Pont des Arts |
I used to walk everywhere in Paris. Along the Seine, there’s a four-mile walk...
that goes from Isle Saint Germain
to the Pont d’Austerlitz.
It takes you past
all the bridges of Paris...
twenty-three of them.
Quem fala não sou eu. É a Sabrina de Julia Ormond (“Sabrina”, 1995), com a qual já me encontrei seguramente pelo menos cem vezes, e que agora reencontro mentalmente sempre que faço uma dessas long walks por aqui.
Flores num dos marchés do 12e. |
Alimentando as gaivotas do Jardin de Luxembourg |
Paris é cidade talhada à promenade. Os jardins sempre floridos – mesmo com a agora constante queda da temperatura – convida-nos a ganharmos as ruas, assim como os marchés a céu aberto, presentes em todos os quartiers, os estupendos bulevares haussmanianos, triunfos da engenharia de meados do XIX, e as ruelas que os costuram, repletas de marcas de um passado muito recuado. Restos da cidade primordial e medieval ainda perduram na Île de la Cité, como paredes de igrejinhas e árvores quadricentenárias. Saindo dali pela Pont de l’Archevêché, em direção à rue Monge, lá para as bandas do Quartier Latin, o Boulevard Saint Germain quase que dá as mãos às Arénes de Lutece, centro de diversões da Paris (ainda “Lutécia”) do século I - o monumento da cidade moderna a dois passos do monumento da cidade antiga; isto é Paris.
Quem preferir seguir os passos de Sabrina, como eu fiz domingo passado, pode saltar no metrô Gare d’Austerlitz, em direção ao Sena, e caminhar por ele. Nem é preciso de mapa. Cerca de um quilômetro e meio de graciosas lojinhas de livros e postais antigos, de lindas pontes, de weeping willows debruçados sobre o rio, de músicos de rua e de um rio iluminado separam a Pont d’Austerlitz do fim da Île de la Cité. O marco físico é a Pont Neuf, a primeira da cidade. Se mais alguém além de mim desejar conhecer o quartier de Sabrina, é só seguir mais uns 200 metros até depois da Pont des Arts e dobrar a Rue Bonaparte. A primeira travessa à esquerda é a Rue de Beaux Arts, ruela repleta de antiquários. No n. 13, residência da moça, funciona o hotel onde Borges constantemente se hospedava, e onde morreu Oscar Wilde...
13 rue de Beaux Arts |
Sabrina habita Saint Germain, um dos quartiers mais valorizados de Paris, a 500 metros do Boulevard e uns poucos passos mais da Église de Saint Sulpice e do Jardin de Luxembourg. Pergunto-me como a filha do chofer poderia pagar por isso...
"Sabrina" |
Mas continuemos a segui-la, agora até o seu trabalho. Saindo da Rue de Beaux Arts, novamente em direção ao Sena, cruzamos a Île de la Cité pela Pont Neuf, até o Hôtel de Ville – o mesmo em que ainda acontece a exposição “Paris vu par Hollywood”. Uns poucos passos mais pela rue du Rennard e chegamos ao Centre Pompidou, cuja fonte modernosa serviu de cenário para um dos ensaios da Vogue, revista na qual a moça trabalhava. É lá que ela conhece o fotógrafo que a ensina a enxergar Paris pelos olhos da câmera, e a ajuda a reconfigurar o seu olhar para o mundo.
Fonte do Centre Pompidou, hoje |
"Sabrina" |
Sabrina paulatinamente deixa de ser a jovenzinha acanhada que morava sobre a garagem e sobre as árvores dos Larrabees, sempre apartada dos acontecimentos, para se tornar a mulher plenamente imersa na cidade cosmopolita, agora sua passarela, sua tela, seu tema. No ensaio fotográfico que tem como cenário a Tour Eiffel ela já enverga o hábito da parisiense típica, terninho e sapatos pretos e camisa branca, sobriedade e elegância a toda prova. Sob a chuva fina, também tão constante por aqui, preparará o parisianíssimo set para os amantes temas no ensaio: a névoa, o guarda-chuva e a echarpe vermelha solta ao vento – ponto de sedução em meio à reinante sobriedade ambiente. Sob os céus de Paris, a chofer’s daughter encarna cada vez mais as personagens glamourosas que ajuda a produzir para a Vogue.
De volta ao apartamento de Saint Germain, a jovem que aprendera a enquadrar fotograficamente a cidade coloca diante da objetiva o filtro cor-de-rosa de Edith Piaf – que é surpreendentemente o filtro natural de Paris, mesmo de noite, mesmo de madrugada, mesmo sob a névoa desses dias cada vez mais frios.
Across the street, someone is
playing “La Vie en Rose.”. They do it for the tourists...
but I’m always surprised
at how it moves me.
It means seeing life
through rose-colored glasses.
Only in Paris,
where the light is pink...
could that song make sense...
Torre vista da altura da Pont Bir-Hakein |
Sabrina escreve para o pai, mas suas palavras são, agora, também um pouco minhas.
Descobri-me, em Paris, uma exímia escrevinhadora de cartas, uma ouvinte apaixonada de Piaf, uma fã entusiástica das longas promenades – a do domingo passado refez o trajeto do Sena, da Passerelle Simone de Beauvoir, ao lado da Cinemateca, até a Rue des Eaux, um pouco depois da Tour Eiffel, passando por um Jardin de Tuileries em festa, com direito a algodão doce e a roda gigante. 8,5 quilômetros de um rio luminoso e de gente entusiasmada andando de bicicleta, patinetes, patins, a pé.
Quanto meus passos não se devem à “Sabrina”, que vejo religiosamente desde menina, quando a única viagem que podia fazer por Paris era a proporcionada pelo cinema? A cidade vivida em sonho durante tantos anos continua, para mim, a ser uma cidade mais ou menos sonhada, vista com olhos moldados pelo cinema...