Preciso entrar no coro dos que estão louvando "Toy Story 3", animação da Pixar que consegue a proeza de repetir o volume 1 em graça e qualidade - aqueles que viram o um-tanto-quanto-frustrante "Shrek para sempre" sabem o quanto isso é difícil.
Apenas conheci a série esse ano, por ocasião de seu relançamento em 3D nos cinemas. Quando a animação que deu origem à série estreou nas salas de exibição, em 1995, a mocinha aqui era uma típica adolescente de 13 anos que se julgava crescida demais para ver desenhos animados. Tanto que, um ano depois, não conseguiu ver 2 minutos da película pela televisão - "Uma história que tematiza a vida de um baú de brinquedos! Que bobagem.". Felizmente a adolescente ganhou uns aninhos - e, o principal, uma dose de senso de humor - e teve a chance de experimentar na telona essa história que é, de longe, uma das mais criativas e sensacionais do cinema.
Que ideia genial criar uma história cujo tema é a vida de um baú de brinquedos! "Toy Story" tem tudo para agradar todas as faixas etárias. Poucas coisas são tão universais quanto o ímpeto da criança de fantasiar. Uma bola de meia torna-se bola de futebol profissional, e o menino peladista da várzea julga-se o Ronaldinho Gaúcho; a boneca em forma de bebê vira a criança que tem nome, certidão de nascimento, um armário de roupas e até ganha festas de aniversário. Qual é a criança que não brinca - e quão importantes não são essas brincadeiras para a construção do eu-social das crianças. Estava faltando alguém que contasse as histórias desses heróis de brinquedo...
A responsabilidade ficou a cargo de uma equipe de escritores e roteiristas cujos nomes pouco fazem sentido para mim, que acabei de ingressar no mundo maravilhoso das animações, portanto, remeto os leitores ao IMDB, que apresenta a lista completa. O grupo se desincumbiu brilhantemente da missão, tanto em âmbito literário quanto cinematográfico.
Poucos filmes apresentam um rol tão grande de personagens cativantes. O Caubói e o Guerreiro estelar, o Cabeça de Batatas e sua esposa, os pequenos Alienígenas brindes da pizzaria, o porco-cofrinho, a Barbie-academia. Até mesmo os vilões são fofos. Os encardidos e semi-destruídos Bebezão e Urso Fofinho Com Cheiro de Morangos Silvestres, e o "metrossexual de plástico" Ken, cativam tanto quanto os heróis.
Em Toy Story 3, nenhum brinquedo é totalmente mocinho ou bandido, já que todos cumprem um mesmo propósito de dar asas à imaginação dos pequenos. O fofo urso cor-de-rosa abandonado pela dona, um dos preferidos pelas crianças da creche, também é aquele que tortura os brinquedos de Andy, querendo exercer sua tirania sobre os demais. Ele é malvado mas, dada a ironia da situação posta em cena, risível, assim como o bebê de olho torto, seu companheiro de desventuras. Olhando-os, lembrei-me da Tati, a coelha de pelúcia que sempre aterrorizava minhas outras bonecas em minhas brincadeiras de infância, mas com a qual eu me divertia a beça. Não há lição mais original de como se fugir do maniqueísmo.
Cinematograficamente, "Toy Story 3" arrasa ao somar o uso de estruturas já consolidadas a um tratamento original do tema. A sequência inicial da perseguição do Senhor Porcão e do salvamento da locomotiva desgovernada pelos vaqueiros Woody e Trixie lembra o que há de mais eletrizante em filmes do gêneros faroeste/ação. O encontro de Barbie e Ken, glosado por uma canção romântica no último volume e composto de primeiríssimos planos dos pombinhos, repete o batidíssimo amor à primeira vista, uma das principais tópicas dos enlatados norte-americanos. O absurdo das situações desloca as cenas para a paródia, o que ressalta sua originalidade.
Porém, "Toy Story 3" dá um salto quando comparado outros dois filmes ao colocar, lado a lado, pessoas e brinquedos. Se, nas películas anteriores, a história dos brinquedos ocupava o primeiro plano, no volume 3 o já adolescente Andy e a pequena Bonnie igualmente destacam-se. Conhecemos um Andy maduro, preocupado em arrumar as malas para ir à Universidade. Assim como ele, a série amadureceu e já não pode exibir unicamente o riso franco comum às crianças.
A fita tem preciosos momentos "sérios", despidos de clichés e profundamente humanos. O abandono que os brinquedos sentem ao serem rejeitados por seu dono - é tão patético quando o Tiranossauro esquecido no baú diz emocionado "Ele me tocou! Ele me tocou!" - motivam no público um sentimento de solidariedade mil vezes mais eficaz do que toda a discurseira das propagandas filantrópicas natalinas. A sequência final, do adolescente que doa à menininha os seus brinquedos e transmite-lhe sua herança cultural comove as pedras, mostrando ao público de todas as idades como é importante colocar brinquedos e histórias para circular. Um ensinamento sem dedo em riste, tão bonito...
Depois de ver o filme, coincidentemente (agora estou começando a achar que não foi coincidência) mergulhei em meu armário e reencontrei a minha infância. Lá estavam o senhor Cabeça de Batata, o Bebê, o Caetaninho (boneco brinde dos Supermercados Caetano), o cofrinho em forma de alienígena, o Ursinho Pimpão, as Barbies, a Skipper (irmã mais nova da Barbie, em alta no começo dos anos 90) e o Ken.
A Cheirinho, mais conhecida como Carol, chegou quando eu tinha 3 anos. Agora que tem 1/4 de século já não cheira tão bem, mas ainda está bonitinha...
A moral de Toy Story 3 faz todo o sentido: por mais que nos apeguemos aos brinquedos - como se apenas sua presença física nos trouxesse as recordações da infância - , eles precisam ganhar novos donos. Meu maleiro ficou mais vazio, mas uma porção de pequenos vizinhos (moro numa rua de muitas crianças), mais feliz. Foi impagável ver a menininha da rua de baixo abraçando a Rosinha, que era um dos meus bebês preferidos. Infelizmente, não consigo ser tão abnegada quanto Andy, portanto, devolvi a Cheirinho e a Skipper no maleiro. Quem sabe depois de ver novamente o filme...
Woody e Buzz Lightyear agora dividem o meu armário com Theda Bara, Greta Garbo e Doris Day, afinal, eles também têm lugares cativos em minha história de cinéfila.