terça-feira, 30 de junho de 2009

Uma comédia com Lillian Gish: His double life (1933)

Esta será uma postagem curta, considerando que ela está sendo escrita pouco depois de eu ter concluído uma análise algo cuidadosa de Flesh and the Devil (1926) e Salome (1923) para um trabalho acadêmico. Falarei mais sobre isso logo que me recuperar dessa overdose de cinema que tive nesses últimos dias.
Portanto, o post de hoje vem leve, como o sopro de uma brisa, que foi, aliás, o que eu senti ao ver essa comédia com Lillian Gish. Não se trata de um grande filme, mas por certo, de um filme muito agradável de se ver. Ele não apresenta caracteres muito desenvolvidos (até porque isso seria impossível em 68 minutos) e tampouco muito verossímeis (o pintor avesso à publicidade que se finge de morto sem se importar com a herança que deixou aos parentes não é o melhor exemplo de verossimilhança).
Mas ainda assim, o filme é muito simpático. É fantástica a química entre Robert Young, o qual interpreta o artista ingênuo e quase infantil, e a mulher decidida interpretada por Lillian Gish. A jovem tem a mesma resignação de suas heroínas dos clássicos de Griffith, mas aqui ela é dotada de uma resignação risonha, como que uma constatação de que, para a mulher não se decepcionar num relacionamento amoroso, ela certamente deve esperar bem pouco de seu homem...
A apreensão da vida conjugal desse casal apresenta como resultado uma interessante mescla de romantismo e ironia, interessante sobretudo porque um dos lados dessa dupla é aquela que, embora tenha sido uma das maiores atrizes do século XX, hoje está quase esquecida. Aqueles que assistem aos seus dramas se deliciarão com essa comédia.


terça-feira, 23 de junho de 2009

Brindemos a um mundo que pode ser maravilhoso: Holiday (Boêmio Encantador, 1938)


O Boêmio Encantador do título é novamente o Cary Grant, mas para que eu não seja acusada de ser cinéfila de um artista só, preciso explicar que quem me moveu a assistir a esse filme foi a sra. Hepburn, depois d’eu ter sido conduzida por ela a um passeio por sua filmografia. O documentário no qual isso se deu compõe os extras de “Núpcias de Escândalo” (Philadelphia Story, 1940), filme que me fascinou à primeira vista, daí a curiosidade de ver “Holiday”, no qual ela também é dirigida por George Cukor e divide a cena com Grant.
Somava à minha curiosidade o fato de ambas as produções terem sido separadas pelo fosso no qual mergulhou a carreira de Katharine e quase determinou seu abandono das telas, para as quais apenas voltou depois do sucesso que fez nos palcos interpretando a astuta e inflexível (mas nem tanto) herdeira Tracy Lord, sucesso que depois repetiu no cinema naquela que é uma das grandes comédias de todos os tempos.

E que surpresa agradável não tive eu ao encontrar em “Holiday” uma atmosfera tão semelhante à de “Philadelphia Story”: a mesma sensibilidade nas atuações e mesma maestria na direção.
O gosto do público é complicado de se entender – Katharine, aquela que fora considerada box office poison por filmes como “Holiday”, depois foi consagrada fazendo um trabalho bastante parecido...
Aliás, o retorno da estrela ao cinema não foi acompanhado da mudança de norte de sua carreira. Ao contrário, ao se assistir extensivamente à sua produção, observa-se nela uma unidade. A pose ereta, a cabeça erguida, a flexibilidade e o tom de voz tornaram Katharine tão fácil de ser parodiada e, ao mesmo tempo, impossível de ser copiada. E quantas produções não se beneficiaram de sua prosódia peculiar, misto de fala corriqueira, declamação e música, que cooperou para deslocar seus filmes da realidade imediata e os lançou em um mundo que parece tão longínquo e sedutor. E se isso é verdade em “A bill of divorcement” (1932), película que a apresentou ao grande público, na qual interpretava a mocinha assombrada pela aparentemente irrevogável herança paterna – a loucura – tanto mais é verdade em “Holiday”.
Nesta deliciosa comédia romântica, o galã, e os coadjuvantes – entre esses últimos, Edward Everett Horton, num de seus papéis cômicos mais sóbrios – unem-se à musicalidade da voz e dos gestos de Katharine. E o diretor, grande maestro que é, conduz o bailado de modo tão afinado, leve e adorável, que também eu tenho vontade de sair dançando sempre que vejo o filme.
A pobre menina rica é trancafiada num palacete e obrigada a aderir à hipocrisia do meio que a circunda, sofrimento que divide com o infeliz irmão, o qual fora obrigado a seguir a carreira imposta pelo pai. Porém, ela é salva pelo belo e idealista jovem para quem os bens materiais ficam num plano muito distante. Quem nunca ouviu história semelhante? Mas por certo não a ouviu do modo como Katharine Hepburn, Cary Grant, Henry Kolker, Edward Horton, Jean Dixon e George Cukor a contam. Ora, também os contos de fadas são mais que conhecidos, mas “O mágico de Oz” (1939) é único. Também o tema amoroso é um só, e Cole Porter ou Gus Kahn apresentam-no de mil maneiras diferentes. A razão é a mesma para todos, que imprimem um ritmo original e único à obra que criam, que deleita e nos faz querer repetir a dose mais e mais vezes, até memorizar os diálogos, as letras e a melodia.

domingo, 14 de junho de 2009

Outra sandice do Cary Grant: O inventor da mocidade (Monkey Business, 1952)

Quem vir Ginger Rogers, Cary Grant e Marilyn Monroe balançando no mesmo cipó em que se dependura a macaca Esther, imagem que ilustra o cartaz dessa produção da MGM, já saberá o que pode esperar da película. A imagem ficará ainda mais palpável se o leitor notar, lá na parte de baixo do cartaz, o nome do diretor Howard Hawks, responsável por grandes comédias como "Twentieth Century" (1934), "Bringing up baby" (Levada da Breca, 1938) e "His girl friday"(Jejum de Amor, 1940).
Eu não sabia de nada disso quando vi "O inventor da mocidade" pela primeira vez , há alguns anos, quando mal conhecia o Cary Grant e nunca havia visto a Ginger Rogers. Então, recebi com uma grata surpresa as loucuras imaginadas por esse diretor tremendamente ágil e cuidadoso com a disposição das personagens no set, o qual consegue como poucos explorar a veia cômica dos artistas.
A hilariedade é aqui resultado da profunda seriedade com que as personagens a princípio se apresentam. Cary é o cientista consciencioso que busca uma fórmula para minorar os males que vêm com a idade; Ginger, a esposa dedicada; Marilyn, a jovem bela, pouco talentosa em trabalhos burocráticos e sempre disposta a ajudar.
A situação só fica insólita, mesmo, quando uma macacada da macaca Esther é responsável pelo preparo do elixir que o cientista não conseguira desenvolver em dois anos de pesquisa.Com a ingestão desavisada do líquido, as personagens perdem aquela casca de bom senso que são obrigadas a manter ao atingirem a idade adulta, e mergulham em aventuras comumente aceitas aos 20, 10 ou 5 anos. São exemplos disso o corte de cabelo estravagante que o dr. Fulton passa a ostentar, juntamente com a jaqueta listrada e o carro de playboy que compra, ou a súbita ira que a sra. Fulton expressa contra a bela secretária que pespegara um beijo no marido momentos antes - "Vou tirar esses seus cabelos louros pelas raízes pretas"... - beijo com o qual a sóbria senhora não parecera se importar muito antes de ingerir a fórmula.
É óbvio que o filme a todo o tempo tece estereótipos das atitudes comuns às crianças, jovens e adultos, mas isso é feito de um modo tão adorável, e regado por atuações tão perspicazes e diálogos tão inteligentes, que não há como não se deleitar com esses e tantos outros episódios, como a timidez esboçada pela sra. Fulton quando retorna com o esposo ao hotel onde passaram a lua-de-mel, a qual se mistura à agilidade com que a revigorada mulher conduz o cansado esposo pela pista de dança...
Ou então, a violência com que o sério cientista, depois de ter tomado uma overdose da mistura, trata o antigo namorado da esposa...
Para os tristes e oprimidos eu recomendo fortemente essa desopilante comédia, obra-prima do gênero. Garanto que vão rejuvenescer uns 10 anos...

domingo, 7 de junho de 2009

A última fotografia de Greta Garbo (1990)


Aí está ela, aos 84 anos, flagrada antes da última visita que faria ao hospital, de onde não mais sairia. Greta Garbo, Garbo para seus inúmeros fãs – chamamento masculino que parecia tão bem caber à figura independente e forte da atriz. Ou então, simplesmente Greta, para esta brasileira que não cansa de ver seus filmes e trata tudo o que lhe é familiar com a mesma sem-cerimônia.
Greta é a atriz que mais me fascina. O motivo não é difícil de explicar: ela é a metáfora do cinema clássico, e eu sou irremediavelmente apaixonada por ele, como esse blog deixa patente.

A maestria com que Hollywood tomou a desajeitada mocinha sueca e transformou-a no epítome da sedução e do mistério é digna de nota, pois assim como o aparelho que usou para lhe corrigir os dentes e o lápis com que lhe aprofundou o olhar, a indústria do cinema moldou os gestos e atitudes da moça. Greta Gustaffson, a européia plebéia, transformou-se na “Divina Garbo”, que não queria nada além de “To be alone”. A imagem da mulher inatingível que Greta mantinha na imprensa, ao fugir das câmeras, viajar e hospedar-se sob pseudônimos e se recusar a dar entrevistas, encontrava seu eco nas personagens que desempenhava. Que o diga sua entrada em cena no belíssimo “Anna Karenina” (1935), circundada por um manto de névoa o qual transferia à musa a sua efemeridade. E são tantos outros os exemplos: a bailarina de “Grand Hotel” (1932), última personagem a ser apresentada ao público, solitária, melancólica e incompreensível – sintomaticamente, o “I want to be alone” é repetido algumas vezes por ela durante a película; ou Marguerite Gautier da obra prima “A dama das Camélias” (1936), cuidadosamente desvelada ao público enquanto está dentro do coche que a levará até o teatro e até o próximo pretendente.
Ao falar sobre “Ama-me esta noite”, referi-me a uma formulação lapidar de Walter Benjamin, para o qual o artista deve representar-se a si mesmo em cena. Aqui, eu complementaria que esse “eu” colocado defronte aos olhos do público é, antes de tudo, uma criação. Quem sabe como realmente era a menina Gustaffson? O que ficou foi Greta Garbo, a bela, esquiva, sedutora e andrógina Miss Garbo, que raramente era premiada com o amor de seus pares românticos ao final de seus filmes, e que, curiosamente (ou não), viveu, durante toda sua existência, uma vida amorosa complicada e dúbia.
Poder-se-ia dizer que nenhum de nós é senão criação do momento e lugar onde vivemos, mas há algo de sádico que circunda a criação de Greta Garbo e de tantos outros astros e estrelas fabricados pela indústria cinematográfica, especialmente aqueles encarregados de tipos exóticos. Sádico porque esse mundo de faz-de-conta, de sombras numa tela branca, é, paradoxalmente, mais real que o nosso dia-a-dia. Greta sentiu o peso do “eu” que lhe criaram. Esta grande atriz, de uma intensidade dramática impar, temia envelhecer e, assim, perder aquilo que mantinha em pé sua imagem de deusa, imagem sem a qual a Hollywood daqueles tempos supunha não poder viver. No entanto, infelizmente sua maturidade como atriz chegou juntamente com o desgaste do tipo que lhe foi criado, e ela se viu obrigada a abandonar as telas aos 36 anos. Greta viveu mais quase 50 anos, todos eles para negar o “eu” que seus filmes lhe imprimiram – essa fotografia é a prova disso.

A Greta Garbo criada por Hollywood