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domingo, 24 de fevereiro de 2013

Oscar 2013. Parte 5: “Hitchcock”

“Hitchcock”, de Sacha Gervasi, é outro que presta homenagem ao cinema clássico. Homenagem de qualidade média, é preciso que se diga, malgrado o interesse do assunto escolhido: a carreira de Alfred Hitchcock no final dos anos 50, mais especificamente a faixa de tempo que compreende desde o sucesso de “Intriga Internacional” e até o sucesso retumbante de “Psicose”. 
Desnecessário dizer que o filme faz hagiografia. O tema é sagrado demais, e o público-alvo demasiado dado a sacralizações, para que um filme sobre Hitchcock vença o panegírico e mergulhe na humanização do mito... 
O original e a cópia
Falei meses antes sobre o ótimo “Fascinado pela Beleza”, em que Donald Spoto esmiúça a relação conturbada que Hitchcock tinha com o sexo feminino, sobretudo a esposa e muito especialmente as estrelas com as quais trabalhava. Nada disso há neste “Hitchcock”, cujo título tem a pretensão de englobar a universalidade da obra e das personas privada e pública do mestre do suspense.
Hitch aqui é o genial beberrão que apenas intimidava Janet Leigh visando tirar dela a excelência, e que no final das contas amava apaixonadamente sua Alma Reville – prova é o romântico beijo público que Sacha Gervasi faz as personagens do diretor e de sua esposa trocarem no final, enquanto compartilham dos aplausos pelo sucesso de “Psicose”. 
Hitchcock (Anthony Hopkins) e Alma Reville (Helen Mirren)
Trágico que, nesta altura do campeonato, Hollywood ainda tenha de se apoiar no happy end para vender seus produtos. Porque não necessariamente uma leitura do cinema clássico precisa copiar-lhe o epílogo (exemplo claro é “The Master”, que com qualidade relê a época com olhos modernos). O roteiro de “Hitchcock” possibilitava andamentos mais argutos que esse. 
Scarlet Johanson, Janet Leigh, na
antológica cena do chuveiro
 
Exemplo? O Hitch de Hopkins (que está bem como o personagem título, embora eu o tenha achado algo posado nalguns momentos, como se ele fosse o medalhão vivo do biografado) diz: “Em Hollywood, o diretor apenas é tão bom quanto a sua última obra.” E o filme, ao invés de ler a assertiva pela chave dramática, demonstrando o terror que é a necessidade constante de se superar no métier para ser bem considerado, ao invés de dar relevo aos contornos trágicos daquele homem de ego imenso cuja saúde se deteriorava e as relações interpessoais idem, ao invés disso tudo decide por uma abordagem upbeating, que toma Hitch como o homem de visão privilegiada que luta contra tudo e contra todos para ver sua obra-prima na tela branca. Ao fazer isso, a obra acaba por tomar “Psicose” como a maior das obras do diretor, confundindo o seu sucesso de público nos cinemas com a sua qualidade empírica. 
Um Hitchcock afável pega carona no carro da estrela
Não, não estou pintando a anti-imagem de Hithcock – que, diga-se de passagem, para mim é um deus. Porém, desde meu ponto de vista, seria intelectualmente mais estimulante que o público descobrisse a genialidade do homem por si só, ao invés de vê-la ensinada por a + b no correr deste “Hitchcock”. 
Mas o filme enfrenta um problema ainda mais sério: sua falta quase que completa de ritmo. Ele é escolar, notamos desde o princípio. Documentalmente escolar, logo perceberemos decepcionados, pois escapa de todas as chances que tem de construir tensão e suspense em prol da mais convencional das narrativas, que soma uma leitura açucarada do relacionamento de Hich com sua senhora e com sua estrela; e que prefere todo o tempo agrupar fatos de pesos semelhantes em detrimento de construir uma narrativa que estabeleça momentos de clímax (coisa que o biografado tão bem sabia fazer). 
“Hitchcock” não é um filme ruim, mas não alça grandes voos – tampouco os intenta. É, portanto, esquecível. É óbvio, coisa que Hitchcock não era. Duvido que o diretor aprovasse essa homenagem que lhe prestam, mesmo sendo narcisista como era...
*
Só agora percebo que nada disse sobre Helen Mirren, que desempenha no filme a esposa do diretor. Talvez porque o papel que deram a ela seja apagado demais... Mesmo assim, Mirren está bem, como sempre. Uma pena não terem lhe ampliado as possibilidades de brilhar. Ela certamente não decepcionaria. 

domingo, 16 de novembro de 2008

Stanley Donen, um Hitchcock dançarino: Charada (1963)

Tive uma agradável surpresa quando vi esse filme pela primeira vez, um ano atrás, e uma surpresa igualmente agradável quando pude comprá-lo por um preço razoável na semana passada. Audrey Hepburn e Cary Grant são dois ídolos meus, assim como Hitchcock. Além disso, adoro musicais, e verdadeiramente tiraria meu chapéu – se tivesse coragem de usar um – para esses indivíduos que conseguem introduzir num filme, de modo perspicaz, leveza, humor e música. Stanley Donen é, com certeza, um deles, e o exemplo mais cabal de seu talento é o musical “Cantando na chuva” (Singin’ in the rain, 1952), dirigido por ele e Gene Kelly. Donen, que passeou pelos mais variados gêneros ao longo de sua carreira, fez de “Charada” o balanço do que de melhor produziu. O “thriller” aproveita o que de melhor há em suas comédias musicais, nas quais introduz o humor de forma sempre inesperada e delicada.

Apenas para citar um momento, no “Um dia em Nova York” (On the town, 1949), o marinheiro Gene Kelly, que desceu a terra apenas por um dia, lastima-se por perder a namorada. Os amigos – um deles é ninguém menos que Frank Sinatra – conseguem-lhe uma dessas garotas que estereotipa o “patinho feio”, amiga da namorada de Frank. O jovem marinheiro apavora-se quando a moça se aproxima, mas é conquistado por sua simpatia quando ela, juntamente com Sinatra, Ann Miller, Betty Garret e Jules Munshin, canta ao mesmo a divertida “Count on Me”. A personagem de Gene ganha, nesse momento, ânimo para procurar a moça de quem havia se enamorado. O espectador segue o grupo, deliciado. 
Há muito disso em “Charada”. O filme tem início com o apito de um trem e um corpo sendo jogado para fora dele. Corte. Longe dali, nas montanhas geladas da Suíça, uma arma é apontada para Audrey Hepburn. Música de suspense e, de repente, um jato de água atinge, certeiro, a face da moça. Trata-se apenas do filho endiabrado da amiga, que se diverte com sua arminha de brinquedo... A quebra da tensão pela introdução do elemento cômico é característica da obra de Hitchcock, o mestre do suspense, interlocução obrigatória para quem se mete a trabalhar no gênero em questão. Mas em “Charada”, Donner mostra que também é mestre, pois dosa a tensão e a comédia de modo completamente pessoal. Exemplo claro é o fato de o humor sempre se destacar nesse enlace. Temos isso na cena do enterro do marido de Regina – personagem de Audrey – quando entram na igreja praticamente vazia os comparsas do homem, os quais se utilizam de várias estratégias extravagantes para se certificarem se ele realmente está morto. 
Entre risos e sustos caminha o filme, que não deixa para trás uma característica do trabalho de Donnen que me é muito querida, a metalinguagem. O beijo entre os personagens de Audrey e Cary lembra o legendário beijo trocado por Ingrid Bergman e Cary no “Interlúdio”, de Hitchcock (Notorious, 1946), ambos frutos da iniciativa feminina, mal atrapalhados por uma ligação telefônica. Outro tributo ao mestre do suspense é a explicação irônica que Cary dá a Audrey sobre sua carreira de bandido, a qual lembra “O Ladrão de Casaca” (To catch a thief, 1955), também protagonizado pelo astro.
E para arrematar, os diálogos são extremamente bem construídos. “Sabe o que há de errado com você?”, pergunta Regina para um Cary arredio por ser paquerado por uma moça muito mais jovem que ele. “O quê?”, ele pergunta. “Nada.”, responde ela. É assim até a cena final, a qual, curiosamente, é tomada em “Uma linda mulher” (Pretty Woman, 1990) como metonímia do cinema clássico. Gary Marshall acertou em cheio: “Charada” realmente o é.