sábado, 6 de abril de 2013

Entre Paris e Montreuil: Georges Méliès e “The Queen of Montreuil”

Queen of Montreuil, 2012
tão Méliès esse fotograma...
Paris transpira cinema. Centenas de salas de projeção espalhadas pela cidade, oferecem séances para todos os bolsos e gostos: sessões promocionais a 3,50 euros são continuamente apresentadas pelas grandes redes, que dispõem do irresistível abonemment mensal ilimitado e não raras vezes incluem clássicos da Sétima Arte em seu programa (a MK2 ofereceu meses atrás um cardápio extenso de Chaplins); clássicos e novidades de todos os cantos do mundo visitam as salas de projeção, destaque para a produção francesa, que sempre ocupa lugares importantes nos box-office semanais. 
Como no Brasil... 
Não adiramos, no entanto, à xenomania acrítica. O imposto obrigatório redirecionado à produção cinematográfica joga no mercado com alguma frequência lixo cultural. Porém, não poucas vezes o incentivo estatal viabiliza trabalhos interessantes. Como esse “The Queen of Montreuil”, novinho em folha, trabalho luminoso de Solveig Anspach com Florence Loiret Caille, Didda Jonsdottir, Ulfur Aegisson, Eric Caruso e uma lista de nomes que até outro dia me eram ilustres desconhecidos. 
Como trombei justamente nele, na enxurrada que semanalmente altera a programação das salas? Foi durante uma visita à Montreuil, cidadezinha juste à côté de Paris onde Georges Méliès fez construir no fim do século XIX, no n. 3 da rue François Debergue, o primeiro estúdio cinematográfico do mundo (a história do mágico-cineasta é contada no recente “A invenção de Hugo Cabret”, de Martin Scorsese - resenhado aqui - , ao qual nunca é demais tecermos loas). 
O estúdio de vidro de Méliès em  Montreuil
Embarquei direção Mairie de Montreuil (parada final da linha 9 para os aventureiros) no intuito de pagar um óbvio tributo ao artista francês; trombei com um prédio de apartamentos que em nada lembrava o estúdio de vidro que o criativo cineasta construiu para aproveitar ao máximo a luz solar – estúdio cuja réplica pertence à coleção permanente do Museu da Cinemateca Francesa, que possui extenso conjunto de seus objetos e de objetos usados no filme de Scorsese, vários deles em exibição atualmente (acorde cedo no domingo que a visita é gratuita até às 13 hrs nesse dia...). 
Apenas uma placa indicativa lembra o outrora ilustre endereço. Mas o cinéfilo de carteirinha não teme vasculhar escombros em busca da aura do cinema. Um século atrás ali pisara Méliès, a transformar películas de celuloide em magia, desdobrando na tela branca o ofício de prestidigitador que exercera até então, nas soirées do Théâtre Houdin. 
Montreuil não parece estar colada em Paris, tal a simplicidade de suas residências e estabelecimentos comerciais. Pouco se afasta das cidadezinhas de interior do Brasil. O orgulho do passado mal se deixa entrever, na placa comemorativa colocada pela mairie, no complexo cinematográfico batizado segundo o morador ilustre ou no Centro de Informações Turísticas (fechado pela manhã nos dias de semana, o que denuncia a escassez de visitantes). 
3 François Debergue, Montreuil
As redondezas do antigo endereço de Méliès
Porém, se a lembrança do passado se esvai, a dedicação presente à Sétima Arte continua pulsante. “The Queen of Montreuil” era destaque da revista do complexo. 
Nada mais justo, porque o filme faz uma imersão nos meandros da cidade, lá muito além do que o metrô alcança. Imersão entre pitoresca e poética. A rainha do título é Agathe, jovem viúva que retorna do estrangeiro para a cidade com o objetivo de dispor das cinzas do marido morto num acidente automobilístico. Quererá o acaso que ela encontre, no setor de informações do aeroporto, uma senhora islandesa sem pouso definido e seu filho adolescente. 
A dupla suis generis terá papel preponderante para que Agathe sobreviva ao luto. 
Ambos são hippies calorosos. A cidade de Montreuil nos é mostrada em boa medida pelos seus olhos. Se a visada tem um tanto de amelipolinesca (acreditem, o nome “Amélie Poulain” é flexionado por aqui...) - as historietas vividas pelos habitantes da cidadezinha observadas a partir da grua onde a senhora passará a trabalhar; o périplo de uma foca abandonada no Bois de Vincennes... - ela ganha ancoragem na realidade por meio da figura da protagonista, desempenho matizado e tocante de Florence Loiret-Caille. Sua agridoce Agathe exala sinceridade: na sua dramática batalha para vencer o luto; na sua necessidade de calor humano, que a abre para doar-se aos desconhecidos. 
Sem ser uma obra-prima, “The Queen of Montreuil” oferece um sopro fresco de ar em meio à produção cinematográfica francesa, que apesar de vasta padece de problemas bem conhecidos de nós, brasileiros: a proliferação de comediazinhas românticas fáceis e pouco inspiradas, a se contentarem meramente com a reprodução dos pontos turísticos da cidade-luz. Arejamento em boa medida beneficiado – creio eu – pela locação escolhida. O cinema daqui bem que poderia criar o hábito de tomar o metrô rumo aos banlieues

* Próximo capítulo: Paris e os irmãos Lumière.

2 comentários:

Marcelo Castro Moraes disse...

Pelo que deu a entender no fime de Scorsese, Méliès destruiu o estúdio de vidro original.

disse...

Dani, essas crônicas da Europa são encantadoras. Deve ser uma grande emoção pisar nos mesmos lugares onde Méliès esteve.
Parece-me um filme interessante, vez ou outra uma boa obra surge da produção saturada do cinema.
Aguardo os próximos capítulos!
Beijos!