“Hitchcock”, de Sacha Gervasi, é outro que presta homenagem ao cinema clássico. Homenagem de qualidade média, é preciso que se diga, malgrado o interesse do assunto escolhido: a carreira de Alfred Hitchcock no final dos anos 50, mais especificamente a faixa de tempo que compreende desde o sucesso de “Intriga Internacional” e até o sucesso retumbante de “Psicose”.
Desnecessário dizer que o filme faz hagiografia. O tema é sagrado demais, e o público-alvo demasiado dado a sacralizações, para que um filme sobre Hitchcock vença o panegírico e mergulhe na humanização do mito...
O original e a cópia |
Falei meses antes sobre o ótimo “Fascinado pela Beleza”, em que Donald Spoto esmiúça a relação conturbada que Hitchcock tinha com o sexo feminino, sobretudo a esposa e muito especialmente as estrelas com as quais trabalhava. Nada disso há neste “Hitchcock”, cujo título tem a pretensão de englobar a universalidade da obra e das personas privada e pública do mestre do suspense.
Hitch aqui é o genial beberrão que apenas intimidava Janet Leigh visando tirar dela a excelência, e que no final das contas amava apaixonadamente sua Alma Reville – prova é o romântico beijo público que Sacha Gervasi faz as personagens do diretor e de sua esposa trocarem no final, enquanto compartilham dos aplausos pelo sucesso de “Psicose”.
Hitchcock (Anthony Hopkins) e Alma Reville (Helen Mirren) |
Trágico que, nesta altura do campeonato, Hollywood ainda tenha de se apoiar no happy end para vender seus produtos. Porque não necessariamente uma leitura do cinema clássico precisa copiar-lhe o epílogo (exemplo claro é “The Master”, que com qualidade relê a época com olhos modernos). O roteiro de “Hitchcock” possibilitava andamentos mais argutos que esse.
Scarlet Johanson, Janet Leigh, na antológica cena do chuveiro |
Exemplo? O Hitch de Hopkins (que está bem como o personagem título, embora eu o tenha achado algo posado nalguns momentos, como se ele fosse o medalhão vivo do biografado) diz: “Em Hollywood, o diretor apenas é tão bom quanto a sua última obra.” E o filme, ao invés de ler a assertiva pela chave dramática, demonstrando o terror que é a necessidade constante de se superar no métier para ser bem considerado, ao invés de dar relevo aos contornos trágicos daquele homem de ego imenso cuja saúde se deteriorava e as relações interpessoais idem, ao invés disso tudo decide por uma abordagem upbeating, que toma Hitch como o homem de visão privilegiada que luta contra tudo e contra todos para ver sua obra-prima na tela branca. Ao fazer isso, a obra acaba por tomar “Psicose” como a maior das obras do diretor, confundindo o seu sucesso de público nos cinemas com a sua qualidade empírica.
Um Hitchcock afável pega carona no carro da estrela |
Não, não estou pintando a anti-imagem de Hithcock – que, diga-se de passagem, para mim é um deus. Porém, desde meu ponto de vista, seria intelectualmente mais estimulante que o público descobrisse a genialidade do homem por si só, ao invés de vê-la ensinada por a + b no correr deste “Hitchcock”.
Mas o filme enfrenta um problema ainda mais sério: sua falta quase que completa de ritmo. Ele é escolar, notamos desde o princípio. Documentalmente escolar, logo perceberemos decepcionados, pois escapa de todas as chances que tem de construir tensão e suspense em prol da mais convencional das narrativas, que soma uma leitura açucarada do relacionamento de Hich com sua senhora e com sua estrela; e que prefere todo o tempo agrupar fatos de pesos semelhantes em detrimento de construir uma narrativa que estabeleça momentos de clímax (coisa que o biografado tão bem sabia fazer).
“Hitchcock” não é um filme ruim, mas não alça grandes voos – tampouco os intenta. É, portanto, esquecível. É óbvio, coisa que Hitchcock não era. Duvido que o diretor aprovasse essa homenagem que lhe prestam, mesmo sendo narcisista como era...
*
Só agora percebo que nada disse sobre Helen Mirren, que desempenha no filme a esposa do diretor. Talvez porque o papel que deram a ela seja apagado demais... Mesmo assim, Mirren está bem, como sempre. Uma pena não terem lhe ampliado as possibilidades de brilhar. Ela certamente não decepcionaria.
6 comentários:
Estou louco para ver esse e o filme da HBO.
Muito boa sua série sobre o Oscar, Dani.
Fiquei animada quando soube que haveria um filme sobre Hitch, ainda mais com os excelentes Hopkins e Helen Mirren. O filme só estreia por aqui no começo de março, por isso só posso dizer por enquanto que a maquiagem ficou muito boa.
Beijos!
Será que vale mesmo a pena? Nao gostei do visual dos atores... lembram demais um dos episódios de "The hours"... E também nao faco parte do fa-clube de Helen Mirren... vao me matar por isso mas, acho-a tao chata e cansativa...
Lê, obrigada, querida! Também gosto muito dos dois atores e fiquei curiosa sobre o filme, mas logo o trailer já me desestimulou. Mas vi-o pra desencargo de consciência, e ele é tudo o que a propaganda anunciava... Na verdade há umas tentativas de inserção de humor na história, com o Hitchcock de Hopkins narrando a vida dele, no início e no final, como ele fazia naquela série que dirigiu por anos a fio. Mas de que adianta essa metalinguagem moderna se a história toda é narrada de um modo mais velho do que andar pra frente?... Quanto à maquiagem você tem toda razão - que semelhança a dos dois, né? Coitado do Hopkins que teve que engordar... isso é uma coisa que maquiagem não faz pelo ator. Infelizmente pra ele...
Bjinhos
Dani
Oi, Ricardo (você voltou, êêêhhh) e Marcelo. Então, eu não costumo desrecomendar filme (só abro uma exceção esse ano para o oscarizável Les Misérables, aborrecido, sem ritmo e cheio de gente a cantar mal - e o tempo todo, o que é pior...), então vejam-no e depois digam o que acharam, se se animarem! Ricardo, não tô no fã-clube da Mirren, então pode se abrir comigo (:D), mas gosto um bocado do trabalho dela.
Bjs, meninos!
Dani
Preciso ver esse filme assim que possível. Adoro o trabalho de Hopkins e ainda mais de Hitchcock.
abraço
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