, com o trivial Happy Ending hollywoodiano. Mas o percurso é que é irresistível: com o cinismo de Wilder perpassando tudo, até a escolha do par romântico da jovem atriz – o envelhecido e casmurro Humprey Bogart, que nem embebido pela "La Vie en Rose" mais doce do mundo, entoada por Audrey, consegue que a gente o enxergue por detrás de lentes rosadas... 

Audrey e Humprey no set de gravação
Paris vue Par Hollywood: Hôtel de Ville, 18 set.-15 dez. Entrada gratuita.

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Sinfonia de Paris: Gene, Leslie, Oscar, George Gershwin, Vincent... Who could ask for anything more?

Se alguém quer ser muito feliz e deseja ver o mundo através de lentes cor-de-rosa - nem que seja apenas pelo espaço de um par de horas -, "Sinfonia de Paris" (An American in Paris, 1951) é o remédio perfeito. Poucos filmes casam tão bem os caracteres, a fotografia e o som. Aquelas cores vivas e aqueles cativantes personagens, lindamente representados, se casam tão bem à música dos Gershwins que inevitavelmente o leitmotiv do pintor idealista americano grudará por dias na cabeça de quem o ouvir - ele gruda na minha sempre que revejo o filme, cada vez por mais tempo, e de um modo tão vivo que não raro me vejo saltitar pelas calçadas assoviando-o.


Quando fez o filme, Gene Kelly já estava entrando na casa dos quarenta, e acumulava trabalhos como coreógrafo e diretor. Leslie Caron tinha 20 anos e estreava nas telas. Porém, a diferença de idade não torna o par romântico menos crível. Leslie era sem dúvida bastante jovem na época. Porém, a juventude é uma qualidade mais da alma que do corpo, e ela acompanhou Gene durante toda sua vida - isso é evidente pelo lindo número musical que ele divide com Olivia Newton-John em "Xanadu" (1980) aos 68 anos de idade. Sua experiência como dançarino foi fundamental para a coreografia e execução do número musical mais espetacular de todos os tempos, o longo balé que fecha "Sinfonia de Paris" com chave de ouro, glosando, no plano musical, a interação que os personagens experimentam na ação dramática: lá está a rosa vermelha com que Jerry pinta sua amada Lise, rosa tornada pintura como Lise e ele, ambos engolidos pela tela viva sonhada pelo pintor; lá está a mocinha ambígua que ele ama, aproximando-se e fugindo dele ao seu bel-prazer; lá estão os cenários reais e fictícios com os quais cruza, uns tão importantes quanto outros, já que são responsáveis por criar uma Paris só do artista, que o assusta e o apaixona.
Essa é uma das comédias musicais que mais me fascinam. Que delícia ver a personagem de Gene cantando o amor com a personagem de Georges Guétary, que interpreta o noivo de Lise. Aliás, esse brinde ao amor, cantado pelos dois jovens que amam a mocinha, é tão parisiense - não só daquela Paris hollywoodiana, cujo exemplo maior é o debochado Maurice Chevalier, mas também da Paris cantada por tantos artistas, Hemingway, Lautrec,...
Uma dessas canções é nada menos que '"S Wonderful", de uma maravilhosa simplicidade. Depois de fotografar as personagens em primeiro plano, o número que a apresenta termina num plano de conjunto que engloba prédios, lojas, carros, ambulantes, transeuntes e curiosos, os quais parecem ser abraçados pelos jovens que ocupam as extremidades da cena, convidando o público do outro lado da tela a tomar parte na farra.

As belas músicas se somam para criar uma das melhores trilhas sonoras que já ouvi: "Our love is here to stay", "I Got Rhythm", "How long has this been going on?", Who could ask for anything more?". Toda ela entremeada ao leitmotiv daquele pintor que parece sentir-se o convidado principal da festa que Paris oferece diariamente aos idealistas: "A movable feast", como diria Hemingway.
E confesso que também eu me sinto convidada para essa festa, e isso me faz tão feliz que ocasionalmente recuso o convite temendo estragar a sensação de que tenho sempre que revejo o filme, temendo que a rotina estrague esse banquete para os olhos, os ouvidos e o espírito que é "Sinfonia de Paris".