sexta-feira, 14 de maio de 2010

“O segredo de seus olhos” (2009): Ah, o amor... “That crazy little thing” numa boa lembrança do Oscar 2010.



Nessa semana, voltei ao cinema para rever o filme que vi na semana passada. Como tenho muito menos tempo de ir ao cinema do que gostaria, raramente costumo fazer isso. O porquê de tê-lo feito talvez se explique na voz do beberrão Pablo Sandoval do filme argentino “ El Secreto de sus ojos”, (2009): “Una passión es uma passión”. Melhor não dizer muito mais do que isso mesmo. Agora, mais do que nunca, ando acreditando que o raciocínio lógico pode pouco quando é submetido a um sentimento de empatia que surge de modo quase que inexplicável e toca a alma.
Como explicar “El Secreto de sus ojos”?
É certo que ele não é um filme originalíssimo. Eu poderia listar as razões disso. Para começar, a love story açucarada e algo inverossímil de Irene e Benjamin – um amor à primeira vista, recíproco, mas que só se concretiza depois de 25 anos, é algo aceitável nos folhetins cinematográficos dos anos 40, não no ano de 2010, mesmo que retrate um acontecimento que teve lugar em meados de 1970 - ápice, aliás, da revolução sexual feminina. Aí o leitor me pergunta: mas então essa fantasia adolescente fora de época é dispensável.
Ao contrário. O filme é absolutamente imperdível. Belíssimo e divertido. Um “Aconteceu naquela noite” moderno. Não porque a narrativa dele tenha alguma relação com a película norte-americana. Talvez porque ambos trabalhem um mesmo símbolo. O casal que tem uma química impecável, mas que vive trocando farpas, remete ao arquétipo dos opostos que se atraem.
Lembrei-me do tour de force de Claudete Colbert e Clark Gable enquanto via o filme. Deliciei-me no cinema assistindo a uma comédia física e a um humor refinado bastante tributários das screwball comedies que vejo na sala de minha casa em branco-e-preto e tanto amo. Vê-los na tela grande foi um deleite.
Por outro lado, o filme tem uma visada moderna muito bem vinda. A trama se constrói sobre um caso de violência sexual seguida de assassinato, e isso é pintado com todas as cores, na explícita nudez da moça estuprada, no sangue que lhe empapa o corpo, nas genitálias do estuprador que se trai nas mãos da advogada e agente federal Irene. Entremeiam-na os atos estapafúrdios e ditos cômicos proferidos pelo Don Juan beberrão Sandoval, para a diversão e o desespero de Irene e Benjamin.
É certo que o artifício de se entremear cenas cômicas e dramáticas é velhíssimo – remonta ao menos ao melodrama, para ficarmos nesse gênero tão querido pelo cinema e não nos remetermos às tragédias de Shakespeare ou aos mistérios medievais. Aliás, sua própria idade mostra quão eficiente ele é.
Contudo, quem costuma passar os olhos na produção cinematográfica contemporânea percebe como é difícil tirar rendimento cênico desta receita. “O segredo...” consegue-o magistralmente. A reação do auxiliar de departamento Benjamin quando vê o corpo da morta, segundos depois de ter feito pilhéria sobre a tarefa da qual fora incumbido, é comovente. Seus olhos inquirem os olhos da vítima, sem vida e repletos de perplexidade. Eles o cativam. Sua missão, dali em diante, será ler aquilo que eles tentam dizer. O percurso leva-o ao álbum de fotografias da moça, guardado religiosamente por seu marido, como se os retratos fossem emanação dela, guardassem sua aura. Nos olhos com que um namorado de adolescência da morta a olha, Benjamin encontra a confissão de um crime que ainda estaria por vir.
Apenas Benjamin pode enxergar a confissão do amor no olhar do futuro criminoso passional, pois os olhos com que o próprio Benjamin sempre fitava sua supervisora também o traiam. “Ele olha adorando-a. Seus olhos dizem demais. Melhor seria que se calassem.”, Benjamin relembra a Irene 25 anos depois, também olhando-a no fundo dos olhos, confessando ainda uma vez o que sente. Tão piegas, mas narrado de um modo irresistivelmente bonito...

Os olhos do assassino, os olhos de Benjamin...

O modo como a narrativa é conduzida, aliás, é um dos pontos altos do filme. Os muitos flashbacks dos anos 70 constroem simbolicamente a presença indelével do passado no presente. A história é narrada quase em sua totalidade a partir do ponto de vista do protagonista. O romance sobre o episódio violento, escrito por ele 25 anos após o ocorrido, aponta sua preferência por viver o passado em detrimento do presente. Seu presente é vazio, tão cheio de “nadas” quanto a existência do esposo da moça assassinada (e quanto a existência que este tantas vezes reiterava desejar para o assassino dela). Benjamin revisita o passado lançando nele os olhos do presente. Quando se vê só, resolve desenterrar o caso da jovem professora morta. Não porque precisava lançar luzes sobre ele, mas porque a história passional parecia demasiadamente enlaçada à que vivera com Irene. Revelá-la significava trazer sua própria história de amor à baila, finalmente revelá-la e, quem sabe, modificar o seu desfecho.
Todas essas peças são bem amarradas no final: na coesão da atitude do marido da vítima; nas letras da velha Olivetti desde sempre usada pelo protagonista que finalmente o ajudam a dizer algo que ele temia verbalizar... E as atuações – especialmente de Ricardo Darín; Soledad Villamil e Guillermo Francella - são tão apaixonantes quanto a história. O que eu estou dizendo? São as grandes responsáveis pela história ser tão apaixonante. Vi que a dupla de protagonistas co-atuou noutra película, “El mismo amor, la misma lluvia” (1999), sob a batuta do mesmo diretor Juan José Campanella. Vou vê-lo... É tão bom descobrir caminhos que levam a outros lugares além de Hollywood...
Aliás, a Academia de Artes Cinematográficas premiou a película com o Oscar de melhor filme estrangeiro. Infelizmente pouco posso dizer dos demais concorrentes à categoria, que, pelo que ouvi, arrolou coisas muito mais interessantes que a referente aos títulos da casa. Está mais do que claro que aconselho uma visita ao filme, não?


13 comentários:

Simone Lins disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Simone Lins disse...

Adorei o nome do blog, já vi que vou passar muito por aqui, um lugar para usufruir da maravilha do cinema.
Vou indicar no meu twitter/sifoto

Abraço

Simone

Danielle Crepaldi Carvalho disse...

Oi, Simoni!

Fico feliz que tenha gostado! Adorei seu blog!
Vou gostar de bater papo sobre cinema contigo.

Bjos
Danielle

Alan Raspante disse...

Já faz um bom tempo que passo aqui, mas nunca comento, rs
Estou doido pra ver este filme, mas ele nunca estreia aqui na minha cidade (acho que lá pro dia 20), ele parece ser mesmo bom!
cinemapublico.blogspot.com
Bjs =)

Danielle Crepaldi Carvalho disse...

Oi, Alan,

seu comentário me deixou muito feliz! Que legal saber que você passa por aqui constantemente!

Então, tente ver esse filme. Se não conseguir no cinema, tente encontrá-lo pela internet (se bem que acredito que logo ele estará disponível nas lojas). Você certamente vai ter sua espera recompensada. E depois me conta o que achou, hein! Quero muito saber sua opinião.

Comente mais vezes!

Bjs e até logo
Danielle

angela disse...

Bonita e apaixonada crítica do filme, vou vê-lo com certeza.
beijos

As Tertulías disse...

TEREI QUE VER!!!!!!!!!!

Camila Henriques disse...

O cinema argentino vem produzindo coisas interessantíssimas nos últimos anos. Na verdade, o cinema latino-americano, no geral. Ainda não vi esse filme, mas pela sua rsenha, fiquei bem interessada - ainda mais com a comparação que você traçou entre ele e Aconteceu Naquela Noite, filme que eu adoro.

Lorena F. Pimentel disse...

Já vi que terei que caçá-lo por aqui, parece ser um verdadeiro must-see. Saudades de suas resenhas muito bem elaboradas, Dani.

Bjs

Danielle Crepaldi Carvalho disse...

Oi, queridos!

Fico feliz por tê-los entusiasmado a ver o filme! Vocês não vão se arrepender. Depois me digam se concordam ou não com minha opinião, ok?

Camila, também adoro Aconteceu naquela noite! Vi muitas, muitas screwball comedies. Do cinema argentino confesso que conheço pouco, mas estou me animando muito a conhecê-lo mais.

E, meninas, preciso agradecer suas palavras carinhosas sobre o texto. Fico muito feliz mesmo que tenham gostado!

Bjocas e até logo.
Dani

Danilo Ator disse...

Ainda não vi O Segredo de seus Olhos, espero ver logo. A minha lista de atrizes preferidas você encontra fácil no blog; é só clicar na tag "atrizes"; lá no blog o título das tags é Remissivas, porque sou bibliotecário, rsrsrsr. Está dividido em três partes, ok! pois ficou grandinha a lista.

Amanda disse...

Oi Dani!

Depois de tantos elogios eu não podia deixar de assistir esse filme. Pois bem, obrigada pela dica. Achei o filme uma mistura de elementos que me agradou bastante: o tom policial das investigações, o romance de Irene e Espósito, o sabor das lembranças na vida de um velho que reflete sobre o passado. Eu gostei particularmente das reflexões que Espósito faz ao final, quando se reencontra com Morales: como se vive uma vida vazia? E como a resposta vem certa quando nosso Benjamin decide vigiar o viúvo: não se vive. O filme é cheio de detalhes que não se dizem, se mostram. Muito coerente com a linguagem do olhar, que aparece em tantas cenas, e que não se traduz em palavras. Pensando assim, faz sentido a tradução que fizeram para o título em inglês ("The secret in their eyes"), já que os olhares que guardam segredos são muitos.
Uma excelente recomendação, obrigada!

Beijos,

Amanda

Danielle Crepaldi Carvalho disse...

Olá, Amanda.

Fico contente de ter acertado na dica! O que me levou ao cinema foi também essa mistura de policial e romance, que muito me interessa. No entanto, havia visto apenas o pôster da produção e nada tinha me preparado para o que eu encontraria. Alguns filmes marcam a nossa vida e esse foi um deles.

Embora a história gire em torno de um assassinato e tome como pano de fundo a situação política da Argentina, em primeiro plano está sem dúvida o amor platônico entre Irene e Esposito. E Campanella arrumou um jeito lindo de contá-la, meio tributário do cinema clássico - com aqueles olhos que dizem o que os lábios não podem dizer; conquistando a conivência do espectador e agarrando-o até o desenlace. Numa entrevista, o diretor disse algo como "o único amor verdadeiramente romântico é aquele que não se concretiza", pensamento que vem da escola Romântica e, embora seja belo, é igualmente datado. O diretor e os protagonistas merecem aplausos por terem conseguido dar conta do tema de modo tão eficiente!

Bjs e obrigada por voltar aqui e dar sua impressão do filme.
Dani