A relação considera as obras lançadas ao longo do ano no Brasil, em circuito comercial, e é, obviamente, fruto de minha observação pessoal (estive longe de ver tudo o que entrou em cartaz no ano...). Os eventuais links enviam o leitor para os posts do blog correspondentes aos filmes. Notas breves apresentam aqueles ainda não resenhados.
1- Vocês ainda não viram nada! (“Vous n’avez encore rien vu”, Alan Resnais, França, 2012)
2- Gravidade ("Gravity", Alfonso Cuarón, EUA, 2013)
3- Branca de neve ("Blancanieves", Pablo Berger, Espanha, 2013)
"O Artista" (2011), retomada moderna do cinema silencioso, deixou muita gente embasbacada por aquela arte. Porém, o grande momento dessa febre vintage eu penso que seja "Blancanieves", fantasia infantil vestida em branco e preto e de carregado tom dramático saída da batuta de Pablo Berger. O diretor mostra-se não só um exímio continuador dos grandes artistas da cena muda, a exemplo de Murnau - pelo requinte com que constrói visualmente a história - como um brilhante fabulista. Sua Branca de Neve (o roteiro também é de sua autoria) bebe tanto da fonte literária quanto da produção cinematográfica que lhe antecedeu. Jogos de luzes e sombras e enquadramentos (fugazes e dramáticos) lembram a obra do criador de "Aurora". Já o enredo recupera outro momento - mais recente, igualmente brilhante - do cinema: Nas errâncias de Branca de Neve após sua fuga do jugo da madrasta faz-se presente o mote de "Fale com ela" (2002), de Almodóvar, onde igualmente há homenagem ao cinema silencioso: o membro da trupe dos toureadores que ama a mocinha em coma acalenta o seu silêncio - como nós acalentamos o silêncio prenhe de sentido dos filmes mudos.
4- Azul é a cor mais quente ("La vie d’Adèle", Abdellatif Kechiche, França, 2013)
5- O som ao redor (Kleber Mendonça Filho, Brasil, 2013)
Filme brasileiro que mais burburinho causou ao longo do ano, "O som ao redor" narra o cotidiano de um bairro de classe média do Recife por meio de um sofisticado exercício técnico. A banda sonora exerce papel preponderante, como o título faz anunciar. A qualidade da obra se apresenta logo na cena que a abre, no plano-sequência que percorre visualmente a área comum de um edifício, atravessada pelos ruídos que emergem de dentro e fora de seus muros - surgindo, entrecortando-se, calando-se à medida em que a câmera circula. As personagens seguem a trilha da exasperação anunciada pelo barulho circundante: Cachorros irrequietos, britadeiras, estilhaços, mesmo o ruído aparentemente calmante de uma cachoeira penetram-lhes os ossos. Os fios lançados ao longo da trama, através do preponderante uso expressionista do som, culminam na costura de um thriller tão local quanto universal. "O som ao redor" é o nosso concorrente ao Oscar de melhor filme estrangeiro deste ano. Tenho uma impressão muito forte de que ele ficará entre os 5 finalistas.
Ozon une-se novamente ao fabuloso Fabrice Luchini (a quem dirigiu recentemente em "Potiche") para narrar a história do professor de Liceu enredado nas teias da novela escrita pelo aluno-prodígio Claude Garcia (Ernst Umhauer). Ficção e realidade se interpenetram num perigoso crescendo: à medida em que o aluno, com a ajuda do professor, vai refinando sua escrita, seu lugar dentro da família que ele resolve retratar desloca-se do posto de observador para o de ator. Claude deseja a onisciência, mas também quer-se narrador-personagem, daí a bisbilhotar de modo cada vez mais assertivo a vida da família, a interferir de forma crescente em seu dia-a-dia... Essa tragicomédia com cheiro de thriller traz também no elenco outro primor de atriz, Kristin Scott Thomas.
8- O amante da rainha ("En kongelig affære”, Nikolaj Arcel, Dinamarca, 2012)
O cinema dinamarquês ganhou protagonismo na Europa em 2012 depois que o ótimo Mads Mikkelsen arrebatou o prêmio de Melhor Ator em Cannes com "A Caça" (de Thomas Vinterberg, história do professor do jardim de infância injustamente acusado de pedofilia). "O Amante da Rainha" rodou o circuito europeu em seguida e mostrou ao público o ator versátil que ele é. Mikkelsen interpreta o médico do rei louco Christian VII que se envolve amorosamente com a rainha e, graças à confiança inabalável que o monarca deposita nele, acaba adquirindo foros de governança, imprimindo ideais iluministas à atrasada Dinamarca. A película é interessante não apenas porque os quiproquós têm lastro histórico, mas sobretudo pela belíssima fotografia, a competente reconstituição de época (séc. XVIII) e - sobretudo - a química entre Mikkensen e Alicia Vikkander.
Um típico Tarantino, "Django livre" lança mão de referências pop, de grande elenco e de muito sangue para contar a história do escravo em busca da liberdade para si e sua esposa. Ajuda-o o dentista Dr. King Schultz - Christoph Waltz, brilhante num papel de "mocinho" depois de seu memorável nazista arquetípico de "Bastardos Inglórios", o filme anterior de Tarantino). A inversão de papéis segue com a escalação do cada vez melhor Leonardo Di Caprio como Calvin Candie, o sanguinário fazendeiro que tem a posse da esposa de Django. Pontuado por ironia, o filme fecha com uma brilhante sequência que carrega na sátira à arrebicada nobreza francesa, molde para a alta-sociedade americana do século XIX. No entanto, todo o empolamento desce pelo ralo quando a saraivada de balas começa...
10- Frances Ha (Noah Baumbach, EUA, 2012)
Não é só o branco e preto e a corrida desembestada da mocinha pelas ruas de New York que nos fazem aproximar o luminoso "Frances Ha" de "Manhattan", obra-prima de Woody Allen. A protagonista do longa de Baumbach (Greta Gerwig, co-roteirista da história junto com o diretor) também é uma apaixonada pela cidade. Com a diferença de que a visada irônica de Allen é aqui substituída por uma doçura ingênua que se casa perfeitamente à protagonista, jovem aspirante a dançarina sem brilho particular que tenta se descobrir na vida afetiva e profissional. A câmera segue as andanças (e os bailados...) da mocinha pelas ruas da cidade, dividindo seus descaminhos por meio de intertítulos que lembram a organização de um filme silencioso, e aborda com uma suavidade matreira seus altos e baixos - mesmo ao final, e prova disso é a sequência que encerra o périplo da jovem, quando ela finalmente consegue colocar seu nome na porta de seu apartamento próprio e, simbolicamente, acabar de construir a sua identidade.
4 comentários:
Caramba, a maioria dos filmes citados por você eu não assisti! Quando for locar um filme, vou atras desses! Em relaçao a "o artista", eu achei um filme excelente, e olha que não sou adepta ao cinema mudo rsrs Gostei muito de Gravidade, também! Jango também prendeu minha atenção mas, como voce mesma disse, tem muito sangue! rs
Oi, Maira!
Esses filmes valem bastante a pena, na minha opinião. "O Artista" é fofo, mas "Branca de neve" avança muito mais do que ele na abordagem da estética do cinema silencioso. "O Artista", no entanto, fez muita gente desacostumada ao cinema silencioso ficar curiosa pra conhecê-lo. Por isso ele já tem seu valor.
Imaginei que vc fosse gostar de Gravidade". E Django é isso, mesmo. Mas Tarantino consegue ser irônico até dando um banho de sangue em frente às câmeras...
Bjs
Dani
"O Som Ao Redor" é um filme amador, com uma história onde pouco acontece. É como deixar uma câmara ligada dentro de uma casa de pessoas com depressão. Só salva-se a explicação final para o filme. E sendo patrocinado por Estatais, está óbvio que o filme não tem público que o sustente, ou seja, é apenas um delírio do diretor. Ruim e pretencioso.
Olá.
Não sabia desses detalhes referentes à produção e circulação de "Som ao redor". Acho-o, sim, um grande filme, cujas pretensões são todas realizadas. Mas também não dá para negar que se trata de um filme difícil e que não agrada a todos.
Abraços
Danielle
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