sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Nosso Lar (2010): a emergência do cinema de devoção


Para a Telma
responsável pelas horas que passei no Purgatório...


Decidi ver "Nosso Lar", a vedete cinematográfica da temporada, apenas porque fui desafiada por uma amiga - já que mesmo seu trailer era pouco convidativo (e sabemos que os trailers costumam conter o que de melhor há nas produções). Mesmo cética - cética no que tocava à qualidade artística do filme, bem entendido, e não à doutrina espírita, com a qual tenho laços - procurei deixar de lado as ideias pré-concebidas e, munida de um revigorante sorvete de chocolate, fui ao cinema.
Bendito sorvete, que adoçou um pouco aquelas duas horas. Porque, parafraseando Bernard Shaw - como sabem, minha Bíblia teatral - ver aquela exuberante profusão de tudo o que não tem nada a ver com arte dramática foi uma experiência para a qual era impossível estar preparada.

Saindo de lá, perguntei-me porque a crítica não me preparara para o que encontraria. A pergunta, na verdade, foi retórica: "Nosso Lar" é obviamente um vespeiro. Por detrás da produção está uma religião que arrola cada vez mais seguidores, uma lei que garante liberdade religiosa e, sobretudo, Chico Xavier, homem ao qual se volta uma veneração quase que religiosa. Uma crítica sensata à produção, que tomasse como ponto assente a "verdade" que ela encena e se dedicasse a analisar seu valor enquanto obra cinematográfica, certamente acabaria por encontrar como barreira o muro da religião. Os dois milhões de espectadores que foram prestigiar a película - muitos deles devotos, como atesta a comunidade do Orkut destinada à mesma - demonstram-no cabalmente.

Isso considerado, suponho que precisamos, antes de tudo, estabelecer uma divisão entre o tema tratado no filme e a forma como isso ocorre (mesmo sabendo que a obra artística será mais digna de méritos na medida em que ela conseguir aliar as duas instâncias). A religiosidade prescinde de explicações objetivas. A acepção da primeira das três virtudes teológicas, a "fé" - confiança absoluta - nos confirma. A existência do além-túmulo, da reencarnação e na interferência dos mortos no mundo dos vivos são postulados do espiritismo. Ou cremos nisso ou não cremos.
"Nosso Lar" toma esse mundo como objeto. Nossa pergunta ao lê-lo - suponho eu - não deve ser se tal mundo é verdadeiro, mas sim se é verossímil. E isso ele é. Por meio do filme, tomamos contato com o umbral e o Paraíso assim como o espiritismo os vê: aprendemos o que acontece com quem não se comporta corretamente quando está encarnado; descobrimos como funciona uma colônia extra-terrena. Quem já teve contato com qualquer obra espírita que tematiza o além-túmulo provavelmente se lembrará dela ao ver o filme. Eu folheei mentalmente Violetas na janela nas duas horas em que estive na sala de exibição.
Todavia, nossa análise não deve perder de vista a especificidade do objeto artístico. Sim, porque um filme é um filme e não um compêndio de preceitos religiosos - pelo menos é essa a minha opinião. A tarefa de levar às telas a obra de Chico Xavier deveria ser acompanhada de um esforço de plasmar, neste outro suporte, a invulgar importância que têm entre nós este homem e sua obra. Quantos corações aflitos já não foram aquietados pelas cartas dos entes queridos psicografadas por Xavier? E quantos desesperados não encontraram sentido para a vida depois de descobrirem que a morte não era o fim? Impossível negar o poder da fé. Por esse motivo, a obra de Chico Xavier merecia uma leitura menos mambembe do que ela recebeu em "Nosso Lar".


A película está muito aquém da relevância que tem Chico Xavier e a doutrina espírita. Ela é simplesmente insuportável. Queria encontrar uma palavra menos enfática, mas o respeito que tenho para com os meus princípios não me permite. A cenografia é mal-cuidada, os desempenhos são artificiais - até mesmo por parte de Ana Rosa, Werner Schünemann e Othon Bastos, bons atores - e a edição é amadora.
Não sei de quem foi a ideia de carregar na óbvia paleta do azul para colorir o Plano Superior. Ela deu a tudo (ao céu, às casas dos habitantes do Nosso Lar, ao hospital) a desagradabilíssima coloração daqueles azulejos que, no passado, usava-se para revestir os banheiros, ou então da tinta com que se costumava pintar os túmulos. Tudo mortalmente brega e enfadonho, que não convida à entrega, e sim motiva a fuga - e com certeza não é a fuga que a obra de Chico Xavier tenciona motivar.
Os efeitos especiais são risíveis. Não creio que um filme produzido pela Globo tivesse disponível menos recursos para a produção de efeitos críveis do que têm suas telenovelas. Mas, se fosse esse o caso, seria melhor que os "bons fluidos" transmitidos por médicos espirituais aos sofredores fossem despidos de cor ao invés de receberem aquela coloração de limo que não gera nada além de nosso repúdio.
Todas essas instâncias cooperam para dar ao filme um tom professoral altamente pernicioso. Detalhe para o protagonista, que temos de engolir duas vezes, corporeamente e por meio de uma voz off que repete tudo o que seus gestos já dizem. No âmbito cinematográfico, "Nosso Lar" retrocede pelo menos 80 anos, até a alvorada do cinema falado, quando ainda se carecia do equilíbrio entre a fala e os gestos e o público era obrigado a receber a mesma informação pelos olhos e pelos ouvidos. Jamais imaginei que a arte decidisse dar de modo tão categórico um passo para trás.
Surpreendentemente, o desconcertante amadorismo que paira em "Nosso Lar" não se estende para a trilha sonora, composta por Phillip Glass. Ela é grandiosa e tocante. Quando ela soava no cinema, experimentei fechar os olhos e, palavra, senti aquela dimensão superior que o filme tentavam em vão presentificar. No entanto, quando a música é confrontada com as imagens, resta-nos a sensação de estranheza que teríamos ao ver uma folhinha de supermercado dependurada no Louvre entre uma obra de Da Vinci e outra de Botticelli.

"Nosso Lar" obviamente não é uma boa pedida para aqueles que pendem mais para a obra de arte que para a reprodução barata da mesma presente nas folhinhas. Para os religiosos, os Evangelhos continuam a ser os melhores remédios. Para os estetas, recomendo a Divina Comédia, minha Bíblia literária. Abro-a no Canto XIII e me deparo com o habitat dos suicidas, onde o Pietro della Veglia jaz transformado em árvore, pois matara-se após ter injustamente perdido o respeito de seu imperador. Pietro é pungente, humano:

A torpe meretriz, que, a todo o instante
Ao régio paço olhos venais volvendo,
Morte comum, das cortes mal flagrante,
contra mim ódio em todos acendendo,
Por eles acendeu iras de Augusto,
Que honras ledas me tornou em luto horrendo,
Ressentindo-me então do mundo injusto,
Por fugir seus desdéns, buscando a morte,
Comigo iníquo fui eu, que era justo
...
O Inferno de Dante me parece um melhor lugar para passar a Eternidade que o Paraíso de "Nosso Lar".

12 comentários:

Dioni Rodrigues disse...

Ainda não tive a oportunidade de ver o filme .. mas acredito na sua critica!
pelas imagens q se divulgam, cheias de efeitos ,não consigo ligar à obra de André Luiz, que apesar de nos apresentar uma realidade de um outro plano da qual não temos conhecimento, tudo é tratado com muita simplicidade, assim como é o espiritismo. As vezes eu me encomodo bastante com essa história de tecnologia em cinema .. tudo fica muito grandioso, irreal, sem nenhuma naturalidade.. esse é um dos motivos pra eu ser um adorador do cinema clássico, não havia tantos recursos, então não se pode fugir da simplicidade.

parabens pelos post
abraços

Lorena F. Pimentel disse...

Assisti e consegui abstrair o exceto de imaturidade quanto a qualidade cinematográfica e atuações sofríveis,
mas não desconsidero seu ponto de vista.

Abraços.

Camila Henriques disse...

Ainda não assisti "Nosso Lar", então não posso falar muito em relação à história em si, mas entendi perfeitamente o que você quis dizer com esse texto.

Já vi algumas cenas do filme na tevê, e me deu um pingo de vergonha alheia da direção de arte e dos aspectos técnicos. Se esse filme for selecionado pra indicação ao Oscar, vamos matar o cinema brasileiro por terra.

Danielle Crepaldi Carvalho disse...

Olá, meninas!

Dioni, "Nosso Lar" realmente carrega nas tintas com que pinta o plano superior. Enquanto o via lembrava-me da telenovela "A Viagem", em que o Paraíso era um imenso - e lindo - campo verde. Mas, o que estou dizendo, não tem nem como comparar uma produção e outra. Além de ótimas atuações, "A Viagem" não traz aquele tom didático de que "Nosso Lar" está impregnado. O didatismo tão patente do filme lembra aqueles documentários do Telecurso - sem querer ofender o Telecurso...

Lorena, você tem estômago por ter conseguido abstrair dos pontos fracos do filme! Eu sou um tantinho patriótica e não queria ter que constatar que esse filme é um dos mais frágeis dos últimos tempos. Chico Xavier sem dúvida merecia coisa melhor.

Camila, seu sentimento de vergonha alheia define bastante bem o que senti naquele par de horas que passei no cinema. Ninguém pode ser tão insano a ponto de até mesmo cogitar encaminhar o filme à seleção do Oscar. Não depois de produções interessantes como "A morte e a morte de Quincas Berro D'Água" ou "As melhores coisas do mundo". Vamos ficar torcendo para o bom senso falar mais alto!

Queridas, bom restinho de final de semana!

Beijos
Dani

Danilo Ator disse...

Vim aqui lhe agradecer pelas afagadoras palavras sobre Crepúsculo dos Deuses; deparei-me com o comentário sobre Nosso Lar, sempre bem escrito, e as palavras finais me surpreenderam bastante; dizer que prefere o inferno de Dante àquele paraíso do filme foi muito forte, rssrs. Eu não fui ver esse filme ainda, e isso não teve nada com o fato de eu não ser simpático com essa religião, mas sim porque nós que conhecemos um pouco de cinema só pelo trailer podemos ter uma idéia da qualidade dos filmes. Lembro que fui ver A Origem com um amigo e ele comentou sobre o trailer de Nosso Lar "olha só, parece filme americano, cheio de efeitos, deve ser massa". Eu fiquei calado porque meu amigo tem bom coração e não gosto de ser sarcástico com pessoas boas de coração, rsrsr. Sei que a crítica não gostou, mas teve grande bilheteria, se fosse nos EUA teria continuação, kkk. Por falar em continuações, vi hoje no fantástico uma matéria sobre Tropa de Elite 2. Não gostei muito do primeiro (apesar das boas atuações) e gostarei menos do segundo; não faz meu tipo essa brutalidade condizente com a palavra ‘brutal’, ou seja, sem um bom conteúdo. Brutalidade com conteúdo veio com Cidade de Deus, esse sim um senhor filme, com aquela aula de direção que foi aquela longa sequência final começando na festa. As próximas postagens vão continuar com os clássicos; espero que goste. Você já deve te visto o final da lista das atrizes, né? Quero saber se concorda com o primeiro lugar. Para facilitar o contato, deixo aqui meu MSN: daniloator@hotmail.com

Danielle Crepaldi Carvalho disse...

Danilo, adorei seu comentário! Depois de reler minha postagem percebi que eu fui meio ácida, mas não quis modificá-la para que ela não perdesse esse traço de impressão no calor da hora que procuro dar para o que escrevo.

Fico contente que você se divertiu com o texto. Lendo seu comentário, lembrei da distinção fundamental entre o "rir com o filme" e "rir do filme". "Nosso Lar" motiva a segunda reação - talvez por isso minha acidez. Deus me livre viver num Paraíso tão pouco artístico. O Inferno perfeito de Dante motiva muito mais a entrega da sensibilidade que o céu do filminho nacional (que foi, como diria Arthur Azevedo, talhado a golpes de foice...).

Mas nosso modo de entender o cinema passa longe do modo como o entende o espectador desacostumado com produções de fôlego. Nem vale a pena arrolarmos quão diferente é "Nosso lar" de obras-primas como "Crepúsculo dos Deuses", "Casablanca", "Núpcias de Escândalo", "Roma, cidade aberta", etc, etc, etc. Para a massa esse filme é o que há. Ela não sabe o que estão perdendo.

Vi sua lista das atrizes e acho a seleção muito justa. A Bette Davis é sensacional. Não é minha n. 1, mas é uma das preferidas. Minha preferida acho que é a Ingrid Bergman, mas ela fica bem perto da Katharine Hepburn, Audrey e Greta Garbo (e outras mais - tenho uma enorme dificuldade para fazer essas seleções) no ranking.

Aliás, agora que li seu post sobre o Crepúsculo vi que acabei deixando de lado por um tempo o cinema clássico. Faz mais de um mês que comecei a separar fotogramas para um post sobre "Cantando na chuva" mas as produções nacionais não param de me chamar. No próximo post com certeza volto às origens!

Bjos e até mais!
Dani

Telma Iara Mazzocato disse...

Menina, não imaginei que você sofreria tanto! Estou me sentindo culpada.
Sabe, quem não entende de cinema, como eu, sofre bem menos. No geral, achei bonzinho: gostei da história, mas os efeitos visuais deixaram a desejar. Isso, na verdade, não me irrita, porém fica aquela sensação de que pagou demais pelo ingresso do cinema (logo isso passa).
Para quem quer assistir, eu recomendo o livro (que não li, mas imagino que ficará somente a parte "gostei da história").
Dani, pode me indicar um filme ruim pra eu ver... assim ficamos quites, rsrs
;)

Danielle Crepaldi Carvalho disse...

Oie, Telma.

"Bonzinho" é igual "bonitinho" e "simpático" - todos significam o contrário do que parecem. Adorei o "para quem quer assistir, eu recomendo o livro, que não li [mas deve ser melhor]". KKKK, é bem esse o espírito da coisa mesmo!

É verdade que você foi bem malvadinha comigo, mas não sou vingativa (riririrárárá). No entanto, se você insiste mesmo em pagar uma penitência, (des)recomendo "O Golpista do Ano", que deve estar estourando nas locadoras. É do peru...

Bjocas e até logo!
Dani

Danielle Crepaldi Carvalho disse...

Danilo, preciso refazer minhas primeiras considerações sobre “Tropa de Elite 2”.

O trailer vendia um filme bastante alinhado aos blockbusters norte-americanos. Bem, o filme ganha – e muito – do trailer. Ele ultrapassa o primeiro em densidade crítica, pois, ao contrário daquele, não divide claramente mocinhos e bandidos. O cabalístico “sistema” ao qual o trailer se refere é escancarado no filme, numa crítica muito bem vinda à política e à polícia.

E mais, o elenco está todo ótimo – Wagner Moura dá um show (aliás, isso o trailer já deixava claro que ocorreria).

A história peca um pouco pela constante reiteração, por meio das palavras, daquilo que as imagens já mostram. Acho que a voz off podia nos dar licença em vários momentos para que tirássemos nossas próprias conclusões a partir do que víamos – e não seria difícil nós as tirarmos, pois as imagens são bem contundentes.

De todo modo, a estratégia parece ter agradado o público – na sessão que eu vi, o filme foi aplaudido de pé, algo que eu nunca antes presenciei num cinema comercial.

Os prós ganham muito dos contras. Esse é um dos melhores filmes lançados este ano. Vale muito a pena uma visita.

Até mais!
Dani

Danilo Ator disse...

Bem, confesso que nunca gostei de Tropa de Elite, desde os primeiros minutos que “ouvi” umas falas do filme. Meu cunhado comprou o DVD pirata do filme e todos acharam que era um filme tipo meio ficção meio documentário, pois mostrava os “bastidores” do BOPE etc. Eu odiei o texto que vinha da sala (não gosto desse tipo de filme). Depois comecei a ver o filme por conta dos comentários e por causa das piadas, eu sou estudante universitário, então eu mesmo fiz várias piadas com aquela cena em que eles dão na cara do rapaz que diz que é estudante; eu dizia que aonde chegasse ia dizer que era estudante só pra apanhar, kkk. Depois de um bom tempo o filme ficou famoso e entrou nos cinemas, sendo um grande sucesso, mas sempre o achei medíocre em qualidade e intenção, e critiquei esse endeusamento do BOPE, isso sim é ficção de primeira (tomara que o BOPE não leia este blog). Este segundo filme chega com grande preocupação com a pirataria que fez a fama do primeiro. E como você falou, foi uma surpresa sim. O filme é bom, muito superior ao primeiro e não porque diminuiu na truculência, mas porque capricharam no roteiro. É um roteiro à guisa do cinema americano (não que isso seja sinal de qualidade), bem amarrado e com desfecho interessante. Uns fatos e teorias são bem bobos, como aquela conta que o professor de história faz no começo e o fim do tráfico; aquela conta é feita desde que o mundo é mundo e só pode ser observada na teoria, e o tráfico (vício) acabar é uma utopia, até na ficção soa no mínimo ingênuo. Gostei da câmera voando sobre Brasília no final da película, indicando a fonte do MAL. Enfim, gostei do filme, tem ação discreta, bom roteiro, direção mediana e elenco esforçado. Sobre a violência, falei que era menos truculento, mas não menos violento. A violência não vem só de imagens de corpos levando tiros e sangue na tela, mas sim da força de um texto ou do contexto de uma imagem; a cena do bandido arrancando os dentes de um crânio para dificultar o reconhecimento, me pareceu, pela banalidade da ação, muito mais violenta que qualquer cena de tiroteio do primeiro filme. O filme grita com os traficantes, com os políticos, com o sistema e bandidos em geral, os acusa francamente, e sabe qual é o grande absurdo de tudo? Os traficantes, políticos e bandidos em geral, vêem o filme, são fãs, e até torcem pelos mocinhos; ignoram que estão sendo retratados na tela, não acham que é com eles, talvez por não acharem que fazem algo errado na vida real ou então por um cinismo absoluto. Isso acontece muito com as músicas do grupo Racionais, os fãs do grupo, os que mais cantam as músicas, são justamente os acusados nas letras, eles não se dão conta disso, pelo contrário, acham que é um tipo de louvor a tudo que fazem. Você falou da reiteração das palavras; mas querida Danielle, não seja tão rigorosa, kkk, nem todo mundo que tem uma leitura e interpretação de fatos tão boa quanto você; este é um filme para o povão, então eles usam o didatismo aprendido no cinema americano já visando ou imaginando o tipo de público que terão. O didatismo é usado com brilhantismo nos filmes do Tarantino, e se outros realizadores não conseguem alcançar o mesmo brilho, pelo menos houve uma fagulha de boa intenção. Bem, acho que o filme deve ser visto, pois rende bons debates e isso é raro no cinema de hoje. Um grande abraço. As minhas futuras postagens terão dois filmes incríveis: O que Teria Acontecido à Baby Jane? e Quem Tem Medo de Virginia Woolf? Os dois filmes tem em comum a interrogação em seus títulos, revelador, né?...

Danilo Ator disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Danielle Crepaldi Carvalho disse...

Olá, Danilo.

Concordo com tudo que você disse. "Tropa de Elite 2" é um filme muito bom considerando a produção cinematográfica atual, mas não é um filme sensacional considerando a produção mundial.

Também gostei do travelling que vai dar na praça dos três poderes. Triste que a tomada perdeu seu teor dramático devido à narração sobreposta a ela. Ao invés de dizer textualmente qual é a fonte da corrupção - nós já sabemos... - melhor seria dizer cinematograficamente. Durante o tempo em que eu via o filme, fiquei me lembrando de "O Profeta", filme francês que ganhou o grand-prix de Cannes esse ano. As diferenças e semelhanças entre os dois patenteia bem a cisão que há entre o filme comercial e o artístico - foi bom, de todo modo, que no caso de "Tropa de Elite 2" a cisão não se transformou num abismo.

"O Profeta" é sensacional porque equilibra imagens e diálogos de um modo preciso, sugerindo muito mais do que dizendo. Além disso, porque tem um ponto de vista amoral da violência da sociedade francesa: a penitenciária nele mostrada é tão organizada pelo tráfico quando a mostrada em Tropa de Elite, mas no caso do filme francês não há um Capitão Nascimento que redima a sociedade - é uma visão muito mais ácida da sociedade contemporânea, que não mais pode ser salva por um herói porque estão todos corrompidos.

Não podemos esperar esse tipo de leitura de um filme feito no Brasil, país onde o mito do "herói" está mais vivo do que nunca. Por isso o nosso Capitão Nascimento-MacGyver é aplaudido pelo nosso povo tão sedento por mitos. Aliás, confesso que preferia que a personagem de Wagner Moura morresse naquele tiroteio e a história fosse toda contada do ponto de vista do cadáver (como em Sunset Boulevard, hehehe) - isso daria uma crítica muito mais aguda.

Sabe que minha cena preferida é aquela em que o bandido declama um arremedo do monólogo de Hamlet arrancando os dentes do cadáver da repórter? Essa dessacralização da história é altamente tributária do Tarantino - achei o máximo de malvadeza e poesia!

Bjinhos e bom domingo
Dani