sexta-feira, 10 de maio de 2013

Somos tão jovens (2013)

Luminosa esta cinebiografia de Renato Russo (dirigida por Antonio Carlos da Fontoura, roteiro de Victor Atherino e Marcos Bernstein). 
A começar pelo título, extraído do refrão de “Tempo perdido”, balada que funciona como leitmotiv do filme, já que ele escolhe como recorte temporal os anos da formação intelectual/política/artística do garoto brasiliense Renato Manfredini, o Renato Russo. De 1976 a 1982, diz a legenda inicial. O filme, todavia, caminha até 1985, quando seu Legião Urbana apresenta-se pela primeira vez no Rio de Janeiro, no Circo Voador, palco que flagra num só tempo o clímax do périplo dos jovens roqueiros de classe média da cidade de Brasília em busca do reconhecimento artístico, e o pontapé inicial na carreira profissional da lendária banda. 
Renato Russo
Não há nada de original em se recontar a trajetória de sucesso de determinado artista a partir dos momentos determinantes de sua formação, tampouco em fazê-lo linearmente ou em curva ascendente, como faz o filme. A escolha trivial já fora bem aproveitada em “Os filhos de Francisco”, apenas para nos determos no maior sucesso de público da safra recente de cinebiografias nacionais. 
Aplaudível, no entanto, é a escolha de um tom tão em consonância com a faixa temporal e o tema recortados. O filme detém-se nos arroubos tão comuns nessa idade. Pontua-os com pitadas de ironia proferidas sobretudo pelo biografado. 
Thiago Mendonça está excelente na pele de Renato Russo. Sua aparência física com o músico e o timbre semelhante que ele atinge nas canções são potencializados pela leitura inteligente que ele faz do papel. E o roteiro favorece a imersão, pois deixa de lado a mitificação e toca no homem Renato Russo – ou melhor, no jovem Renato, no período angustiante de formação de sua identidade.  
Tão jovens todos nós já fomos. Mas calhou de a juventude de Renato coincidir com os estertores da repressão política no Brasil e com a entrada, no país subdesenvolvido e “jeca” – só pra reverberar o adjetivo venenoso e verdadeiro usado pelo artista no filme –, do punk e do rock and roll de protesto; calhou de a sua geração crescer na novíssima Brasília, cidade parida a fórceps, de tão jovem passado cultural mas onde vicejava uma tão velha política. 
Russo e companhia tinham o mundo para descobrir e, como eram jovens, fizeram-no com uma urgência consonante à idade: devorando as fitas-cassete dos Sex Pistols trazidas pelos filhos dos diplomatas alocados em Brasília e as reportagens publicadas sobre eles nas gazetas estrangeiras; juntando-se em tribos musicais tão variadas quanto efêmeras, a ressoarem influências também variadas e efêmeras, coisas de quem é muito jovem... 
Intervenção dos Sex Pistols na efígie da rainha da Inglaterra
O filme entende bem o grupo do qual fala, e sobre ele debruça-se com um carinho extremo. 
Com pouca condescendência, no entanto, e prova disso é a ironia com que, por exemplo, um Renato em farrapos, recém-iniciado ao punk, diz aos familiares que aquele é seu “novo eu”. “Deixe-me sofrer em paz” e outras melodramatices do gênero são vez por outra repetidas pelo personagem, e com a ênfase oriunda de alguém que observa criticamente o papelão que representa. A voz de Renato alinha-se à voz do filme, e temos como produto um trabalho cheio de frescor. 
“Somos tão jovens” abre-se a uma identificação muito mais ampla que àquela circunscrita à geração do Legião Urbana. 
Eu tinha quatorze anos quando morreu Renato Russo, em 1996. De moleca eu curtia mais o Nirvana e o Guns n’ Roses do que o rock nacional, portanto, sabia pouco e nada daquele grupo que marcara os jovens da segunda metade dos anos 80. Por isso, desacreditei do modo como o filme me comoveu. 
Renato Russo entrou em minha vida junto com a juventude, nos tempos do colegial, quando eu era tão menina quanto o garoto que abre o filme. A morte do artista multiplicou seus seguidores, e em 1997 “Que país é esse” e “Eduardo e Mônica” viraram hinos também da minha geração. “Tempo perdido” também. Naquele momento não havia mais ditadura a se derrubar, mas nas portas do novo milênio a gente ainda via “sujeira pra todo lado”, por isso “Que país é esse” parecia um bom tema para cantarmos em uníssono no fim de 1999, no fecho daquela enorme peça de teatro com que nos despedirmos do Cyrão. 
A foto histórica em frente ao congresso nacional, tendo os
três integrantes do Aborto Elétrico (primeira banda de Russo) à
esquerda e os três integrantes da Plebe Rude à direita
Vivi durante o filme um flashback da juventude. Flashback pouco condescendente, também. Nada como o tempo para vermos as fragilidades estilísticas dos nossos poetas jovens ou o modo por vezes ingênuo ou desinteressante como nós solucionávamos os conflitos dessa fase sacal que é a que está entre a adolescência e a idade adulta. Mas se a voz de Renato Russo ainda gela a minha espinha, mesmo que agora algumas rimas pobres suas firam meus ouvidos, é porque não posso apagar sua relevância, pra mim e minha trupe, naquela fase em que se ter todo o tempo do mundo parecia mais um tormento que uma alegria...

6 comentários:

Marcelo Castro Moraes disse...

A nova onda de filmes sobre cantores tende só aumentar, desde que se mantenha a qualidade.

Edison Eduardo d:-) disse...

Oi, Dani, estou pra assistir o filme esses dias... Eu acho que é um filme "mais do mesmo" e como faz parte de um Brasil recente, tem que ser visto!

Tem um tempão que não venho aqui, legal que continua nos brindando com seus textos, bjos! Edison

Danielle Crepaldi Carvalho disse...

Esse nicho já consegue de saída o público fã das bandas, por isso é que vem sendo tão explorado, Marcelo. O desafio é superar isso e produzir algo interessante.

Pois é, Edison, sempre firme e forte, mesmo que não escrevendo com a constância que eu gostaria. Se vir o filme, passe aqui pra deixar sua opinião sobre ele!

Bjs, meninos.
Dani

Jefferson C. Vendrame disse...

Estou curioso para ver SOMOS TÃO JOVENS, andei lendo diversas críticas sobre ele e notei que o mesmo tem dividido opiniões...
Provavelmente nesse final de semana irei assisti-lo, é aguardar para ver!
Em suma, uma cinebiografia do mito R. Russo, Há Tempos já deveria ter sido feita, levando em consideração o talento e o legado que o cantor nos deixou!

Grande Abraço!

ANTONIO NAHUD disse...

Ainda não, mas estou curioso.

cumprimentos cinéfilos.

O Falcão Maltês

J. BRUNO disse...

Danielle, eu ainda não tive oportunidade de assistir ao filme, mas acredito que eu provavelmente sentirei o mesmo que você. Eu também não fiz parte desta geração, quando o Renato morreu eu estava com 09 anos e só uns três anos depois eu fui a Legião Urbana, eu gostava à princípio, mas à medida que eu era tomado pela minha própria rebeldia juvenil, eu me afastava da turma de Brasília e buscava algum tipo de identificação com a cena punk paulista, do mesmo período. Tempos depois eu redescobri o Legião, a fase da rebeldia cega já tinha passado e só então eu conseguia perceber nas letras do Renato coisas que até então eu nem imaginava encontrar lá... e é legal perceber nas músicas o amadurecimento, este processo tão difícil, que o filme aparenta retratar tão bem... Ótimo texto querida! Beijos