Conheci Soledad Villamil primeiro em “O segredo de seus olhos”, filme que tanto me encantou que eu o vi três vezes no cinema – e escrevi aqui uma resenha pra lá de passional, como mais de um leitor fez questão de ressaltar. A qualidade do roteiro, a interação impecável entre Soledad e o co-protagonista Ricardo Darin, a direção brilhante de Juan José Campanella: o “Segredo...” me proporcionou uma daquelas revelações que raras vezes tenho nas salas de cinema – embora seja assídua freqüentadora delas; por isso, aplaudi de pé a Academia de Artes Cinematográficas por premiá-lo com o Oscar de Melhor Filme e, assim, permitir sua carreira nas salas de cinema dos quatro cantos do mundo.
O filme também me é especial porque me ofereceu chave de entrada ao cinema argentino, que eu conhecia apenas esparsamente até que Soledad, Darin e Campanella me obrigaram a buscar avidamente suas filmografias. Do percurso pela produção do país vizinho me ficou a percepção de que há nele uma homogeneidade da qual nós infelizmente carecemos. Mas isso é questão para outro post. Neste, quero me concentrar em Soledad. Por um motivo muito simples. Porque a sensibilidade artística, a dedicação ao ofício, a sensatez e a modéstia são coisas que me comovem profundamente. E como é raro encontrar tudo isso num só corpo...
Que Soledad é uma grande atriz apercebe-se tão logo se põe os olhos na sua performance em “O segredo de seus olhos”, no qual ela realiza um tour de force ao interpretar as duas fases da vida da advogada que é objeto de devoção da personagem de Ricardo Darin. Também com o co-protagonismo de Darin e a direção de Campanella, a atriz protagonizou o belíssimo “O mesmo amor, a mesma chuva” (1999), saindo-se igualmente bem num papel menos idílico e que exigia maiores rasgos de emoção. E, pelas mãos de Adrián Caetano, despiu sua faceta romântica e incorporou magistralmente bem a esposa simples de um presidiário no drama-policial “Um oso rojo” (2002) - outro dos grandes filmes de sua carreira. Desde o romance mais rasgado ao realismo mais pungente, não há algo que Soledad não possa fazer ante as câmeras. E além disso, ela ainda canta!
Porém, não vá o leitor incluí-la no rol dos artistas (tão comuns por aqui) que enveredam pelos caminhos da música sem nenhum talento, apenas para promoverem por meio dela suas carreiras na televisão e vice-versa. Soledad é cantora de verdade: sábia na escolha do repertório, afinada, inteligente, dinâmica no palco. Poder-se-ia dizer que ela é uma verdadeira diva, mas não creio que ela, tão modesta, se entusiasmaria com um rótulo assim pomposo. Quem prestigiou os shows que ela fez em Porto Alegre e em São Paulo nos dias 23 e 25 deste mês entendem o que afirmo.
No de São Paulo, no qual estive, Soledad conseguiu materializar no palco a arte pura – aquela que rompe as barreiras da língua, das classes sociais, dos gêneros. Ela começou cativando o público não apenas com sua elegância e beleza, trocando com ele algumas palavras em português quase sem sotaque – prova objetiva da admiração que explicitou ter pelo nosso país. Mas isso adiantaria pouco se não estivesse somado àquela artistry que ela tem e que por certo foi buscar do passado – nos artistas cujas músicas ela escolheu interpretar ou nos grandes cantores da música mundial. Soledad deu ao público o que de melhor tem a oferecer como atriz e como cantora. Sua faceta de atriz compareceu no modo certeiro como que ela contextualizava cada música que iria cantar. Seu talento em engendrar personagens tão dessemelhantes nas telas permitiu-lhe atingir agudamente os sentimentos que cada letra pedia. E seu timbre caía como uma luva nas milongas e nos tangos de outros tempos que ela escolheu trazer ao palco.
Se isso não bastasse, sua qualidade de entertainer perpassou cada um dos minutos da apresentação: na alternância entre canções trágicas e bem-humoradas; na interação sempre inteligente com o público e no interesse que ela conseguiu fomentar para cada uma das canções escolhidas. Não pensei que outra artista, além de Judy Garland, pudesse borboletear com essa leveza e eficácia entre os gêneros e atingir sempre o ápice da emoção estética. Que alegria saber que ainda é possível fruir isso ao vivo. Prova mais aguda disso foi quando ela cantou “Maldigo del Alto Cielo”, canção composta por uma Violeta Parra às vésperas de cometer o suicídio por amor. Sua sublime interpretação – arrebatada e sincera – vivamente emocionou o público (e, pelo que pude perceber, também a cantora). Eu, que sempre procuro manter a compostura quando estou fora de casa, me vi em lágrimas neste e noutros momentos do show. Ao final, como não podia deixar de ser, Soledad foi ovacionada pelo público que ocupava a plateia do SESC Belenzinho – muitos que nunca a haviam visto no cinema ou cantar; outros que não conheciam o espanhol, porém, juraram compreender tudo o que ela dissera: prova enfática de que a língua da emoção é uma só.
Deixo os leitores com o vídeo oficial de Soledad cantando “Maldigo Del alto cielo” e os convido enfaticamente a prestigiarem-na no teatro, no cinema, no Youtube... Nesse nosso tempo de malbarateamento da arte, como estamos precisados de artistas de verdade como ela!
*
As fotos eu emprestei da página da cantora no Facebook.
27 comentários:
Oi, Dani!!!!
Foi até o SESC, ou na volta, que vc teve que caminhar muito???
Estou vendo vc lá aplaudindo de pé o espetáculo...
Realmente não a conhecia mas vi uma entrevista no dia da apresentação com ela... E, claro, dei uma lifa na sua resenha sobre o filme dela onde vc a conheceu...
Dos filmes do darin, tem um que eu sou fã (O Nove Rainhas), acho que já comentei aqui... Vi um outro no cinema mas não curti muito...
Um bjão, espero que curta muita luz aí em Paris... Aguardo ansioso pela sua temporada caroica!!!!
Realmente a moça é puro talento, Dani.
O Falcão Maltês
Oi, meninos!
Edison, eu fui a Sampa no dia do show, fiquei na casa de uma prima e fui de metrô ao SESC - não dá pra enfrentar a cidade de carro na hora do rush. O show foi mesmo muito especial, então, não deixe de vê-la se ela for ao Rio!
Você já me falou sim do "Nove Rainhas", do qual também gosto muito. E "O Filho da Noiva", então? - esse é demais!
Bjos e até logo
Dani
inclusive varios hispanohablantes que viram minhas fotos se revoltaram pois nem tinham ideia que pessoa tao importante estaria em spRealmente o sesc divulga mal seus eventos, quase perdi este shown por simplesmente nao ter um informativo de quem era
Eu não sabia que não tinha havido divulgação, Marcelo. Chato isso, não?
Bjs
Dani
na verdade e uma linha com o nome depois se acham conveniente sai na revista do sesc, o site e pior ainda pessimo de navegar, fui tambem um tempo atras no daniel drexler
Soledad leu o post, circulou-o no Twitter e no Facebook e me mandou pelo Twitter a mensagem abaixo, que preciso deixar registrada aqui:
"@megchristie1 gracias!! es muy emocionante para mí sentir tanta conección con el público brasilero. Un gran abrazo"
Eu, que fico feliz quando recebo qualquer feedback em meu blog, imaginem como não fiquei quando recebi esse! Essa delicadeza dela só faz ressaltar o que eu disse a seu respeito. Soledad, desejo-lhe muitas felicidades e sucesso, e que você continue assim desse jeitinho pra sempre.
Bjs
Dani
Então, Dani... Eu ia só dizer que o filme que assiti no cinema depois de "Nove Rainhas" que gostei tanto com o Ricardo Dartin (vi na TV por assinatura0 é esse mesmo, "O Filho da Noiva"....
Não que eu tenha achado o filme ruim mas o 9 Rainhas deu de 1000... Agora aquio no Rio está em cartaz um outro filme com ele, chama-se "Um Conto Chinês"... A critica gostou, vamos ver se a gente vê quando vc estiver aqui...
Ah, uma coisa meio chata: a temporada da peça do Tim Maia vai ficar em cartaz apenas até o diz 11/set... E reestreará no dia 30/set num teatro maior!!!! Como vc vai estar aqui nesse recesso...
É isso aí, aquele bjão!
Edison
Oi, Edison!
Menino, acho "O filho da noiva" perfeito nos mínimos detalhes: é comovente, engraçado, surpreendente... tudo de bom.
Olha, nosso programa para o "Um conto chinês" está confirmado (então, não o veja antes hein)! Minha orientadora, que é argentina, viu-o por lá faz alguns meses e disse que ele é ótimo. E quem sabe não dá certo de vermos também o musical sobre o Tim Maia?
bjs e até logo.
Dani
Dani;
Pode parecer um crivo de ignorancia. Porém, a minha falta de conhecimento desta atriz e cantora, deve-se exclusivamente à falta de critério de nossos distribuidores, que somente visam cifras, passando para nós apenas o que tem o cinema americano. Já vi muitos filmes franceses, italianos, japoneses e até russos. Isso quando se pensava apenas em arte, em dar ao publico o que existia de melhor no cinema do mundo. Lamentavelmente os tempos são outros. Lamentavelmente!!!
jurandir_lima@bol.com.br
Olá, Jurandir.
Amigo, então essa é a hora de conhecê-la! Veja primeiro "O Segredo de seus olhos" e depois "O mesmo amor, a mesma chuva", ambos distribuídos no Brasil pela Europa Filmes. "Un oso rojo" você encontra pra importar ou, então, na internet.
Abss
Dani
E aí, amiga, de volta? Como foi? guardo post contando tudo.
Beijos
O Falcão Maltês
Oi, Antonio!
Ainda estou por aqui. Pode deixar que logo que voltar dou notícia, não sei se pelo blog - queria participar da homenagem ao Mastroianni; me concentrar nos filmes que ele fez com Sophia Loren, mas isso acho que ficará pra depois que passar o aniversário dele.
Bjs e até mais
Dani
Danielle,
também a partir do "O segredo..." vi todos estes filmes que você citou e me tornei um apaixonado (não é difícil, né? Ela é maravilhosa) pela Soledad. E, recentemente soube que ela também cantava e que viria ao Rio. Estou esperando. Desde então vi alguns videos no youtube e é como você disse: não é alguém querendo se autopromover através da música. Não. Ela canta com paixão.
Vi "O segredo..." duas vezes no cinema e comprei o dvd. Está no top ten da minha lista.
Bjs
Carlos Eduardo
Ah, como eu gostaria de ter ido a este show!
Carlos, que ótimo vê-lo por aqui! Como você, depois que vi o "Segredo..." sucessivas vezes no cinema, comprei o DVD e vi mais algumas; e também vi os outros filmes dela - todinhos, até os difíceis de achar. A Soledad é iluminada. Foi uma pena você não tê-la visto. Espero que ela vá aí pro Rio ou então, da próxima vez você desce à Sampa pra vê-la.
Antonio, da Katharine Hepburn eu sei um pouquinho mais, então vou tentar responder seu quiz dessa vez!
Bjs
Dani
Juro que não a conhecia...
E me surpreendi com o que ouvi... Soa tão natural que encanta!
Gostei daqui...
Sucesso!
;D
Oi, Karla.
Não é mesmo? Procure-a no Youtube e não deixa de ver os filmes dela, especialmente "O Segredo de seus olhos", que é excelente.
Abraços e obrigada pela visita e palavras sobre o blog"
Dani
Oi Dani,
Nossa! Quanta emoção essa cantora esbanja. Gostei bastante. Não a conhecia. Tenho a impressão de que os bons produtos artísticos estão sempre muito bem escondidos. Minto; acho que os meios informativos aos quais estamos habituados é que nos oferecem o que ouvir, o que ver, o que comprar. E o que há de melhor fica nas sombras.De fato, temos é que sempre nos deslocar para descobrir preciosidades. Como vc sempre o faz!
Em novembro vou para Buenos Aires. Quem sabe não acho uns cd's dela lá, porque por aqui ou é inexistente ou está esgotado.
Saudades e muitos beijos
Bruna
Oi, Bruninha!
Você tem toda razão. A indústria cultural faz a gente chorar com a qualidade das coisas que nos impinge. Felizmente ainda há alguns grandes artistas que não nos deixam esquecer o que verdadeiramente a arte.
Em Buenos Aires você certamente encontrará os CDs da Soledad (compre ambos, viu). E quem sabe vocês não conseguem vê-la no palco! E o filme, Bruna, você precisa muito ver.
Bjs, querida.
Dani
Saudades... volte logo à ativa...rs
O Falcão Maltês
Querido, me aguarde que daqui a pouco eu vou aparecer com a Amélie!
Bjos
Dani
Dani, não pare de postar! Eu vi esse post do show e fui ler o post do filme, vou alugá-lo essa semana!
Beijos,
Amanda
Oi, Amanda!
Não vou parar não, fica tranquila !D Estou assoberbada, por isso o próximo post está demorando um pouco para sair, mas logo que eu voltar para casa boto a vida novamente nos eixos...
Quero muito saber o que achou do filme! Eu fui sacudida por ele... Depois que o vir, diga aqui o que achou, hein.
Bjs
Dani
Dani, até me envergonho em dizer que não conhecia Soledad Villamil. Apreciando aos videos surpreendi com que vi e ouvi. Soa com tanta leveza. Vejo que a carreira do magistério me consume e deixo de apreciar tantas coisas bacanas. É lamentável que a vida acadêmica de um que o professor de escola pública seja tão conturbada, não sobrando tempo para apreciar um bom filme, uma boa leitura....Parabéns pelas resenhas. Vc nos enche de conhecimento.
bjs
Renata Fernanda
Oi, Renata.
Então corre lá e vai escutá-la e vê-la! Como a Bruna disse, a indústria cultural nos impõe o que comprar e os maiores tesouros ficam escondidos.
Bjs. Obrigada pelas palavras sempre tão simpáticas!
Dani
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