Cannes está chegando aos poucos por aqui. Nesta quarta estreou “The Paperboy”, de Lee Daniels, com um Zac Efron finalmente crescido e bastante bem e um Matthew McConaughey e uma Nicole Kidman muito bons e quase que irreconhecíveis: ele porque foi vestido com bastante esmero para o papel do jornalista investigativo que viaja ao sul dos Estados Unidos nos anos de 1960 colhendo evidências no intuito de inocentar o caçador de jacarés (John Cusack) implicado na morte de um xerife racista: está cabeludo, sujo, pouco aprumado e, portanto, bastante eficiente; e ela, porque insiste nas aplicações de botox, que deixa inexpressivo o contorno de seus lábios.
O botox, no entanto, parece ter vindo a calhar neste caso. Nicole é a sulista que deseja esconder seus 40 anos atrás da maquiagem exagerada e do vestuário provocante. Torna-se um arremedo de mulher jovem, o que convém à história.
“Frescor de mocidade” sua personagem efetivamente tem pouco: é mulher esquiva com tara por presidiários. Seu caso com o caçador de jacarés, tocado por correspondência, aproxima-a do jornalista (homossexual), de seu amante negro e do irmão imberbe. Os dois últimos passam a viver com ela um triângulo amoroso pintado com hiper-realismo e alguma inverossimilhança.
Vê-se que sobram histórias em “The Paperboy”. Tal e qual as colunas de um jornal, temas diversos povoam-no. Funciona na economia do jornal, mas não na do filme, onde tudo parece episódico: denúncias de preconceitos vários (a patroa branca que humilha a empregada negra; os homossexuais, perseguidos pelo sexo e pela cor); a investigação do assassinato; a descoberta do “Amor” pelo rapaz; a ética jornalística. Para botar ordem na bagunça entra a empregada negra, contadora da história tempos depois e voz-off do filme. Ela o ordena, mas mesmo assim alguma poeira vai vez por outra fazer barriga debaixo de algum tapete. Isso gera alguns momentos de lassidão imperdoáveis. Só os desculpamos quando, em cena, Nicole Kidman dá voz à estranha fêmea sulista. Mesmo a mal explicada estranheza dela não impede que constatemos o belo trabalho de corpo e voz que ela faz para dar vida ao seu papel.
Rin Tanakashi |
Abbas Kiarostami estava inspirado ao batizar seu “Like someone in love”. Oxalá a inspiração continuasse consigo durante a rodagem do longa... Dois anos atrás, Cannes botou merecidamente em destaque seu “Cópia Fiel” (2010), denso exercício filosófico que deu a Juliette Binoche o prêmio de melhor atriz. Não acompanhei a crítica da Cannes desse ano a este último. Aqui em Paris a imprensa não gostou dele. Moi non plus...
Ryo Kase |
É rodado em japonês e se passa ruas de Tókio e adjacências. Há nele ecos de temáticas já reverberadas em “Cópia Fiel”, como aquela que se refere à relação entre o original e a cópia. Ecos esvaziados, no entanto. Na megalópole, a avó do interior reconhece a neta na fotografia de uma prostituta. Trata-se efetivamente da menina, que nega o fato para a velha, para o namorado, para si mesma – afinal, o retrato pode muito bem ser de outra pessoa, ela mesmo julga-se parecida com todo mundo. Eu tenho para mim que isso é laivo de uma visão eurocêntrica do oriental – o modo como os ocidentais observam o Oriente, o assemelhamento que atribuem a todos os seus habitantes, não se sustenta de fato. Um japonês é mais capaz de distinguir dentre os seus do que nós de distingui-los, em suma. Enfim, do modo como foi posto, o tema não me convenceu.
Tadashi Okuno é o velho acadêmico romântico |
Mas o problema não está só aí. Do ponto de vista cinematográfico “Like someone in love” não é mais inspirador. Temos uma câmera irritantemente inexpressiva a apreender tudo o que passa pela objetiva. Exceto por umas cenas de maior concentração, em que gestos/ música/ enquadramentos cooperam para a construção de sentidos mais densos (a canção-título na voz de Ella Fitzgerald despindo a alma do velho professor quando ele recebe a prostituta pela primeira vez), tudo caminha ao léu. O desfecho, um típico Kiarostami, aberto, só faz coroar a fragilidade dos sentidos construídos. Era assim também em “Cópia Fiel” – mas não se enganem, porque este trazia de fundo uma questão teórica debatida com muito mais contundência ao longo da história.
9 comentários:
Interesantíssima postagem, minha querida! Quero ver The paperboy...
Como vai a vida aí?
Tudo bem? Bem adaptada????
Mande notícias!
Um filme que gostei muito, mas foi pouco valorizado no festival, foi Na Estrada.
Muito bom, Dani! Acompanhar essas estreias em Paris deve ser maravilhoso, muito embora os filmes pareçam ter pecado em alguns pontos.
Beijos!
Ricardo, querido, queria muito te escrever com calma - vou fazer isso logo mais! Queria falar contigo, na verdade, mas estou tendo vários problemas com a internet... Minha conexão está tão fraca que não consigo pegar o Skype, por mais estranho que isso pareça. Vou correr atrás pra resolver isso e aí nos falamos. E você, quando vem pra cá?
Estou adaptada, já. Só preciso resolver ainda umas coisinhas, mas com o tempo tudo se resolve.
Então, The Paperboy é mais interessante do que o filme do Kiarostami, desde meu ponto de vista. Gosto demais da Nicole Kidman na verdade, então procuro vê-la sempre.
Bjinhos
Marcelo, acredita que não vi "Na Estrada"?!...
Lê, querida, fico sempre tão feliz com seus comentários! Eu só estou relapsa na net porque tô com problemas pra ficar online. Mas estou aqui na torcida pelo seu blog na seleção, viu?
Tá, sim, sendo um prazer ver tanto cinema. Em Campinas só há 3 complexos de cinema, e dois só apresentam filmes comerciais...
Bjinhos
Vc está em Paris, Dani? Não sabia. Algum curso? Devo aparecer por aí no final do ano.
Os dois filmes citados não me empolgaram. De qualquer maneira, bom saber que Nicole continua prestigiada.
Abraços.
O Falcão Maltês
Olá, Antonio?
Como não, meu amigo, afinal, você até comentou a minha postagem da exposição "Paris vu par Hollywood". Aliás, se você chegar até meados de dezembro vai conseguir vê-la. E quando vier, não deixa de entrar em contato comigo. Queria muito te conhecer pessoalmente!
Sobre os filmes, o da Nicole está recebendo uma acolhida mais entusiasmada por aqui. Mas é só razoável, por mais cabeça que queira ser...
Bjs
Dani
Tem um selinho esperando por você em meu blog!
Beijos!
Lê, querida, obrigada! Vou lá buscá-lo.
Bjinhos
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