Vamos dar andamento aos apontamentos críticos sobre os indicados ao Oscar de Melhor Filme de 2013 (a lista completa deles pode ser acessada aqui), especialmente porque o número de acessos ao post anterior surpreendeu-me (muitos desejosos de um guia para a compreensão das obras eleitas pela Academia, suponho; tomo a peito a tarefa sem qualquer pretensão, como vocês poderão ver pela pequenina extensão desta resenha).
Ocuparão as linhas daqui em diante dois bons filmes. Primeiramente “Argo”, vencedor, por hora, do troféu de Melhor Filme do American Film Institute (AFI). A resenha que seguirá estas e a próxima se debruçará sobre um mediano e um fraco, “Hitchcock” e “Les Misérables” – perdoemos os acadêmicos; não se pode acertar sempre, especialmente quando o que se está em cena é um bem acabado exemplar de “lixo glamouroso”, que é, afinal de contas, a very deceivable thing...
“Argo”
Na minha concepção de “cinéfila inveterada que dá sua impressão sobre os filmes que vê” – descrição que define bem esses breves posts que estou a escrever ultimamente –, este é o grande filme dentre os indicados.
com Alan Arkin e John Goodman, o diretor e o produtor da farsa cinematográfica que permite aos Estados Unidos desembarcar no Irã |
É cinematográfico até a espinha, ao brincar com os nossos nervos de pobres espectadores, passivos do outro lado da tela, tão abandonados quanto o grupo de diplomatas americanos abandonados à sorte no Irã.
É brilhante pela espetacularização da política, pelo seu viés pseudo jornalístico/documental (as câmeras na mão a mimetizarem as filmagens nervosas no palco do evento sensacional, realizadas pela câmera jornalística; as imagens de arquivo/ou imagens criadas no intuito causarem o efeito de imagens de arquivo), pelo desvelamento da artificiosidade da decadente Hollywood dos anos de 1970, pelo timing de thriller, de comédia, de drama...
Ben Affleck, na verdade, nunca me enganou. Desde meados dos anos 90 eu o via como muito mais que o rostinho bonito que ele na superfície era. Não errei. Em 1998, o rapaz de vinte e poucos anos encarnou o garoto prodígio e levou para casa o Oscar de Melhor Roteiro por “Gênio Indomável”, honraria dividida com o colega Matt Damon. Em “Argo” ele acumula a função de Diretor à de Produtor e ator principal. Dá conta de tudo admiravelmente bem, ao reger o grupo de atores visando interpretações abaixo do tom, o que dá ao conjunto um surpreendente éthos documental, algo bastante difícil de ser atingido na interpretação standard de Hollywood.
O agente e os diplomatas |
No nível da trama, atrela com verve a arena política e a indústria do cinema, fazendo emergir o caráter de encenação, de fingimento, de teatro barato de uma e outra. Ademais, joga um olhar luminoso para a Hollywood da década de 70, cuja decadência era bem mimetizada pelas letras enferrujadas e decrépitas dependuradas sobre a colina.
Não podemos deixar de lado o fato de o filme recontar uma história real: o governo dos Estados Unidos efetivamente infiltrou no Irã um agente, disfarçado de cineasta, para que ele retirasse do país o grupo de diplomatas escondidos na embaixada do Canadá desde uma conflagração civil naquele país. No entanto, por mais que a realidade seja por vezes deveras cinematográfica, o percurso que a separa do (bom) cinema é mais pedregoso do que a princípio se supõe. Apoiado no ótimo roteiro de Chris Terrio, Affleck explorou com artesania notável os elementos romanescos da história real. Bravo, mio bello!
3 comentários:
Sinceramente será um verdadeiro tiro no pé, se caso os membros da academia não derem o Oscar para esse filme.
Uhul!
Esse eu já assisti. E que obra inteligente essa, não?
To na corrida pra assistir todos os concorrentes, no cinema, até o dia 24!
Beijoca,
Aninha
Você não o curtiu demais, Aninha? Saí com a cabeça doendo do cinema, de tão envolvida que fiquei com a história!
Marcelo, concordo contigo, embora ainda penso que a Academia está propensa a dar tiros no pé e vai premiar o Lincoln...
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