Nas últimas duas ou três semanas estou tomando uma overdose de CSI. Aí, fiz um esforço de deixar um pouco de lado a série e assisti, com imenso prazer, ao magnífico "Los Angeles, cidade proibida" (L.A. Confidential, 1997) - que encontrei depois de uma longa busca nas lojas físicas e virtuais. Só agora percebi a aproximação dos temas das produções...
O contato com "L.A..." foi um reencontro. Um reencontro surpreendente. Certamente, o tanto de filmes que vi desde que o assisti pela primeira vez, aos 15 anos, contribuiu para que ele ganhasse densidade aos meus olhos.
O filme leva-nos à Los Angeles dos anos de 1950. Primeiramente a uma Los Angeles turística, mas a imagem do destino paradisíaco, registrado por uma fotografia brilhante e uma narrativa não menos sedutora pelo repórter sensacionalista Danny De Vito, enquanto soa o vozeirão de Bing Crosby, rapidamente dá lugar a elementos que reforçam a ironia do chamamento da cidade: a jogatina, a violência, a prostituição. E a uma piscadela de olhos: "Alguma coisa precisa ser feita. Mas nada muito original, pois estamos em Hollywood.".
A reportagem do jornalista da Hush-Hush dá a tônica do filme. Todo ele é de um sensacionalismo avassalador - de um sensacionalismo que desnuda as alcovas onde malandragens de toda a sorte são sussurradas e reputações são feitas e desfeitas num piscar de olhos.
Os personagens são levados pelo ritmo da cidade. Russel Crowe desempenha um policial pouco sociável (personagem que captura a essência do astro que tem uma sólida reputação de ogro) com queda para as mulheres frágeis. Todas as mulheres que ele salva são a mãe que ele não pôde salvar quando criança; todos os homens que ele esfola são o pai que matou sua mãe a pancadas, aos olhos do menininho indefeso que ele foi outrora. Guy Pearce é o policial que seguiu a carreira do pai no intuito de vingá-lo, mas rápido é seduzido pela facilidade com que as promoções podem aparecer àqueles que fazem a coisa certa.
Com tantos anseios individuais se sobrepondo às necessidades do Estado, fica claro que o rótulo de "A melhor polícia do mundo" que a instituição tenta vender mantém-se apenas no plano da ficção. Mas, por que não? Não estamos em Hollywood?
A bela Lynn Bracken, interpretada magistralmente por Kim Basinger, serve extremamente bem ao contexto. É uma prostituta de luxo sósia da atriz Veronika Lake. Além do fato de ela fingir-se de alguém também construído por Hollywood - uma personagem deveras insólita... - está o fato de o filme remeter-se ao imaginário da sociedade, que por séculos aproximou as atrizes das prostitutas.
O modo como o personagem de Crowe vê Lynn pela primeira vez é sintomático: ela está envolta num lenço que lhe dá um ar de mistério típico daqueles que o star system hollywoodiano deu às suas estrelas por décadas. O policial não resiste. Como tantos galãs másculos das películas da época, entrega-se romanticamente à moça. Ficção e realidade se misturam no relacionamento, e a bela Lynn, que ele julga muito mais bela que a atriz da qual ela é sósia, cedo vê-se obrigada a interpretar o papel que lhe cabe, deixando o policial à beira da destruição. Aliás, um pendant curioso no modo enviesado como as atrizes foram historicamente tomadas é o fato de o personagem de Guy Pearce tomar a original Lana Turner (essa vai vai especialmente para o Ricardo) por uma prostituta. Abaixo, fotograma da atriz que interpreta Lana em "L.A.", seguido de uma fotografia da original (que peguei emprestada de meu colega blogueiro Mark Clark).
Lana, em 1942, com o namorado Turhan Bey
Já mencionei a canção que abre o filme. Uma sacada de mestre do diretor Curtis Hanson foi inserir nele todo gravações da época. É irônico ver uma Big Band comandada por um crooner famoso (Bing Crosby, Dean Martin, Betty Hutton) conduzindo sucessivas trapaças e violência - lembremo-nos de tantos musicais saltitantes estrelados por Crosby e Dean Martin, e das canções de Jerome Kern e Gus Kahn embalando as estravaganzas de Doris Day e Ginger Rogers. O artifício deu ao filme um teor crítico muito bem-vindo num momento em que, creio, é preciso questionarmos os mitos e olharmos de um modo um pouco mais questionador para a indústria cinematográfica (mesmo que, depois, a gente acabe por cair embasbacado aos pés do/a star de nossa preferência...).
A película recebeu um Oscar de melhor roteiro adaptado, o que demonstra que Hollywood pensa do mesmo modo. Impossível deixarmos de lembrar do desdém que "Crepúsculo dos Deuses" (Sunset Boulevard, 1950) sofreu da Academia por cutucar algumas feridas abertas de Hollywood, e assim, acreditarmos que, de certa forma, Lynn Bracken vingou Norma Desmond. No entanto, tampouco devemos deixar de lado o distanciamento histórico que há entre a película e os fatos narrados, o que suaviza a crítica. Porém, o mais irônico é que o filme tece a crítica espetacularizando a violência. E quem já se deixou prender por séries como CSI sabe quão eficaz é a violência para prender o espectador em frente à tela. Estudiosos dizem que é porque o sangue, a pus, a nudez e demais elementos dessa espécie nos remetem ao que de mais baixo há em nós. Mas isso já é assunto para outro post.