O aniversário de quinze anos de “Titanic” (1997), um dos maiores sucessos de bilheteria da história do cinema, foi comemorado em grande estilo, com o relançamento do filme em 3D em festa que teve novamente como protagonista Kate Winslet – a qual encetou com Leonardo Di Caprio o par romântico responsável por alvoroçar os corações das meninas dos anos 90. A má performance do longa nas salas norte-americanas e brasileiras, malgrado o investimento de dinheiro e tempo na produção da cópia em 3D (a qual teve início em 2005) deixam claro que os tempos são outros. Nem mesmo estratégias assertivas de marketing – que culminaram num lançamento no centenário do naufrágio do navio – deixaram as novas plateias curiosas para conhecerem o romance de Rose e Jack. Tampouco as antigas plateias interessadas em reverem-no e, por meio dele, redescobrirem a ingenuidade dos velhos tempos. Eu, que sou uma hopelessly old fool, não podia deixar de revê-lo – e o fiz junto da amiga com quem o vi pela primeira vez em 1997, quando tínhamos ambas 15 aninhos (e preciso dizer, Paula, como foi especial esse momento!). 
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“Titanic” é pra mim um desses casos de amor inexplicáveis: porque meu fascínio por ele não se deve à profundidade da história narrada, à qualidade de seus diálogos, à trilha sonora ou aos efeitos especiais – exceto pelos efeitos, trata-se, sejamos francos, de um melodrama convencional, de personagens tipificados, diálogos medianos e trilha sonora que rapidamente envelheceu (compreendo Winslet quando ela diz que “My heart will go on” a põe de estômago embrulhado – a música é mesmo de uma pieguice sem tamanho). Mas com quanto prazer não ouvíamos a canção-título, reproduzida de hora em hora nas rádios, entoada pela voz adocicada de Celine Dion e tendo vez por outra ao fundo as vozes apaixonadas do par romântico? E as filas enormes enfrentadas sempre que queríamos revê-lo, naquele tempo pré-download digital (que até a mim parece ter ocorrido na
encarnação passada). E a leitura de seu roteiro baixado da internet discada; a coleção religiosa de seus posters... “Titanic” desde sempre teve para mim gosto de uma adolescência despreocupada que depois tentei fazer reviver algumas vezes, vendo-o em projeções tingidas de nostalgia.
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Mas revisitá-lo na tela grande, quinze anos depois, teve um gosto ainda mais especial. Descobri que minha geração não amou em vão. “Titanic” é um ótimo filme. A despeito da dureza com que o tratei aqui nalgum momento pregresso, caramba, “Titanic” é muito bom, mesmo...
Sim, os personagens são quase todos planos. Mas como isso me incomodou pouco essa semana! Ao contrário: aquela sociedade de aparências da belle époque, em que o status era ostentado à flor da pele, só podia ser retratada a contento se tivesse seus achaques sublinhados, e para isso nada melhor que a tipificação. A mãe aristocrática e sem um tostão que vende a filha para um negociante endinheirado; o noivo rico, esnobe e impositivo, perfeito exemplar de macho daquela sociedade patriarcal que precisaria ainda esperar alguns anos antes de começar a ser sacudida: a aristocracia falida e o novo-rico, os dois elementos do topo da pirâmide social do alvorecer do século XX – quando status valia tanto quanto dinheiro e deviam, de preferência, andar de mãos dadas.
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É a classe tratada com olhos mais carinhosos pelo diretor James Cameron: paira dela um desejo visceral de felicidade, pintado pelas festas regadas à dança e cerveja, pelas brincadeiras escatológicas e pelo riso fácil. Daí sairá o rapaz responsável por salvar a pobre menina rica das garras do status quo. Porém, Rose só merece a salvação porque já está no meio do caminho que separa os dois lugares socialmente marcados: a riqueza do passado lhe abriu as portas do conhecimento crítico que a faz questionar o mundo de aparências em que vive. No mundo criado pela película, o estudo (paradoxalmente) a prepara para ser um personagem da terceira classe, nessa leitura idílica que atribui aos pobres um conhecimento mais intenso de mundo, como se a pobreza dotasse o indivíduo de clarividência. E é também a tinta do idílio que colore o romance de Rose e Jack, reprodução do dueto romântico composto por indivíduos de diferentes classes sociais do qual os melodramaturgos vêm se servindo desde mil oitocentos e bolinha, e os cineastas na esteira deles, desde praticamente o surgimento do cinema.
O par romântico funciona bastante bem. Embora algumas melosidades dispensáveis pontuem a história – de certa forma concorrendo para as piadinhas sobre o filme que circulam na web (O “Do you trust me?/ I trust you” repetido ad nauseam, por exemplo) – ele é composto com uma graça e leveza difícil de vermos nos blockbusters. Ponto para Kate Winslet e Leonardo Di Caprio, àquela altura dois jovens que já nos permitiam vislumbrar os excelentes atores nos quais se transformariam. Winslet, especialmente, que rouba a cena, mais pela luminosidade que ela trouxe de berço junto com o talento que pelos diálogos bobinhos que ela enceta com seu galã.
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O encontro de ambos, do choque à identidade e, finalmente, à explosão amorosa, é construído de modo verossímil e é um gosto de se ver. Algumas cenas são de grande beleza, e aqui me refiro menos à do enlaçamento dos pombinhos na proa do navio – que foi pensada como o encontro romântico por excelência mas hoje me soa algo posada – e mais à cena em que Rose posa para o jovem Jack, ou àquela em que ambos correm pela casa de máquinas do navio, a cauda esvoaçante do vestido rosado de Rose tornando-a romântica como nunca.