Oscar. A relação dos indicados invariavelmente me perturba – as mediocridades escolhidas para os grandes prêmios (e que às vezes se sagram vencedoras); o desnível existente entre os artistas indicados à determinada categoria, visando-se claramente o benefício de um em detrimento dos outros; as distorções que ocorrem entre os indicados a uma categoria, mas não à outra complementar. Porém, sempre acabo me rendendo à lista dos melhores, geralmente convidada pelas colegas blogueiras que há anos alimentam com incrível pertinácia o “DVD, Sofá e Pipoca”. Sou pro diabo nostálgica; à cada lista lembro-me de minhas primeiras, de quando torci para Coração Valente ou O Resgate do Soldado Ryan, das manhãs insones no colégio depois de passar a madrugada comemorando as vitórias de Titanic ou de Shakespeare Apaixonado (ah, a adolescência...).
Mas, vamos logo à ação.
Eddie Redmayne e Felicity Jones em A teoria de tudo |
Para ser sincera, só agora eu pude ler com cuidado a relação dos indicados a todas as categorias. Daí o frescor da minha surpresa publicada acima... Alguns ótimos filmes compõem a lista dos melhores: Boyhood, Whiplash, O Jogo da Imitação, A Teoria de Tudo. Sobretudo Birdman (ou A inesperada virtude da ignorância), que para mim é desde já um dos grandes filmes da Sétima Arte, merecendo com louvor a estatueta. Razões para isso valem um post particular, que surgirá no momento oportuno: a agudeza na escolha do tema – o rolo compressor da indústria cultural –; do protagonista Michael Keaton, uma vítima do sistema, até outro dia um antigo super-herói, de aparente irreversível decadência (ele mereceria o Oscar pela abnegação com que mergulha no seu ridículo e cativante alter-ego). Voltaremos a isso.
Ainda não vi Sniper Americano e Selma. O primeiro é, dizem, de um americanocentrismo sem tamanho, mas até agora Clint Eastwood não me deu motivos suficientes para que eu desconfiasse de sua perspicácia como diretor. Opinarei, no entanto, depois de vê-lo. Já O Grande Hotel Budapeste é, para mim, o Os Miseráveis deste ano. Como o outro, um filme reverberante e vazio. Foge-me o porquê de um e outro terem caído nas graças do público (lembro-me dos equilibrados franceses, a aplaudirem entusiasticamente ao fim da sessão de Os Miseráveis à qual assisti em Paris – sessão da qual eu fiz força para não fugir, aliás). Sem problemas; ele certamente será batido por concorrentes de melhor cepa.
Michael Keaton em Birdman |
Birdman é uma daquelas preciosidades nas quais há simbiose perfeita entre tema e forma. Portanto, não dá para premiá-lo sem reconhecer, também, a excelência de seu diretor, Alejandro Gonzáles Inárritu. Ou a montagem brilhante, que constrói cinematicamente a onipresença do personagem-protagonista, misturando, além de tudo, os tempos do teatro e do cinema, artes com especificidades diferentes. Mas, pasmo, Birdman não concorre ao prêmio de melhor montagem! E aquela trilha-sonora que é o coração da obra – como a bateria é o coração das bandas de jazz e rock –; seca, agressiva, uma saraivada de balas, por que não concorre como melhor trilha sonora?
J. K. Simmons em Whiplash |
Mas, há algo mais curioso: a trilha que é o próprio tema de Whiplash também ficou de fora da disputa...
Whiplash, aliás, protagoniza outra distorção do Oscar 2015. J. K. Simmons, seu protagonista indiscutível, concorre, nele, como ator coadjuvante. Vai ser premiado, pois há, ali, espaço para ele deslindar a sua excelência. Porém, a justiça pediria que ele dividisse a categoria com Keaton e companhia, deixando o prêmio para um vero coadjuvante (eu torceria para Ethan Hawke).
Mas o pário será duro entre os protagonistas. Além do já citado Keaton, há duas pérolas: Benedict Cumberbatch e Eddie Redmayne. Ambos representam o que há de melhor no Oscar: de repente, um ator obscuro – pode ser um super-herói de blockbuster (à la Birdman) para o qual a gente não dá muito, um galanzinho aparentemente sensaborão de comédia romântica, ou um participante discreto de um all star picture – deixa-nos com a respiração suspensa, por personificarem a excelência que o Oscar tanto almeja (e raramente atinge).
Benedict Cumberbatch e Keira Knightley em O Jogo da Imitação |
No início do ano passado, eu disse que o até então para mim desconhecido Cumberbatch era o que de melhor havia em Álbum de Família, e apostava em sua indicação como coadjuvante. A indicação não veio, mas surgiu uma chance melhor para que brilhasse esse ator que, no final das contas, não era tão desconhecido assim (é um bem reputado Sherlock Holmes de uma série que eu nunca vi, e ator nas franquias Star Trek e Hobbit).
Já o nome de Eddie Redmayne não me dizia nada, até que eu abri sua página do IMDB e o descobri fazendo parte de tudo. Do execrável Os Miseráveis, de Sete Dias com Marilyn, de séries de TV e filmes adolescentes. Redmayne não desempenha Stephen Hawking, é o próprio. Mas, sua premiação, que para mim é certa, deixa-me na boca um gosto agridoce. Ele desempenhou o protagonista almejado pelo Oscar – distorceu-se fisicamente até atingir o talhe de seu retratado. Porque ele o faz muito bem, eu o congratulo de antemão. Porém, porque eu acho que atuação não seja só isso; que conta a artesania, a emoção, a despersonalização até que se atinja a alma (não só o físico) do outro, meu coração fica com Cumberbatch. Que maravilha poder ainda encontrar, na embonecada Hollywood, esses tipos que não são nem bonitos, nem feios. São o personagem; do personagem. Não vou me esquecer tão cedo do rosto de Benedict Cumberbath ao cabo de O Jogo da Imitação, já visitado pela insânia, enrijecido pela impossibilidade de exacerbação de seu amor proibido. Lembrou-me outro grande, Michael Fassbender, igualmente aterrador e maravilhoso em Shame.
Julianne Moore em Para sempre Alice |
Entre as atrizes, há uma Julianne Moore que reputam excelente pela sua performance em Para sempre Alice, filme ao qual eu não assisti. Rosamund Pike, muito bem pelo já aqui comentado Garota Exemplar; Resse Witherspoon, correta em Livre – um bom filme, mas com uma protagonista feminina um tanto quanto morna (melhor é o papel de coadjuvante, que possivelmente dará o Oscar a Laura Dern). Marion Cotillard, não pelo seu tour de force em Era uma vez em Nova York, mas sim por um filme francês (Dois dias, uma noite, dos irmãos Dardene – ao que tudo indica, uma obra bem atual, que se debruça sobre o rescaldo da crise europeia). De todas as que vi, a que mais me surpreendeu foi Felicity Jones, que eu supunha uma cantora pop (?) até que, passeando por sua página no IMDB, vi-a como protagonista de uma porção de comedinhas que passei da idade de assistir. Ela venceu admiravelmente o desafio imposto, ombreando-se ao seu brilhante coprotagonista, em A Teoria de Tudo.
Emma Stone em Birdman |
Por fim, duas palavras sobre as atrizes coadjuvantes e os filmes estrangeiros. Todas estiveram muito bem (não vi apenas Meryl Streep). Keira Knightley está uma atriz cada vez mais bem-preparada. Patricia Arquette, ótima – numa obra tão cheia de qualidades, mas que tem o azar de competir com uma safra excepcionalmente boa de filmes. Laura Dern é o ponto alto de Livre, e merece o prêmio que vai ganhar. Mas, meu coração – de novo ele – é de Emma Stone, atriz luminosa, a melhor de sua geração, excelente no pequeno papel que lhe deram no grande Birdman.
Timbuktu |
No que toca aos filmes estrangeiros, a seleção é a melhor em muito tempo. As apostas, pelo que vi, estão entre Timbuktu e Leviatã. Qualquer um dos dois mereceria a estatueta, e também Relatos Selvagens ou Ida. Ida é low profile. Não faz grande uso estético da paleta do cinza, mas conta com qualidade a história da jovem noviça, que subitamente se descobre a judia cujo único remanescente familiar é uma tia que é o seu avesso. Já Relatos... é um desbunde cinematográfico, mas demasiado artificioso – revi-o recentemente, me deleitei durante a exibição, mas ele me deixou tão logo eu deixei a sala. O tempo arrastado do princípio de Leviatã me perturbou um pouco. E Timbuktu não me abandonou até hoje. Malgrado a artificialidade romanesca que costura a história (o filme foi rodado na Mauritânia), o tema é demasiado pungente (os desmandos do talibã e as consequências de sua "guerra santa", sobretudo para as mulheres) e a fotografia, arrebatadora demais. Meu Oscar de filme estrangeiro vai para ele.
E agora, os meus pitacos para este ano (desta vez, seguindo a razão...):
Melhor filme: Birdman ou (A Inesperada Virtude da Ignorância)
Melhor diretor: Alejandro González Inárritu - Birdman ou (A Inesperada Virtude da Ignorância)
Melhor atriz: Julianne Moore - Para Sempre Alice
Melhor ator: Eddie Redmayne - A Teoria de Tudo
Melhor ator coadjuvante: J.K. Simmons - Whiplash: Em Busca da Perfeição
Melhor atriz coadjuvante: Laura Dern - Livre
Melhor canção original: "Glory", por John Legend, Common - Selma
Melhor roteiro adaptado: Graham Moore - O Jogo da Imitação
Melhor roteiro original: Alejandro González Iñárritu, Nicolás Giacobone, Alexander Dinelaris, Armando Bo - Birdman ou (A Inesperada Virtude da Ignorância)
Melhor longa de animação: Como Treinar o Seu Dragão 2
Melhor documentário em longa-metragem: Citizenfour
Melhor longa estrangeiro: Timbuktu (Mauritânia)
Melhor fotografia: Emmanuel Lubezki - Birdman ou (A Inesperada Virtude da Ignorância)
Melhor figurino: Milena Canonero - O Grande Hotel Budapeste
Melhor documentário em curta-metragem: Crisis Hotline: Veterans Press 1
Melhor montagem: Boyhood - Da Infância à Juventude
Melhor maquiagem e cabelo: Frances Hannon, Mark Coulier - O Grande Hotel Budapeste
Melhor trilha sonora: Johann Johannsson - A Teoria de Tudo
Melhor design de produção: Maria Djurkovic, Tatiana Macdonald - O Jogo da Imitação
Melhor animação em curta-metragem: The Feast
Melhor curta-metragem: The Phone Call
Melhor edição de som: Martín Hernández, Aaron Glascock - Birdman ou (A Inesperada Virtude da Ignorância)
Melhor mixagem de som: Birdman ou (A Inesperada Virtude da Ignorância)
Melhores efeitos visuais: Interestelar
6 comentários:
OI, Dani. Ainda não vi todos.
Gostei muito de "Birdman", apesar de seus exageros. Muita vontade de assistir "Timbuktu" mas (não sei pq) ainda não está em cartaz aqui. Adorei "Relatos..." e estou para ver "Leviatã" por esses dias de carnaval. Achei "Boyhood" tão chaaato.... Nada de mais além do envelhecimento dos atores (já disse isso aqui).
No mais, vou seguir pelo seu gosto e não pelo palpite do Bolão, kkk... Boa sorte!
Excelente, Dani!
Já estou preparando meus pitacos para o Oscar deste ano. Falta apenas ver um ou outro filme. Hoje pretendo assistir dois deles: BIG EYES e O CONTO DA PRINCESA KAGUYA.
Abração!
Oi Dani! Vi alguns filmes Hoje, por exemplo, assisti O Grande Hotel Budapeste Gostei do seu comentário a respeito do filme. Algumas partes engraçadas, sátiras, mas nao achei nada demais. Boyhood eu achei muito lugar comum, chatinho rs Talvez o interessante tenha sido criar uma estória do inicio ao fim com os mesmos personagens, mesmo que envelhecidos. Relatos achei mto interessante, torço por ele Em relaçao ao ator de A teria de tudo, torço por ele rs Nossa, achei fantástica a transformação.Acho que ele deu conta do recado tanto no físico como por sua atuação. Também quero muito assistir Para sempre Alice Essas estórias de superação e de lutar contra uma doença sempre me comovem!
Sobre Birdman, vi muitos elogios. Achei a proposta interessante, mas não sei porque nao me prendeu tanto a atenção. Em alguns momentos comecei a achar o filme cansativo, mesmo entendendo a proposta .. Enfim .. ah, esqueci de comentar sobre Jogos de imitação: achei interessante, mas percebi que deram mto enfoque a causa homossexual, como se estivessem levantando uma bandeira.. mas é uma critica bem pessoal, talvez nao tenha sido esse o objetivo do autor, apesar de que me causou a impressão.. bjos
Edson, Antonio, Maira. Obrigada pelos comentários! E desculpem pela minha demora em publicá-las.
Então, gente, parece que eu sou a única da patota que gostou de Boyhood entre nós... Como já disse quando tratei do filme, aplaudo a proposta inédita do diretor de enlaçar pessoa e personagem. O filme elimina os limites entre ator e personagem. Por isso acho incabível a crítica que reclama de Hawke por estar todo tempo desempenhando a si mesmo... A escolha da temática também leva isso em conta. Conta-se paulatinamente a história de uma família. Com lugares comuns, certo, mas todas as famílias não são mais ou menos assim? Não dá pra fazer uma proposta estética arrojada num filme que cobre 12 anos, sujeito às casualidades desse recorte temporal. O incrível aí é a relevância do papel do cinema enquanto registrador da realidade. Por isso, não ficaria chateada se esse filme ganhasse o prêmio principal.
Sobre Birdman falarei mais proximamente.
Achei Relatos ótimo também, gente, mas, como eu disse, na segunda assistência ele me pareceu artificioso demais. Preferi Timbuktu (mesmo ao vitorioso Ida), sem desconsiderar que ele também adere a modelos antigos de cinema.
Maira, quanto ao Jogo da imitação, achei melhor que a encomenda. Não compreendi o que vc disse sobre "levantar bandeira", mas a questão de fundo na vida daquele homem foi a homossexualidade. Achei que isso é contado de um jeito poético, sem crítica aguda ao sistema (afinal, o cientista foi levado ao suicídio pela forma como o Estado lidava com ele - e os demais homossexuais). Pensar que só agora a Rainha o "perdoou", como se a orientação sexual precisasse ser justificada ou perdoada. Isso é dilacerante - e impressionante que o filme não tenha levantado o estandarte para criticar a ação da Inglaterra.
Ademais, acho o ator Benedict Cumberbatch excelente (sem negar que o ano foi de Eddie Redmayne).
Agora, vamos à história da Alice! Verei-a hoje. Julianne Moore mereceu muito o prêmio, por tudo o que já fez à Sétima arte.
Bjs, pessoal!
Dani
Oi, Dani...
Ainda não estreou o filme da Juliane Moore por aqui mas estou, sim, com muita vontade de assisti-lo.... Depois eu volto... bjo!
PS: Maira por aqui? q legal!
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