quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

O cigarro no cinema: 1897-2009


Nem bem amanheceu e a mocinha já está entregue à sua ocupação predileta. Lá está ela em sua negligée, recostada no divã e fumando. "A Morning wiff" ("Uma tragada matutina") diz a legenda da ilustração publicada na St. Paul's Supplement em 27 de abril de 1895. Confesso nunca ter dedicado muito tempo a pensar no papel exercido pelo cigarro na sociedade do final do século XIX e do século XX. Nunca até que minha orientadora Orna Levin (a quem, aliás, dedico a postagem) levantou uma lebre que valia a pena ser perseguida - e eu a perseguiria com mais pertinácia, não tivesse me aventurado por 15 dias num dos trabalhos mais bizarros em que me meti nos últimos tempos. Depois de quase sossobrar, eis-me aqui para tratar do assunto, o que farei, como sempre, en passant - minhas intenções épicas são sempre frustradas pela falta de tempo...
A moçoila da St. Paul não exibiu sozinha este que é, quiçá, o mais condenável hábito dos dias de hoje. Acompanharam-na uma procissão de mulheres, homens e crianças (!), apresentadas pelas empresas de cigarros para comprovarem como este nosso inimigo nº 1 da saúde pública era chique e saboroso. No início de 1920, quando saiu em volume o conto Fumo, da obra "Rosário da Ilusão" (1920), de João do Rio, a imprensa brasileira já havia sido visitada por uma porção dessas pessoas, como pude perceber passeando pelas folhas da época.
Revista Careta, Rio de Janeiro, 27 mar. 1920.



Revista Palcos e Telas, Rio de Janeiro, 27 jun. 1918


Revista Palcos e Telas, Rio de janeiro, 28 mar. 1918.

Na mesma época em que João do Rio dá vida à bituca de cigarro jogada na sarjeta por seu entediado dono - bituca que espirala um belo azul agradecido quando novamente ganha os dedos dele - o afrancesado almofadinha afirma que Son plaisir é ter entre seus dedos um fino cigarro da marca Veado, e até o garotinho sapeca diz não resistir ao cigarro York (e isso poucos dias depois de afirmar que seu pai aconselha que se fume York mesmo que para isso seja preciso andar "roto, mal arranjado, sujo"...). Ao vê-lo, não pude deixar de me lembrar da pré-adolescente Lucy Hill, da comédia de Billy Wilder "The Major and the Minor" (1942), que escondia uma caixa de cigarros debaixo da cama
O cigarro exalou charme por quase 100 anos. Quem, com mais de 25 anos, não se lembra dos belíssimos comerciais do cigarro Hollywood, que somavam rock'n roll e esportes radicais e fechavam com os dizeres: "Hollywood, o sucesso!".





A marca não deixa enganar de onde saiu a inspiração...
Os dedos seguram delicadamente o cigarro, do qual escapa uma fumaça suave que deixa o rosto do artista na semipenumbra. Impossível negar a elegância da linguagem corporal que acompanha o cigarro - mesmo que hoje saibamos de todo o mal gerado pelo seu consumo. Eu, que detesto seu cheiro, olho para a parede de meu quarto e vejo Audrey Hepburn segurando a piteira na legendária fotografia de "Bonequinha de Luxo", ("Breakfast at Tiffanys", 1961) meu retrato preferido da atriz. Hollywood decididamente teve um papel importante na disseminação do hábito. A mesma Ginger Rogers que se servia dos cigarros da pré-adolescente de "Major and the Minor", vinha de brinde com os cigarros Player's. E quanto esses brindes não apareceram nas telas, em filmes como "Ardida como pimenta" ("Calamity Jane", 1953) - em que a fotografia da atriz de revista vira mote para uma discussão protagonizada por Doris Day e Howard Keel -, ou "A Bela ditadora" ("Take me out to the ball game", 1949), em que os personagens de Sinatra e Kelly se gabam por ensinar o verdadeiro espírito americano aos moleques de rua ao dar a eles as fotografias de jogadores de baseball que vinham nas embalagens de cigarro.
Pesquisando a respeito do cigarro no cinema, ri da formulação de Moacir Scliar de que o auge da campanha de marketing para a venda do charuto foi quando Ingrid Bergman apareceu num filme dizendo que adorava seus fumantes. Não me lembro que filme é esse, mas não é difícil recuperarmos Miss Bergman na controversa pose. Vemo-la, por exemplo, em "Arco do Triunfo" ("Arch of the Triumph", 1948), em que ela interpreta uma cantora de um cabaré nublado pela fumaça exalada pelo cigarro. O pôster do filme ressalta a ambiguidade da personagem, que tarde demais acaba por preferir o amor de Charles Boyer ao dinheiro de Charles Laughton.

A verba que a indústria de cigarro injetou no cinema nos anos de 1940 e 50 foi responsável por números contraditórios: financiou uns filmes belíssimos e, por isso mesmo, glamurizou o hábito, incitando muitos a fumar. Décadas antes o cigarro já servia, no cinema, de metáfora para a relação sexual. Em "Flesh and the devil" (1926), Greta Garbo coloca-o entre seus lábios, acende-o e entrega-o ao seu amante. O soprar do fósforo dá lugar ao fade out - nada mais esclarecedor. Em 1933, na "Alegre Divorciada" ("Gay Divorcée"), a personagem de Fred Astaire leva a de Ginger Rogers ao êxtase na sequência Night and Day. Após a dança, ele a deposita no divã com a masculina sensação de dever cumprido (levemente machista, mas não por isso menos divertida) e oferece-lhe um cigarro. Eu não poderia deixar de colocar aqui a cena, primeiro dueto romântico do mais lindo casal de dançarinos da tela.

Outra película que captura o glamour que circunda o cigarro é "A Estranha passageira" ("Now, voyager", 1942), em que a patinha feia tornada cisne Bette Davis recebe do amado Paul Henreid o cigarro que ele mesmo acendera - a antológica sequência do ator acendendo os 2 cigarros tanto ilustra a liberação sexual da até então retraída mulher quanto sublima o ato, já que seu amado era comprometido.

Embora a história do cigarro no cinema remonte à época em que o medium surgiu (e prova disso é o curioso comercial do produto rodado por Edison no fim do século XIX, registrado no livro que acabou de chegar aqui em casa "Silent Movies: the birth of film and the triumph of movie culture, de Peter Kobel e Library of Congress"), é inegável que sua influência na sociedade de consumo tenha aumentado quando os ídolos cinematográficos também passaram a ser consumidos.

O último quadro da propaganda dos cigarros Admiral, rodada por Edison em 1897.

A rebeldia imersa em fumaça de Dean e Brando conseguiu inúmeros seguidores que desejavam se parecer com seus ídolos. Talvez seja por isso que, em 1951, estudiosos da área de saúde começaram a estudar a relação entre o fumo e as doenças. Coincidência ou não, em 1953 a personagem de Cyd Charisse, da "Roda da fortuna" ("The Band Wagon"), recusa o cigarro das mãos de Fred Astaire alegando que "uma dançarina não deve fumar". Cyd, bailarina de formação, confessou que só fumou uma vez na vida, em "Cantando na chuva" ("Singin' in the rain," 1952 ), quando interpretou a sedutora dançarina de cabaré que enreda a personagem de Gene Kelly na sequência Broadway Rhythm. A suposta propaganda antitabagista da "Roda da fortuna" é exceção no cinema, malgrado as contínuas descobertas sobre o malefícios do cigarro. Depois dela surgiram clássicos como "Bonequinha de Luxo", sem falar nos filmes mais recentes - impressionei-me com a presença contundente do cigarro em "Coco antes de Chanel" ("Coco avant Chanel", 2009), que vi no cinema no início desta semana.
Em meados do ano passado, São Paulo aprovou uma lei proibindo o fumo em ambientes públicos fechados. Mesmo hoje em dia, em que fumantes são perseguidos como criminosos, a arma do crime continua circundada por uma aura de fascínio. Por isso, não são poucos os articulistas que se batem contra a divulgação do fumo no cinema, intentando arrastar às telonas a proibição que vigora nas telinhas. Neste caso, o posicionamento talvez deva ser menos restritivista. Por que não exibir em TV aberta o belíssimo "Estranha passageira" - eu o vi pela primeira vez ainda menina na Globo e me apaixonei por ele logo de cara? Por que impedir que personagens acendam um cigarro para explicitarem sua rebeldia? A História atrelou ao cigarro uma imagem de charme, rebeldia e sexualidade - é bobagem negá-lo. Do mesmo modo que as crianças que veem Power Rangers não necessariamente sairão batendo nos pais, ou os jovens que assistem aos "Jogos mortais" não necessariamente brincarão com a vida dos desafetos, assim também aqueles que veem seus ídolos tragando com deleite não se tornarão fumantes. Não dá pra negar que a educação é o melhor caminho pra se evitar que as ilusões da tela se tornem uma realidade devastadora para muitas crianças, jovens e adultos. Lógico que é mais fácil tomar um atalho e recriar a censura no cinema. Porém, isso certamente não é o mais inteligente a se fazer.

* * *

Falei a este respeito no "Estadão Acervo" do dia 31 mai. 2014. Para acessar o programa, clique aqui.

* * *

Ídolos das telas em propagandas (explícitas) de cigarros:


Comecemos com Fred Astaire, que, na "Roda da Fortuna", ouviu da personagem de Cyd que "um dançarino não deve fumar". Aqui, ele divide com Rita Hayworth o anúncio dos cigarros da marca "Chesterfield". Detalhe: eles dançaram juntos no musical "You'll never get lovelier" (1942).

*

Porém, bem antes disso, ainda na passagem do cinema mudo para o falado, Al Johnson, King Vidor e Betty Compson anunciam "Lucky Strike". Todos confirmam: "É torrado. Não irrita a garganta. não dá tosse".

*


Spencer Tracy grita em alto e bom som que cigarros não fazem mal à garganta.

*


Marlene Dietrich nos anos 50: "Testes científicos provam que Lucky Strike é mais suave que qualquer outra marca conhecida!".

*


Hedy Lamarr diz: "Um bom cigarro é como um bom filme - sempre saboroso. É por isso que fumo Luckies!"

*

Linda Darnell convida os consumidores de cigarro a mudarem para "Camels". "Faça o teste por 30 dias... veja você mesmo..."...

*

Essa também era a marca preferida de John Wayne: "Não posso correr o risco de pegar uma irritação na garganta", diz ele, "por isso fumo Camels - eles são suaves". "Nenhum caso de irritação devido ao cigarro", corrobora o anúncio, sacramentado pela delicada mocinha fumando ao lado. Ironia cruel, considerando-se a doença que levou Wayne...

*

O Papai Noel fuma "Pall-Mall" pelo mesmíssimo motivo... Desculpem, não consegui resistir a essa...

*

Comprovando que cigarro e Natal se misturavam na Hollywood clássica, Ronald Reagan diz: "Mandarei Chesterfields para todos os meus amigos. Esse é o Natal mais feliz que qualquer fumante pode ter...". "Compre a bela Caixa-cartão de Natal".

*


Outro Papai Noel fumante. Este prefere "Camel".

*



Joan Crawford
descansa do seu papel no filme Manequim, da MGM, para atuar como a Mamãe Noel" para a Lucky Strike.

*

O cigarro e a guerra se misturam nesta propaganda do "Chesterfield", anunciado por Veronica Lake, Paulette Godard e por uma Claudette Colbert fardada. Diz a propaganda: "Fotografadas no set do novo filme da Paramount 'So proudly we hail' (Saudamos orgulhosas)", de 1943. A história de amor em tempos de guerra ajuda a marca a convidar norte-americanas ao patriotismo: "A América precisa de enfermeiras... Aliste-se agora".

*

Rita Hayworth assina embaixo: "Todos sabem que Chesterfield é minha marca".

*


Gregory Peck também: "Se quer um cigarro Suave que Satisfaça, ele é Chesterfield."

*


Glenn Ford, que atua no "Sr. Delicado", fuma um cigarro que faz juz ao seu personagem: "Fume MEU cigarro... Suave Chesterfield.

*


E Kirk Douglas: "Chesterfields são tão Suaves que deixam um gosto fresco em minha boca".

*


A marca é também a preferida de Arthur Godfrey, Bing Crosby e Perry Como, que cantam em uníssono o ABC de Chesterfield: "São suaves... muito mais suaves... Os melhores cigarros para você fumar.". A ênfase no "muito" carrega uma conotação muito diferente hoje...

*


Lucille Ball começa se juntando ao ABC: "Chesterfield satisfazem completamente. São Suaves - muito mais suaves. É o meu cigarro".

*

Mas depois troca-o por outro maior. "KING SIZE"..., que "supera qualquer outro em SABOR e CONFORTO!". "Sua garganta pode dizer (a garganta de novo...) é Philip Morris".

*


E até chega a ilustrar uma caixa-presente da marca.

*


E por fim, Betty Grable não tem vergonha de contar o que faz quando está com os garotos: "Com os garotos... Chesterfield".

* * *

Meus muitos agradecimentos especialmente à minha amiga Cristina; a http://purviance13.blogspot.com/ e a http://www.emulsioncompulsion.com pelas imagens.

sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

5 filmes de 2009 que você não deve deixar de perder

Continuo aqui o trabalho que iniciei no primeiro post do ano. Porém, esta lista vai na ordem inversa da anterior. Se, na última postagem, apontei os meus "5 mais" de 2009, nesta apresentarei os meus "5 menos", ou, nas palavras de meu pai, os 5 filmes que "não se deve deixar de perder". Antes de começar a descascar o abacaxi, preciso dizer que essa não foi uma tarefa fácil para mim, pois tenho o grave problema de achar que tudo tem algum grau de interesse - mesmo que seja um grau bem pequeno...
Preparem-se, então, para a bomba - que nem será tão mortal assim, considerando que não tive coragem de gastar o dinheiro do cinema com filmes do nível de "Se beber, não case" ("The Hangover").


Vou começar logo com um filme de fim do mundo que achei o fim da picada... É óbvio que não dá pra passar por um crivo muito afiado os filmes-catástrofe hollywoodianos, já que eles objetivam promover uma diversão eletrizante em detrimento da fruição artística. 2012 é exemplo típico desse gênero que é cada vez mais o preferido das plateias, porém, que oferece poucos exemplares de qualidade. Esse é um daqueles filmes que só servem se forem vistos no cinema, já que têm somente qualidades técnicas. E neste, nem a técnica é muito digna de nota. A destruição do planeta é criada de modo tremendamente artificial: as rachaduras do chão que surgem exatamente depois de os protagonistas passarem, algumas escapadas inverossíveis deles (aviões que entram pelo meio de prédios aos pedaços e surgem intactos ao final, etc) - inverossímeis até para o tipo de filme em questão. E o enredo, então, é de meter medo. O herói basicamente foge, foge e foge para salvar a si e à família, reconciliando-se milagrosamente com ela depois do novo marido de sua ex-esposa perecer. A conclusão é risível: um debate pseudo-moralista entre o mocinho e os líderes mundiais para que eles permitam que subam na arca da salvação aqueles que haviam pago 1 bilhão de dólares a cabeça para entrarem nela (kkkk). Um toque tipicamente estadunidense é o fato de a África ser o único continente que permanece em pé (ele até se "eleva") depois da catástrofe. Em "O dia depois de amanhã" ("The day after tomorrow", 2004), foi a América Latina que mereceu a honra de receber os norte-americanos desterrados. Outra característica comum desses filmes: o terceiro mundo sempre termina ganhando um prêmio de consolação...

*

Outro filme-catástrofe cuja execução é tão catastrófica quando o gênero é o "Exterminador do Futuro 4 - A Salvação" ("Terminator - Salvation"). Os dois primeiros são fascinantes até vistos numa TV 14 polegadas. O terceiro só vale a pena porque tem no elenco Arnold Schwarzenegger, o queridíssimo exterminador Hasta la vista, baby (!...). O quarto nem isso tem. A história finalmente viaja ao ponto retratado nos dois primeiros filmes: a organização da resistência para vencer as máquinas que dominaram o mundo. Porém, a boa ideia se perde em meio ao enredo mal das pernas, que desenvolve pouco os elementos que apresenta. Vi o filme no meio do ano e já esqueci boa parte dele. Se o filme é tão facilmente esquecível, é porque ele é descartável, mesmo. Portanto, sigam minha sugestão e deixem-no trilhar sossegado o caminho rumo ao esquecimento.

*


Quando fui ver no cinema"O sequestro no metrô, 1, 2, 3" ("The taking of Pelham, 1, 2, 3"), passei 2 horas engolindo uma das maiores coleções de clichês que já vi. O vilão melodramático (com direito até ao típico bigode de bandido e à - novidade contemporânea - tatuagem assustadora no braço); o herói abnegado, bom marido e bom pai, que não faz questão de destruir a própria honra para salvar um bando de vítimas inocentes; o chefe malvado, desejoso de destruir o herói; o prefeito honestíssimo; o carinha que só diz "Eu te amo" para a namorada quando pensa que vai morrer. Imaginem a xaropada que isso tudo junto dá. O filme não é péssimo, é mediano, cumpre o necessário ao seu gênero. Porém, não faz nada além do estritamente necessário. É um filme de ação igual a tantos outros que a gente vê e rapidamente esquece, então, por que perder tempo vendo mais um? Vale mais a pena alugar bons filmes do gênero, como "Duro de Matar" ("Die hard", 1988) ou "True Lies". O retorno certamente será maior.

*



Vou falar desses 2 em conjunto para não me repetir nas críticas. O cinema nacional mostra que, para o bem ou para o mal, consegue sem problemas se equiparar ao estrangeiro. "Se eu fosse você 2" faz o mesmo que tantos filmes do cinemão norte-americano: procura, na sequência, atingir a qualidade ou, pelo menos, o sucesso do original. E, como grande parte dos filmes norte-americanos, fracassa. "Se eu fosse você" (2006) é um filme divertido. Claro que a premissa é nossa velha conhecida: a troca de identidades já foi explorada em outro filme do gênero, "Sexta-feira muito louca" ("Freaky Friday", com Lindsay Lohan e Jamie Lee Curtis), 3 anos antes. Porém, a sequência não chega nem a ser razoável. Primeiro porque a troca de identidade já não supreende mais, então, ficamos com aquela sensação de déja vu ao vermos Gloria Pires lutando para parar em cima do salto alto ou Tony Ramos se embonecando no shopping. Segundo, por causa da artificialidade geral que paira no filme: o enredo é artificial, o elenco é tremendamente artificial. Vendo o filme, temos a sensação de estarmos assistindo à mais matada novela da Globo. Então, porque ir ao cinema: a televisão custa bem mais barato...
"Eu odeio dia dos namorados"("I hate Valentine's day") é outro filme que respinga canastrice. Um usuário do IMDB chama Nia Vardalos, a diretora-roteirista-atriz, de "a tripla ameaça". Concordo plenamente. O problema é que ela estende a representação forçada à direção e ao roteiro. Os diálogos são muito ruins e a gente chega a ficar envergonhado de ver aqueles olhares que a atriz troca com seu galã. Aqueles que não querem ver uma comédia romântica ser interpretada como uma pantomima circense não devem deixar de perder esse filme! A única coisa que me deixa feliz a respeito dele é o fato de tê-lo visto pela TV - pelo menos, economizei o ingresso do cinema...

quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

5 filmes de 2009 que você não pode deixar de ver

Vou começar o ano pegando carona numa mania que ganha mais adeptos a cada dia - a elaboração de uma lista dos melhores filmes, daqueles que devem ser vistos, etc. Dificilmente conseguiria estabelecer uma lista dos "10 mais" (seria difícil até mesmo selecionar 100), então, vou usar esse primeiro post do ano como uma espécie de balanço de 2009. Não, o objetivo é menos pretencioso ainda: como não sou nenhuma autoridade no assunto, portanto, não tenho a obrigação de percorrer a produção cinematográfica de cada ano de A a Z (graças a Deus), listarei os meus "5 mais" de 2009, aqueles que me fizeram sair do cinema feliz por ter empregado bem o meu tempo. Lá vai!


Não sou muito fã de animações. Fui ver "Up, altas aventuras" (Up) seduzida pela tecnologia 3D e saí da sala apaixonada pelo desenho. Ele não apenas é incrivelmente bem feito, mas é engraçado e tocante. Nele, a velhice, a infância e as relações interpessoais são tomadas de um modo nada idealizado, o que é um alívio, considerando que o cinema de animação normalmente se preocupa especialmente com a técnica, desenvolvendo caracteres e enredos tremendamente convencionais.
Esse é um filme pra crianças e adultos. Os pequenos da sessão que vi viajara
m com o colorido pássaro gigante, e os grandinhos (a maciça maioria...) riram com as tiradas cruéis e não menos verdadeiras do irascível (mas, no fundo, bondoso) velhinho. Aliás, acertaram em cheio ao escolherem Chico Anísio para dublar o solitário idoso que transforma a casa num balão para fugir da internação num asilo. Chico tem o timing da comédia, mas faz tempo que seus programas humorísticos na TV não me entusiasmam. Em "Up", o humor ácido de Pete Docter e Bob Peterson caiu-lhe muito bem, rejuvenecendo seu trabalho. E espero ansiosa pela volta de nosso comediante em filmes tão bons quanto esse!

*

Em 2006, vi "Volver", outro trabalho de Almodóvar em que ele dirige Penélope Cruz, e confesso que fiquei um pouquinho desapontada. Não é que tenha achado o filme ruim, mas julguei que ele não passava do mediano, algo não muito entusiasmador tratando-se de Almodóvar. Agora, "Abraços partidos" ("Los abrazos rotos") é outra história. Nele, Almodóvar somou o amor que nutre por Penélope Cruz e pelo cinema. O diretor conseguiu se aproveitar muito bem do rosto cinematográfico da atriz, que rapidamente se torna bela ou feia dependendo do ângulo da câmera. Criou para ela uma personagem complexa, ambígua: uma secretária de um magnata que se prostitui para salvar o pai moribundo e aspira ser atriz. O sonho de atuar se concretiza quando o roteirista e diretor Mateo Blanco (ou Harry Caine) põe os olhos nela e vê não a secretária prostituta aspirante a atriz, mas sim a grande intérprete na qual ele objetiva transformá-la. À maneira de um Pigmalião, o diretor (não posso deixar de pensar que se trata de um alter-ego de Almodóvar) molda a moça de acordo com os seus anseios, transformando-a numa Audrey Hepburn moderna, repleta daquela ingenuidade bem humorada que a atriz norte-americana nos mostrou em "Bonequinha de luxo" ("Breakfast at Tiffany", 1961) ou em "Como roubar 1 milhão de dólares" ("How to steal a million, 1966). E aí, atriz e diretor mergulham na história dentro da história: a Galateia se apaixona pelo Pigmalião e vice-versa. No desfecho, quando o relacionamento e o filme são destruídos e parece não restar mais nada ao diretor, ele toma os rolos originais e decide reconstruir a película do modo como imaginou a sua criatura, afinal, "Um filme tem que ser totalmente terminado, mesmo que estejamos às escuras". "Abraços partidos" é uma declaração de amor ao cinema e à realidade criada em celuloide - que em muito momentos é tão mais interessante que a vida real. Com certeza merece o ingresso ou a locação.

*

"Bastardos Inglórios" ("Inglorious Basterds") é um típico Tarantino. É eloquente, é sangrento e faz uma desconstrução da História. O recorte temporal é a ocupação nazista na França durante Segunda Guerra, mas isso não passa de ponto de partida para a construção de um enredo que reconstrói os fatos ao seu bel-prazer, oferecendo uma leitura do desfecho da guerra que é o sonho de consumo de grande parte do globo e felizmente pode se materializar em celuloide: Hitler é alvejado pelos "Bastardos" até tornar-se uma massa amorfa. Na verdade, a História apenas tem importância secundária para Tarantino, que joga com o conhecimento cinematográfico do espectador: é o Hitchcock de "Sabotador" ("Saboteur", 1936) que dá à "Bastarda" dona do cinema a lição para que ela assassine um grupo de nazistas dentro da sala de exibições: os rolos de filme não podem ser transportados no ônibus porque são extremamente inflamáveis... Uma ironia é que os nazistas - incluindo Hitler - morrem vendo a premiére de uma película que heroiciza um soldado alemão que trucidou centenas de inimigos. Outra, e ainda mais saborosa, é a intervenção da Bastarda na própria película, onde ela narra como os vilões morrerão. O modo como Tarantino se aproveita dos acontecimentos históricos para fazer cinema é fenomenal! Saí realizada do cinema, onde também tive a oportunidade de ver Brad Pitt num de seus (2) melhores desempenhos (o outro é o personal trainner apalermado de "Queime depois de ler").

*
"(500) dias com ela" ("(500) days of Summer") foi uma agradabilíssima surpresa. Eu estava esperando uma comédia romântica mediana e me deparei com um filme inteligente, que toma o gênero de modo deliciosamente crítico. Logo de saída, filmes como "A última noite de um homem" ("The graduate", 1967) são culpados por plantar ideais românticos na cabecinha do protagonista, inconformado por ter sido chutado pela namorada. À medida em que a narrativa não linear passeia pela vida amorosa do casal, os clichês do gênero vão sendo rompidos. O romântico incurável é o rapaz, e não a moça, que apenas é tocada pelo legendário filme de Dustin Hoffman depois que se apaixona... por outro.
Há aqui uma subversão do gênero. "(500) dias com
ela" não narra a história de um casal que sofrerá percalços para, no final, ser feliz para sempre, e sim a história de um casal que começa feliz (mas não mutuamente apaixonado) e acaba separado. A subversão ocorre igualmente na forma da narrativa. Enquanto os dias de Summer (aliás, a Summer do título original é interpretada por uma atriz não menos radiante, Zooey Deschanel) se desenrolam aos olhos do espectador, ele tem a possibilidade de compreender a complexa mocinha, e perceberá em que momentos a felicidade do casal dá lugar aos questionamentos e à separação. Dias atrás, quando vi esse belo filme em dvd, me arrependi por ter perdido tantas oportunidades de vê-lo na telona.

*

"A mulher invisível" honra a produção nacional de grande circulação. É uma comédia escrachada, o que se pode depreender desde a premissa: um romântico incurável (outro...) mergulha numa profundíssima fossa depois que é abandonado pela esposa e é salvo por um mulherão que só ele consegue ver. Isso motiva uma série de mal-entendidos óbvios mas não menos divertidos: ele briga com o atendente do cinema e com o garçom por desprezarem sua namorada e é tido como louco pelos amigos por estar dando um amasso em... nada... Selton Mello é um dos poucos atores de nosso "cinemão" que não cai em canastrices, e Luana Piovani também não deixa nada a desejar. Ele só descamba quando a cena exige - e está verdadeiramente hilário em algumas delas. Me diverti com as piscadelas de olho do roteiro ao esmiuçar o sofrimento do personagem por não conseguir exibir a namorada aos amigos. Só fiquei um pouco brava na terceira parte, quando o personagem de Selton luta para ter de volta seu "verdadeiro amor" - com o qual, aliás, não tem um décimo da química que há entre ele e Luana.