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terça-feira, 4 de abril de 2017

A loja da esquina (1940) e Mensagem pra você (1998): o encontro de duas eras

Hollywood vive de se reinventar. A loja da esquina (1940) e Mensagem pra você (1998) são exemplos claros disso. Nos últimos dias, fiz o exercício assisti-los um depois do outro, a versão depois da obra original. O resultado foi uma mistura curiosa de nostalgia e de descoberta. Produtos fechados – put it in the can é uma das máximas da indústria –, os filmes reverberam, ecoam, renascem em nós como se fossem feitos da matéria das sempre-vivas. Nós continuamos a existir e, ao entregarmo-nos de tempos em tempos a eles, os ressignificamos. 
Mensagem pra você (You’ve got mail, Nora Ephron, 1998) tem como cenário o Upper West Side nova-iorquino. Já A loja da esquina (The shop around the corner, Ernst Lubitsch, 1940) tem ambiência e diretor estrangeiros – passa-se em Budapeste e é dirigido por um diretor alemão. Ambos, todavia, cruzam-se muito mais do que se separam, a despeito das críticas tecidas à versão moderna, à época de sua estreia. No final das contas, os dois brotam de Hollywood, reproduzindo as estéticas das comédias românticas sacramentadas em ambas as décadas. E dialogam muito de perto com as sociedades de onde brotam, num e noutro tempo. 
A loja da esquina é rodada no princípio da Segunda Grande Guerra e respinga a melancolia, os sonhos deixados em suspenso, o temor ante a volatilidade da vida próprios desses tempos – a sua dessemelhança com relação às patriotadas rodadas em momentos análogos surpreende. Ali, as existências dos apaixonados correspondentes anônimos Klara Novak (Margareth Sullavan) e Alfred Kralik (James Stewart), protagonistas da história, mistura-se àquelas dos demais funcionários da loja do patrão abusivo Hugo Matuschek, onde a história se passa. Se o filme se divide em duas partes, deslizando em curva ascensional das amarguras até os estertores da felicidade – como corresponde ao cinema standard da “Era de Ouro” de Hollywood –, o que remanesce é o sentimento oriundo à primeira parte: a demissão injustificada da personagem de James Stewart reverbera séculos de exploração lavoral, um mal ainda hoje insolúvel . 
O filme é uma pequena obra-prima porque o mestre Lubitsch baixa o tom de todo o elenco, convidando o espectador a testemunhar as histórias narradas a meia-voz, entre os atendimentos dos fregueses da loja de presentes e as intervenções do Sr. Matuschek. Vertido de uma peça teatral, o roteiro não nega a sua procedência. Praticamente tudo se passa entre o interior da loja e as esquinas onde ela se situa, o suspense sendo criado por meio dos travellings dos funcionários a circularem entre o salão, o estoque e a sala do patrão. A partir dos cochichos de Alfred ao amigo, na tensão que preponderava naquele ambiente de trabalho, tomamos conhecimento do desabrochar de seu relacionamento com a dona da caixa de correio 236.
Mensagem pra você é, como o original de 1940, produto de seu tempo. Não apenas pela referência mais direta à World Wide Web, na aurora da qual ele foi rodado (é curioso observarmos que os modernos pombinhos navegam por meio da conexão discada, através da AOL, que faliria anos depois), mas pelo clima de otimismo geral no interior do qual o desenvolvimento tecnológico é apresentado. A história se passa numa Nova Iorque crescentemente mais segura, graças à atuação do prefeito Giuliani – citado textualmente –, coração cultural daquele país que marchava firme rumo ao século XXI, ignorante dos tempos lúgubres que se avizinhavam. O deslocamento temporal/geográfico se expressa bem pelo tom geral do filme, expansivo, e aqui não me refiro apenas às vozes das personagens, mas ao tom do discurso (a romantizar os grandes conglomerados, representados no filme por Tom Hanks, o carisma em pessoa), à seleção musical (uma polifonia que adere ao vintage, tão presente na memória coletiva – cristalizando-se entre o jazz efusivo e o idílio romântico), às cores cálidas (imperando a paleta do vermelho mesmo durante o mais agudo inverno nova-iorquino) e os sítios facilmente reconhecíveis de Manhattan (o cais, o Riverside Park, a Starbucks), a sublinharem o pitoresco da cidade devoradora, transformando-a numa variante do mundo de Oz. 
A escala dos conflitos também é ampliada. Meg e Tom, que se conhecem graças não mais às cartas, mas aos e-mails, são agora dois adversários nos negócios – ela, proprietária de uma pequena loja de livros infantis; ele, de uma rede de grandes livrarias em franca expansão, a Fox Books. Porque não o oposto? O filme reproduz o status quo social, resvalado ao cinema industrial, de que a suavidade pertence ao âmbito feminino, e a assertividade nos negócios ao masculino. Não por outro motivo as flores preferidas da moça são as frágeis e frescas margaridas. Neste quesito, Mensagem pra você retrocede no tempo quando comparado à Loja da Esquina, no qual a agudeza é característica preponderante da mulher, e a delicadeza, do homem. Mas Lubisch era um diretor muito a frente de seu tempo. 
Meg Ryan reverbera no filme a faceta principal de sua persona cinematográfica, a fragilidade; característica que a fizera amada pelas plateias dos anos 90. Com Tom Hanks ela fizera anos antes Sintonia do Amor (Sleepless in Seatle, 1993), variedade moderna de outro clássico americano, Tarde demais para esquecer (An affair to remember, 1957), e ali também ela estava distante da determinação da personagem original, levada à cena por Deborah Kerr. Os olhos verdes e os longos cabelos louros da atriz – embora mais curtos em Mensagem pra você – talhavam-na às heroínas romanescas típicas, o que Hollywood, ao invés de subverter, exaltou. Revi-a recentemente em Kate e Leopold (de James Mangold, 2001) e a sua mulher de negócios, teoricamente uma "devoradora de homens", parece a todo o momento prestes a cair em prantos, como se fosse receptáculo de todas as dores do mundo. Esta é a Meg Ryan inventada e destruída por Hollywood tão logo a idade a impediu de continuar reproduzindo o tipo. Certas coisas nunca mudam. 
Voltemos à Loja da Esquina. A obra de Lubitsch tem uma vocação inegável ao teatro, da qual ela se originou. O húngaro Miklós László, autor da peça que se transformaria em filme, chega mesmo a ser explicitamente mencionado, em forma de chiste: certo funcionário da loja comemora com a esposa o fato de ele precisar fazer hora extra e ser, portanto, felizmente desincumbido de ir jantar com “os Lászlós”. O filme é um manancial de ditos espirituosos, alguns transpostos textualmente à Mensagem pra você, a exemplo de “Você tem no peito uma caixa registradora ao invés de um coração.” ou “Você não passa de um terno.” Por isso, acusaram a versão dos anos 90 de ser demasiado derivativa. 
Vendo Mensagem pra você do distanciamento temporal – afinal, vão quase 20 anos desde o seu lançamento – conseguimos ressaltar o que ele tem de original e mesmo (na falta de melhor palavra) de profético. O filme traz num segundo plano um debate sobre o status dos relacionamentos interpessoais no princípio da massificação do ambiente virtual. É curioso revê-lo nesses nossos dias permeados pelas redes sociais, quando as compras pela internet ameaçam a existência de conglomerados como o de Tom Hanks, o grande vitorioso da contenda entre a “tradição” e o “progresso” encenada no filme. A diretora Nora Ephron não era boba, e redige (com Delia Ephron) um roteiro repleto de alusões cinematográficas contemporâneas e posteriores a Shop around the corner – daí a intitular a lojinha de Meg segundo o título do filme de Lubitsch, ou a inserir nele inúmeras referências à trilogia do Poderoso Chefão, perfeitas ao ambiente masculino/mafioso onde circula a personagem de Tom – a quem o sobrenome “Fox”, “Raposa”, tão bem define. 
Nora tinha um desvelo quase que religioso pelos clássicos (é também dela a direção e o roteiro de Sintonia do Amor, escrito em co-autoria) dos quais depreendia não apenas os temas como a atmosfera de suas tramas. Os passeios pelas ruas de Nova Iorque, que ela soube tão bem roteirizar (outro bem acabado exemplo disso é a obra-prima Harry e Sally, também com Meg Ryan, dirigido por Rob Reiner em 1989), permeados pelo cancioneiro norte-americano, nos dão, nesses tempos espinhentos, uma saudade imensa da cidade inventada à medida dos corações nostálgicos. Mensagem pra você sustenta-se hoje como justa homenagem ao cinema clássico americano. Visto em paralelo à Loja da Esquina, explicita quão grande foi a influência da “Era de Ouro” do cinema no burilamento da produção cinematográfica de todo o século XX. E sem saber, testemunha os estertores do gênero “comédia romântica”, e o charme inescapável dos ídolos por ele criados – não apenas de Meg Ryan, minha musa absoluta da adolescência.

sábado, 11 de julho de 2015

“Minha Querida Dama” (2014)

A comédia romântica não morreu – é o que percebemos tão logo passamos os olhos por “Minha Querida Dama” (“My Old Lady”), um digno produto do gênero que arrebanhou legiões aos cinemas dos anos 90, iluminado por graciosidades como Meg Ryan (que é dela?), e que nos últimos tempos imiscuiu-se ao thriller-pipoca (ou ao drama-pipoca) para entreter as plateias adolescentes (definitivamente já passei da idade de “Crepúsculos”, “Escrito nas Estrelas” e companhia ilimitada). 
O diretor Israel Horovitz – também autor do roteiro e da peça teatral da qual ele é oriundo – comanda, aqui, uma trinca de ouro: Kevin Kline (Mathias Gold), Kristin Scott Thomas (Chloé Girard), e Maggie Smith (Mathilde Girard). Todos, na melhor forma.  

O enredo é repleto das peripécias inerentes ao gênero: Kline viaja à Paris no intuito de tomar posse da única herança que o pai lhe deixara, um casarão situado no coração da Cidade-Luz – necessitado de reforma, sim, porém, imenso, ajardinado, um daqueles imóveis cujos valores se multiplicaram esponencialmente graças à especulação imobiliária dos últimos anos. Uma herança não desprezível para o tipo looser, que chegara à maturidade sem nada nem ninguém para chamar de seu. 
No entanto, a herança se revelará um presente de grego, tão logo Mathias Gold percebe que seu pai adquirira o casarão por meio de uma transação truncada, segundo a qual ele deveria pagar prestações mensais à vendedora, enquanto (e apenas enquanto) ela vivesse. O problema é que, cinquenta anos após a formalização do negócio, Mathilde Girard, a vendedora em questão, ainda permanecia lépida e faceira, malgrados os seus 90 anos passados. A capitalização da herança não podendo se formalizar, o empobrecido Mathias Gold vê-se preso no mausoléu com a velhinha e a sua filha, obrigado, ainda, a pagar-lhes as tais prestações por meio das quais ele poderia, um dia, vir a ser dono do local. 
Acabei de espalhar uma série de spoilers que não parará por aí. Filmes como esse, sem grandes revoluções estéticas plano formal, sustentam-se em grande medida pelo cuidado com a amarração do entrecho e pelo carisma dos atores principais. 
Neste gênero de filmes, o herói de moldes Românticos (portanto, no qual se misturam faltas e virtudes) pena para subir a ladeira pedregosa rumo à elevação espiritual. Kevin Kline conduz a sua personagem com uma delicadeza comovente – é aplaudível quando um ator se entrega com tamanha hombridade a desvarios melodramáticos que historicamente são talhados às personagens femininas. Ele alça voo porque tem ao seu lado a ótima Kristin Scott Thomas: espelho invertido do herói, a quem as vicissitudes do destino transformam em sua meia-irmã de alma (e de outras coisas mais). Juntos, Kline e Thomas dão-nos a nostalgia do casal Meg Ryan e Tom Hanks. 
A história é agridoce. A fixação do eixo da trama em Maggie Smith atesta simbolicamente que o gênero envelheceu. O par romântico principal não esconde as suas rugas – elogiada por Mathias, Chloé afirma: “Eu não sou bonita. Eu sou quase uma velha.” É impossível não notarmos as marcas que a passagem o tempo deixou no rosto de Kristin Scott Thomas, ao contrapomo-la à sua etérea heroína de “O Paciente Inglês” (Anthony Minghella, 1996). Do mesmo modo, o grisalho Mathias, de barba sempre por fazer, passa anos-luz ao largo do bigodudo imponente que enreda Meg Ryan em “Surpresas do Coração” (Lawrence Kasdan, 1995) – comédia romântica que foi enterrada junto com a década de 90. E o que dizer, então, de Maggie Smith? Nossos ídolos das telas, imagens projetadas de nós mesmos, envelhecem como nós. 
A passagem do tempo é inexorável. Só os tolos a floreiam. Embora emoldurado pelas convenções do gênero, “Minha Querida Dama” tem o mérito de iluminar os dilemas daqueles que chegaram à maturidade sem realizar o ideal de “realização pessoal” que a civilização ocidental ferinamente apregoa. Sem, todavia, entregar-se ao desespero. Embora muito possa nos faltar, ainda restam os amigos, os diálogos surpreendentemente reveladores. E Paris... A sequência metonímica do filme é, para mim, o dueto operístico que a personagem de Kevin Kline, passada a tempestade, trava com uma soprano desconhecida, às margens do Sena. Há muitos modos de exacerbar a felicidade, mas não há nenhum melhor do que este em Paris, onde as ruas soam como música.

terça-feira, 4 de novembro de 2008

O AMOR E O ÓDIO NA TERRA DO CINEMA: OS TÍTULOS PASSIONAIS QUE DAMOS AOS FILMES NORTE-AMERICANOS. PARTE I – O AMOR.


Continuo o trabalho, agora discutindo, não tão exaustivamente, a exaustiva adjetivação com que brindamos (nós? ou os portugueses?) os filmes norte-americanos que aportam por aqui. Do amor ao ódio, uma vasta gama de sentimentos acomete os responsáveis pelas versões em português dessas fitas. E, o que é mais engraçado, isso tudo é, não raras vezes, banhado pela tinta do sensacionalismo. É assim que substantivos próprios ou comuns, ou então frases curtas sem adjetivos, dão cria a orações inteiras, compostas de sujeitos, verbos etc., etc., etc. “Alice Adams” (1935), no qual Katharine Hepburn estrela no papel da mocinha pobre que almeja, num só tempo, amor e ascensão social, é entre nós conhecido como “A mulher que soube amar”. O título faz com esse filme o mesmo que “Jejum de amor” faz com “His girl Friday” – constrói expectativas falsas no espectador, uma vez que a jovem Alice está algo distante do estereótipo da moça romântica que sofre um amor intenso e submisso pelo moço rico. Ela é, sim, calculista a ponto de manipular toda a família de modo que esta encene o papel de emergente para que o moço seja cativado. A cena do jantar é formidável por representar a ironia da situação: é verão, e o moço é convidado pela namorada a experimentar uma infinidade de pratos pouco digestivos para a estação, servidos pela empregada que só faz praguejar. Aliás, a quebra de expectativas gerada pela tradução em português do título levanta algo que eu discutia com um amigo outro dia. Será isso fruto do descaso que os tradutores têm com o produto com o qual trabalham – nesse caso, considerado meramente como produto, destituído do rótulo de “arte” que tem a literatura, a qual usualmente merece deles um pouco mais de atenção? Ou então isso é feito para que o mercado seja atingido com mais impacto? Ambas as coisas são possíveis...
Também da Katharine (1955) é o belíssimo “Summertime”, história de uma secretária já madura que é atingida em cheio pelo grande amor numa viagem que faz à Veneza. Entre nós, o subtítulo é explicativo “Quando o coração floresce” (ou “florece”, de acordo com o que está estampado na embalagem da caríssima versão brasileira do filme, lançada pela Continental). Outro mais que explicativo é “Brigadoon”, bonito musical fantasioso de 1954, que também narra a história do grande amor, algo sublinhado pelo esquisito título “A lenda dos beijos roubados” com que o conhecemos – provavelmente escolhido por alguém que tinha acabado de ler um dos volumes açucarados de “Bianca”. “Young at heart” (1954) é outro que merece ser mencionado. O nome alude à canção homônima que foi um grande sucesso de Frank Sinatra. Não por acaso, o filme estrela o cantor/ator, que faz par romântico com a encantadora cantora/atriz Doris Day. A canção título (“Jovem de coração”), que é a música resultante de um longo trabalho de auto-descoberta do personagem problemático representado por Sinatra, é desconsiderada pelo gênio que deu título na tradução em português. Aqui o filme chama-se “Corações enamorados”.

Deixemos, agora, o amor por sentimentos menos arrebatadores... “Holiday” (1938) é um outro filme de Katharine Hepburn do qual nossa língua abusou. “Boêmio encantador” é o título, alusão ao personagem de Cary Grant, que, embora encantador, nada tem de boêmio. É, sim, crítico à sociedade que almeja unicamente o acúmulo de bens – mote que deixaria o romance insosso não fosse a genialidade de George Cukor, que o transforma, creio eu, num dos filmes mais bonitos e engraçados de todos os tempos. O pobre Cary também virou entre nós “O eterno pretendente”, numa fita de 1945 intitulada “Once upon a time” – título, diga-se de passagem, muito mais condizente com a fábula da lagarta dançarina que se transforma em borboleta, uma vez que o filme não retrata nenhuma história de amor. Sem comentários...

Continuando, “State Fair” é aqui conhecido por “Feira de Ilusões” (isso no plural, já que duas versões do mesmo – 1945 e 1962 – foram lançadas no Brasil). “The Philadelphia story” (1940) – outro com Katherine Hepburn e Cary Grant (elenco engrossado ainda mais por James Stewart), também dirigido por George Cukor – a maior comédia de todos os tempos, creio eu, ganhou de nós o nome de “Núpcias de escândalo” (e dos portugueses, o título de “Casamento Escandaloso”, segundo consta no IMDB – esse é o único filme do grupo para o qual encontrei registro dos títulos atribuídos no Brasil e em Portugal). Embora o casamento em questão efetivamente engendre um escândalo, quem já viu o filme sabe que esse não é, de modo algum, o único tema em questão no “História da Filadélfia”, daí a novamente pobre escolha do título.

E, para ainda uma vez provar que essas esquisitices não acontecem apenas com os produtos da era de ouro do cinema, cito o “When Harry met Sally” (“Quando Harry conheceu/encontrou Sally”, 1989), o já bastante conhecido entre nós “Harry e Sally: feitos um para o outro.”

A próxima postagem apresentará sentimentos menos doces.