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segunda-feira, 6 de outubro de 2014

Garota Exemplar/ Gone Girl (2014)

Fui ver o lançamento cinematográfico sobre o qual corre, atualmente, um rio de tinta: Garota exemplar, título nacional (estranho) para o norte-americano Gone Girl, filme adaptado do bestseller homônimo de Gillian Flynn e dirigido pelo ótimo David Fincher. Não conhecia o livro – que, parece, levantou tanta celeuma quanto as sagas Potter e Crepúsculo e o romance açucarado A culpa é das estrelas. E, aproveitando que eu estava vivendo como que numa caverna nos últimos meses, decidi continuar na ignorância no que tocava à sua trama até que eu cruzasse pessoalmente com ela, numa sala de cinema. 
O filme é interessante. Não é, porém, a nota 8,7 que lhe atribuíram no IMDB. Estou alheia ao burburinho impresso e televisivo desde que, para dar conta de minhas obrigações acadêmicas, decidi parar de ler/ver jornais, cinco meses atrás. Mas conheço bem demais a dinâmica de mercado, que alça a literatura popular aos píncaros do sucesso, impondo-lhe qualidades que ela está longe de ter, como se o topo nas listas dos "mais vendidos" lhe impregnasse - como consequência óbvia - de valor artístico. 
Os fãs do livro não estão correndo ao cinema em vão. O que também não significa que o filme seja uma obra-prima, claro. Primeiro porque não é impossível de sacarmos a trama, uma vez que a gente conheça um pouco de cinema. A obra é dividida em duas partes: 
1- Um Nick Dunne (Ben Affleck) frustrado encontra a irmã no bar de ambos, no quinto aniversário de casamento dele. Seu relacionamento vai pior que nunca – quem ganha o presente é a irmã, um daqueles jogos de tabuleiro dos anos 80, lembrança da infância de ambos (e do infantilismo de Nick, talvez, elemento que poderia – mas não é – trabalhado, para o bem da complexidade da narrativa). Voltando para casa, ele descobre o local remexido e a esposa desaparecida. Não parece se incomodar muito, até que a polícia imiscui-se no caso e ele se torna o principal suspeito de sua morte. 2- Acontece que Amy Dunne (Rosamund Pike) não está morta, tampouco foi suprimida à força de sua casa. Ao contrário, a moça forjou seu suposto assassinato até às últimas consequências, apenas para se vingar do marido que a havia humilhado, o qual ela queria ver acusado e morto (pelas leis do Missouri, onde ocorrera o suposto crime, o assassinato é punido com a cadeira elétrica). 
A narrativa cinematográfica não vai mal. Mas, depois de vermos o desenho do entrecho, fica claro que há, aí, muito barulho por nada... Que as muitas explicações visando a um pretenso realismo dessa história mirabolante apenas torna mais aparente as suas fissuras e, então, a sua tolice fundante. O seu modelo espiritual – e eu bem possivelmente estou superinterpretando – é Um corpo que cai (Vertigo, 1958). O personagem principal é enredado até às últimas consequências na encenação que a sua contraparte forja. Outro filme recente fez o mesmo, de modo mais tolo, prolixo e tedioso ainda: O Melhor Lance (La Migliore Offerta, 2013, doutro grande diretor, Giuseppe Tornatore). 
Garota exemplar é uma distração divertida, mas não passa disso. Ben Affleck é alto e bonito de se ver, mas não se pode negar que seu elemento seja mais a direção (ou o roteiro) que a atuação. O branco que ele imprime à sua encenação até que colabora, no início, para dar alguma ambiguidade ao seu personagem. Mas a densidade necessária a ele – sobretudo na terça parte da história, quando a esposa volta e ele deseja permanecer consigo, a despeito de tudo – nunca emerge. Já Rosamund Pike está bem melhor. O desafio do atual cinema-pipoca norte-americano – falo deste que tem pretensões ao Oscar e, portanto, se faz com um pouco mais de cuidado; do restante não vale a pena nos lembrarmos – é vencer os estereótipos: colocar os belos a interpretarem papéis execráveis, sem que para isso precise enfeá-los no exterior. Doris Day-like Rosamund Pike faz extremamente bem a psicopata que esconde seu desvio atrás dos modos de boa-moça e da erudição. 
O roteiro tem furos exasperantes, em sua sanha autoexplicativa. Sem que a atuação de Affleck seja um primor, percebemos logo que a errada da história é Amy: Aquele marido probo é agressivo, vingativo, gastão? Não seria isso fantasia da esposa, que é, saliente-se, uma notória escritora de aventuras adolescentes? O diário em que a jovem desfiava os seus sofrimentos não seria uma obra de ficção, como tudo o que ela escrevera? Insiste-se demasiadamente num mistério que é mais ou menos uma obviedade. 
Já a terça parte do filme, que poderia se apropriar com alguma complexidade desses elementos, é vazia: Oras, afinal, naquele relacionamento o rapaz e a moça estavam sempre a interpretar! Eram dois personagens, como todos os criados por Amy até então! Partícipes na loucura, a montarem fábulas para tocarem a vida a dois! Toda a metafísica que poderia resultar disso se reduz, no filme, a nada. 
Aí está a mais patente diferença entre Garota Exemplar (ou O Melhor Lance) e Um corpo que cai: reduzem-se um e outro, à metafísica da pipoca – facilmente digestiva e que, independente do quanto a comemos, ainda assim nos deixa esfomeados, tão logo saímos da sessão.

domingo, 17 de fevereiro de 2013

Oscar 2013. Parte 2: “Argo”

Vamos dar andamento aos apontamentos críticos sobre os indicados ao Oscar de Melhor Filme de 2013 (a lista completa deles pode ser acessada aqui), especialmente porque o número de acessos ao post anterior surpreendeu-me (muitos desejosos de um guia para a compreensão das obras eleitas pela Academia, suponho; tomo a peito a tarefa sem qualquer pretensão, como vocês poderão ver pela pequenina extensão desta resenha).
Ocuparão as linhas daqui em diante dois bons filmes. Primeiramente “Argo”, vencedor, por hora, do troféu de Melhor Filme do American Film Institute (AFI). A resenha que seguirá estas e a próxima  se debruçará sobre um mediano e um fraco, “Hitchcock” e “Les Misérables” – perdoemos os acadêmicos; não se pode acertar sempre, especialmente quando o que se está em cena é um bem acabado exemplar de “lixo glamouroso”, que é, afinal de contas, a very deceivable thing...


“Argo”

Na minha concepção de “cinéfila inveterada que dá sua impressão sobre os filmes que vê” – descrição que define bem esses breves posts que estou a escrever ultimamente –, este é o grande filme dentre os indicados.
com Alan Arkin e John Goodman, o diretor e o produtor
da farsa cinematográfica que permite aos
Estados Unidos desembarcar no Irã
É cinematográfico até a espinha, ao brincar com os nossos nervos de pobres espectadores, passivos do outro lado da tela, tão abandonados quanto o grupo de diplomatas americanos abandonados à sorte no Irã. 
É brilhante pela espetacularização da política, pelo seu viés pseudo jornalístico/documental (as câmeras na mão a mimetizarem as filmagens nervosas no palco do evento sensacional, realizadas pela câmera jornalística; as imagens de arquivo/ou imagens criadas no intuito causarem o efeito de imagens de arquivo), pelo desvelamento da artificiosidade da decadente Hollywood dos anos de 1970, pelo timing de thriller, de comédia, de drama...
Ben Affleck, na verdade, nunca me enganou. Desde meados dos anos 90 eu o via como muito mais que o rostinho bonito que ele na superfície era. Não errei. Em 1998, o rapaz de vinte e poucos anos encarnou o garoto prodígio e levou para casa o Oscar de Melhor Roteiro por “Gênio Indomável”, honraria dividida com o colega Matt Damon. Em “Argo” ele acumula a função de Diretor à de Produtor e ator principal. Dá conta de tudo admiravelmente bem, ao reger o grupo de atores visando interpretações abaixo do tom, o que dá ao conjunto um surpreendente éthos documental, algo bastante difícil de ser atingido na interpretação standard de Hollywood.
O agente e os diplomatas
No nível da trama, atrela com verve a arena política e a indústria do cinema, fazendo emergir o caráter de encenação, de fingimento, de teatro barato de uma e outra. Ademais, joga um olhar luminoso para a Hollywood da década de 70, cuja decadência era bem mimetizada pelas letras enferrujadas e decrépitas dependuradas sobre a colina.
Não podemos deixar de lado o fato de o filme recontar uma história real: o governo dos Estados Unidos efetivamente infiltrou no Irã um agente, disfarçado de cineasta, para que ele retirasse do país o grupo de diplomatas escondidos na embaixada do Canadá desde uma conflagração civil naquele país. No entanto, por mais que a realidade seja por vezes deveras cinematográfica, o percurso que a separa do (bom) cinema é mais pedregoso do que a princípio se supõe. Apoiado no ótimo roteiro de Chris Terrio, Affleck explorou com artesania notável os elementos romanescos da história real. Bravo, mio bello!