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O passeio me levou até "Don't change your husband" (1918), "Male and Female" (1919), "Why change your wife" (1920) e "The affairs of Anatol", películas em que uma Gloria Swanson no auge de sua juventude, beleza e popularidade é dirigida por Cecil B. DeMille.
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Essas películas exemplificam bastante bem as diretrizes que determinavam o trabalho de DeMille
nos anos de 1910 e 1920. São comédias que seguem a linha das comédias de costumes teatrais, que buscam corrigir os vícios pelo riso. Daí a algumas delas não terem muita graça, por tentarem defender uma middle class morality de modo demasiado intencional. Por exemplo, a primeira e a terceira, "Não troque de marido" e "Porque trocar de esposa?", respectivamente. A apresentação do casal assemelha-se. No primeiro filme, a câmera delicia-se em apresentar pouco a pouco um marido relaxado: ele joga a sujeira do cachimbo no chão da sala, coloca os sapatos sujos sobre o lenço imaculado da esposa e não dá qualquer atenção a ela. A pobrezinha, que anseia por romance, encontra-o pouco depois no galanteador que a distraía no jantar em comemoração ao aniversário de casamento dela - ao qual o marido se esquecera de comparecer. No segundo é a vez de a câmera desnudar a
pudica esposa que, por ser muito casta, acaba jogando o marido no colo de uma vamp (a hilária Bébé Daniels, num de seus muitos papéis de coquete espevitada). Num e noutro filme pululam as mensagens moralizantes do diretor, por meio de inúmeros intertítulos longuíssimos. A conclusão de ambos é: marido e mulher devem permanecer unidos para tentar resolver os problemas conjugais, pois nem sempre (nunca, de acordo com a filosofia demilliana) é bom negócio investir num novo consórcio. A leitura da questão é pretensamente inovadora quando DeMille propõe, em "Why change your wife", que a mulher deve deixar o puritanismo de lado para, de vez em quando ser também "amante" do marido. Porém, a dica parece servir unicamente ao objetivo de sustentar o lar burguês num momento em que não era tão difícil de se conseguir um divórcio (tanto que, nos dois filmes, o casal se divorcia, e os litigantes são punidos com segundos consórcios pouco deleitosos).
Além de acreditar que o casamento deveria durar até que a morte separasse o casal - mesmo que as diferenças já os tivessem separado muito antes -, outra crença alimentada pelo Sr. DeMille é a da estratificação das classes sociais, e isso fica muito claro em "Male and female", conto do mordomo que desejava a patroa rica mas, consciencioso de sua posição social, resolve casar-se com a criadinha sensaborona. O casamento entre a patroa e o empregado - enamorados um do outro - quase acontece. Isso enquanto ambos estão numa ilha deserta, onde vão parar depois que afunda o barco onde estão os ricos, o mordomo e a criada. Lá fundam uma nova sociedade, baseada na habilidade de cada um, e onde, pasmem, é a vez do esbelto mordomo tornar-se rei (literalmente). Só assim, superior à mocinha, ele poderia tê-la. O idílio dura pouco, pois os desaparecidos são resgatados, mas mesmo que não fossem, e que o casamento se consumasse, perduraria a visão machista do Sr. DeMille.
Mais agradável é "The affairs of Anatol", onde há mais bom humor na narração das situações em que se envolve o "cavalheiresco" jovem Anatol (interpretado pelo belo Wallace Reid num dos últimos papéis de sua breve carreira), sempre às voltas com a salvação das belas mulheres. Os intertítulos, apesar de continuarem longos, são sarcásticos: "O cavalheiro andante só quer fazer o bem, mas o que sua esposa pensa disso?"; "Se bem que ele não iria querer salvar a moça se ela não fosse tão bonita, e ela não iria querer ser salva se ele não tivesse os ombros tão largos", coisas do tipo. Além disso, as interpretações são
bastante satisfatórias. Gloria faz uma mocinha recém-casada bem engraçada: frívola, tímida, ciumenta. Wallace Reid tem uns trejeitos hilários - destaque para a cena em que ele, depois de ser enganado por uma Dulcineia e abandonado na estrada pela esposa, olha para uns patos ("Greetings, brothers", diz o intertítulo). Bébé Daniels novamente aparece, e é uma das personagens mais interessantes dos silents de DeMille: uma vamp de aparências, que habita um misto de caverna do Drácula e pirâmide do Egito, e tenta vampirizar o bobo Reid no intuito de conseguir o dinheiro para a cirurgia de seu esposo.
No conjunto, a colaboração Gloria/Cecil deixou produções de inegável valor histórico, mas que não são vistas com muito prazer nos dias de hoje. Não me agrada o modo como ele pinta as mulheres: ou bonecas tolas, seduzidas por galanteadores baratos, ou mulheres descaradas, desejosas especialmente de limpar os bolsos dos homens. E pinta de modo grave, quase sempre com o dedo em riste. Por isso, me diverti tanto com Bébé na pele da mulher casada que amava o esposo e para quem o vampirismo era meramente uma carreira artística... Mas, por outro lado, nesses filmes DeMille pôde vestir Gloria com os trajes mais extraordinários do final de 10 e começo de 20. E que, na época, fizeram tremendo sucesso inclusive por aqui. Não posso deixar de pensar o quanto a descrição de uma das personagem do João do Rio teve influência da atriz: "O seu passo tango, o exagero das modas, que lhe davam o aspecto semipersa (...)" (abaixo e acima há uma porção de fotos da atriz usando trajes estravagantes).
Gostei muito de ver esses filmes, que esclarecem a leitura inteligente que Billy Wilder e Gloria Swanson fazem da época - e a leitura irritou DeMille, o qual rompeu relações com Wilder, segundo a trívia hollywoodiana. Mas prefiro Gloria em "Sadie Thompson", (1928) ou então no sonoro "It's tonight or never" (1931). Aliás, sobre este, meu preferidíssimo, ainda falarei futuramente.
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Essas películas exemplificam bastante bem as diretrizes que determinavam o trabalho de DeMille
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Além de acreditar que o casamento deveria durar até que a morte separasse o casal - mesmo que as diferenças já os tivessem separado muito antes -, outra crença alimentada pelo Sr. DeMille é a da estratificação das classes sociais, e isso fica muito claro em "Male and female", conto do mordomo que desejava a patroa rica mas, consciencioso de sua posição social, resolve casar-se com a criadinha sensaborona. O casamento entre a patroa e o empregado - enamorados um do outro - quase acontece. Isso enquanto ambos estão numa ilha deserta, onde vão parar depois que afunda o barco onde estão os ricos, o mordomo e a criada. Lá fundam uma nova sociedade, baseada na habilidade de cada um, e onde, pasmem, é a vez do esbelto mordomo tornar-se rei (literalmente). Só assim, superior à mocinha, ele poderia tê-la. O idílio dura pouco, pois os desaparecidos são resgatados, mas mesmo que não fossem, e que o casamento se consumasse, perduraria a visão machista do Sr. DeMille.
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No conjunto, a colaboração Gloria/Cecil deixou produções de inegável valor histórico, mas que não são vistas com muito prazer nos dias de hoje. Não me agrada o modo como ele pinta as mulheres: ou bonecas tolas, seduzidas por galanteadores baratos, ou mulheres descaradas, desejosas especialmente de limpar os bolsos dos homens. E pinta de modo grave, quase sempre com o dedo em riste. Por isso, me diverti tanto com Bébé na pele da mulher casada que amava o esposo e para quem o vampirismo era meramente uma carreira artística... Mas, por outro lado, nesses filmes DeMille pôde vestir Gloria com os trajes mais extraordinários do final de 10 e começo de 20. E que, na época, fizeram tremendo sucesso inclusive por aqui. Não posso deixar de pensar o quanto a descrição de uma das personagem do João do Rio teve influência da atriz: "O seu passo tango, o exagero das modas, que lhe davam o aspecto semipersa (...)" (abaixo e acima há uma porção de fotos da atriz usando trajes estravagantes).
Gostei muito de ver esses filmes, que esclarecem a leitura inteligente que Billy Wilder e Gloria Swanson fazem da época - e a leitura irritou DeMille, o qual rompeu relações com Wilder, segundo a trívia hollywoodiana. Mas prefiro Gloria em "Sadie Thompson", (1928) ou então no sonoro "It's tonight or never" (1931). Aliás, sobre este, meu preferidíssimo, ainda falarei futuramente.
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6 comentários:
Texto bonito, bem escrito, claro, gostoso de ler.
Gostei da analise que faz sobre as questões morais e de como as mulheres eram vistas.e as questões da mobilidade social Sei que não era a opinião de todos, mas deveria ser a da maioria. Ainda hoje temos pessoas com esses pensamentos. Agora o cinema é mais que a história que ele conta.
beijos
Excelente resenha sobre os filmes pre-code de DeMille com Gloria Swanson. Voce conseguiu captar a essencia do diretor e da sociedade burguesa da época.
Eu ainda acho que DeMille exagerava nas cartelas, algumas sao desnecessarias. Eu acho os curtas de D W Griffith mais inteligentes, onde as imagens captam a essencia do filme sem precisar de cartelas pra cortar a imaginaçao e a emoçao do espectador.
continuando, vc conseguiu extrair algo de util nesses filmes 'bobos', mas que retratam a sociedade burguesa daquela epoca, ou a visao machista vigente, talvez do diretor quem sabe...
Os filmes sao cafonérrimos e repetitivos ao extremo, so valem a pena por causa da Diva Gloria Swanson :)
Meninas, obrigada pelos comentários! DeMille defende de modo muito escolar o status quo burguês, por isso alguns desses filmes soam tão ultrapassados.
Cris, adorei a definição desses filmes que vc postou no orkut. São, mesmo, "cafonérrimos", mas ao mesmo tempo interessantes por retratarem a sociedade burguesa da época.
Minha querida, sensacional postagem! Interessantíssima - Tenho que confessar que NUNCA assisti estes filmes... e de Gloria vi pouquíssimas coisas... Voce agora me inspirou para ir pesquisar...
Beijo
Ricardo
Ricardo, fico feliz que você tenha gostado! Vale a pena ver esses filmes, especialmente pela Gloria, que é chiquérrima! Assista The Affairs os Anatol, que é o mais legal, e depois me conta o que achou!
Bjos
Dani
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