sábado, 11 de julho de 2015

“Minha Querida Dama” (2014)

A comédia romântica não morreu – é o que percebemos tão logo passamos os olhos por “Minha Querida Dama” (“My Old Lady”), um digno produto do gênero que arrebanhou legiões aos cinemas dos anos 90, iluminado por graciosidades como Meg Ryan (que é dela?), e que nos últimos tempos imiscuiu-se ao thriller-pipoca (ou ao drama-pipoca) para entreter as plateias adolescentes (definitivamente já passei da idade de “Crepúsculos”, “Escrito nas Estrelas” e companhia ilimitada). 
O diretor Israel Horovitz – também autor do roteiro e da peça teatral da qual ele é oriundo – comanda, aqui, uma trinca de ouro: Kevin Kline (Mathias Gold), Kristin Scott Thomas (Chloé Girard), e Maggie Smith (Mathilde Girard). Todos, na melhor forma.  

O enredo é repleto das peripécias inerentes ao gênero: Kline viaja à Paris no intuito de tomar posse da única herança que o pai lhe deixara, um casarão situado no coração da Cidade-Luz – necessitado de reforma, sim, porém, imenso, ajardinado, um daqueles imóveis cujos valores se multiplicaram esponencialmente graças à especulação imobiliária dos últimos anos. Uma herança não desprezível para o tipo looser, que chegara à maturidade sem nada nem ninguém para chamar de seu. 
No entanto, a herança se revelará um presente de grego, tão logo Mathias Gold percebe que seu pai adquirira o casarão por meio de uma transação truncada, segundo a qual ele deveria pagar prestações mensais à vendedora, enquanto (e apenas enquanto) ela vivesse. O problema é que, cinquenta anos após a formalização do negócio, Mathilde Girard, a vendedora em questão, ainda permanecia lépida e faceira, malgrados os seus 90 anos passados. A capitalização da herança não podendo se formalizar, o empobrecido Mathias Gold vê-se preso no mausoléu com a velhinha e a sua filha, obrigado, ainda, a pagar-lhes as tais prestações por meio das quais ele poderia, um dia, vir a ser dono do local. 
Acabei de espalhar uma série de spoilers que não parará por aí. Filmes como esse, sem grandes revoluções estéticas plano formal, sustentam-se em grande medida pelo cuidado com a amarração do entrecho e pelo carisma dos atores principais. 
Neste gênero de filmes, o herói de moldes Românticos (portanto, no qual se misturam faltas e virtudes) pena para subir a ladeira pedregosa rumo à elevação espiritual. Kevin Kline conduz a sua personagem com uma delicadeza comovente – é aplaudível quando um ator se entrega com tamanha hombridade a desvarios melodramáticos que historicamente são talhados às personagens femininas. Ele alça voo porque tem ao seu lado a ótima Kristin Scott Thomas: espelho invertido do herói, a quem as vicissitudes do destino transformam em sua meia-irmã de alma (e de outras coisas mais). Juntos, Kline e Thomas dão-nos a nostalgia do casal Meg Ryan e Tom Hanks. 
A história é agridoce. A fixação do eixo da trama em Maggie Smith atesta simbolicamente que o gênero envelheceu. O par romântico principal não esconde as suas rugas – elogiada por Mathias, Chloé afirma: “Eu não sou bonita. Eu sou quase uma velha.” É impossível não notarmos as marcas que a passagem o tempo deixou no rosto de Kristin Scott Thomas, ao contrapomo-la à sua etérea heroína de “O Paciente Inglês” (Anthony Minghella, 1996). Do mesmo modo, o grisalho Mathias, de barba sempre por fazer, passa anos-luz ao largo do bigodudo imponente que enreda Meg Ryan em “Surpresas do Coração” (Lawrence Kasdan, 1995) – comédia romântica que foi enterrada junto com a década de 90. E o que dizer, então, de Maggie Smith? Nossos ídolos das telas, imagens projetadas de nós mesmos, envelhecem como nós. 
A passagem do tempo é inexorável. Só os tolos a floreiam. Embora emoldurado pelas convenções do gênero, “Minha Querida Dama” tem o mérito de iluminar os dilemas daqueles que chegaram à maturidade sem realizar o ideal de “realização pessoal” que a civilização ocidental ferinamente apregoa. Sem, todavia, entregar-se ao desespero. Embora muito possa nos faltar, ainda restam os amigos, os diálogos surpreendentemente reveladores. E Paris... A sequência metonímica do filme é, para mim, o dueto operístico que a personagem de Kevin Kline, passada a tempestade, trava com uma soprano desconhecida, às margens do Sena. Há muitos modos de exacerbar a felicidade, mas não há nenhum melhor do que este em Paris, onde as ruas soam como música.

3 comentários:

ANTONIO NAHUD disse...

Belo texto, Dani. Senti que iria gostar dessa comédia, agora tá confirmado. Verei em breve. Principalmente por Maggie Smith. Bjs

Danielle Crepaldi Carvalho disse...

Obrigada, Antonio!
Veja-o, você vai gostar. Aliás, preciso dizer que adorei as suas "Confissões". Adorei! Espero conseguir escrever algo sobre elas.

Bjos
Dani

Unknown disse...

seu blog é perfeito, parabéns, cheio de detalhes, imagens,completo adorei
muito sucesso.


http://spoilermania.blogspot.com/