Cá estou eu propondo algo que não conseguirei cumprir. Estou longe de ter visto todos os indicados à famigerada premiação. Mas, a convite das meninas do DVD, Sofá e Pipoca, seguem, em cima da hora, os meus pitacos anuais.
A relação de Melhores Filmes, primeiramente, surpreende ao incluir dois de ação. Não vi, no entanto, nem Mad Max, nem Perdido em Marte. Na falta de tempo, a gente segue a nossa sensibilidade. Portanto, preferi ver O Regresso, Spotlight, A grande aposta e Brooklyn. O primeiro por conta do sempre ótimo Leonardo di Caprio e de Inarritú, que no ano passado dirigiu o grande vencedor, Birdman, pra mim um dos melhores filmes de todos os tempos. O protagonista de Birdman levou-me ao segundo da lista; Christian Bale, à Grande Aposta, e Saoirse Ronan, a Brooklyn – volto-me mais aos atores que às obras, já se vê.
Leonardo Di Caprio O Regresso |
Veredito: Di Caprio e Ronan brilham – ambos muito donos de seus personagens. Di Caprio vai ganhar o Oscar que lhe permitirá – e isso é uma pena – trocar o cinema sério por alguma capa de super-herói ou outra bugiaria do tipo (como anda acontecendo aos oscarizados). Sim, seu personagem tem o despojamento de si que Hollywood tanto ama. Já Ronan imprime uma segurança e delicadeza ao papel da mocinha que deixa a Irlanda para “fazer a América” que é algo que surpreendente, considerando a sua pouca idade. Não vi Charlotte Rampling, que é um desbunde de atriz, minha preferida de antemão. Mas o prêmio não ficaria mal nas mãos dessa menina talentosa, que parece seguir os passos de sua colega indicada, Cate Blanchett, ótima desde que fez a Rainha Elizabeth, vinte anos atrás.
Saoirse Ronan e Emory Cohen em Brooklyn |
Sobre os filmes indicados, ao menos os que vi, acho-os menos bons que a média dos indicados nas premiações dos anos anteriores (ou que os indicados ao prêmio de Melhor Filme Estrangeiro). O tão incensado O Regresso, por exemplo, é um filme sem muito sentido para além da fotografia e da maestria do ator principal. É visualmente muito satisfatório. A decupagem daquela sequência inicial, por exemplo, da câmera que passeia livre entre os pontos de vistas dos índios e dos brancos, é acachapante. Está claro que diretor almeja a ambivalência, para além da leitura convencional que o cinema – o western sobretudo – fez da marcha para o Oeste. Mas o filme é demasiado longo, arrastado e exasperante na sua necessidade de explicitar tudo, como se o espectador tivesse dez anos de idade. Acaba, paradoxalmente, perdendo-se. Afinal, o que se deseja provar ali? A vingança do pai que perde o filho? A destruição do índio pelo branco? O mesmo choque cultural é explicitado com muito mais rendimento narrativo e menos som e fúria no ótimo (meu favorito dentre os estrangeiros) O abraço da serpente, o colombiano que concorre ao prêmio de Melhor Filme Estrangeiro, sobre o qual pretendo falar, em separado, num próximo artigo.
O meu preferido da seleção é Spotlight, um ótimo melodrama – daqueles que convocam o público a derramar rios de lágrimas – a respeito dos padres pedófilos que atuavam em Boston, entre os anos 70 e 90. O assunto enojante é conduzido com firmeza pela batuta de Tom McCarthy. Há ali uma visada documental – o filme baseia-se em fatos reais –, naquelas tomadas de parquinhos que ainda hoje situam-se à sombra das igrejas. Desnudam-se as atrocidades cometidas pelos sacerdotes, ponderando-se sobre o lugar da igreja no imaginário coletivo. É certo que o filme não funda a roda – trata do tema só agora, que mesmo o Vaticano se pronunciou (e se pungiu) a respeito do silenciamento que impôs sobre ele. Mas cinematograficamente funciona muito bem, combinando o suspense ao novelesco. Mark Ruffalo – em quem eu nunca havia reparado – está ótimo, sem histrionismos, em sequências de grande lastro emocional (como aquela em que ele explode diante do chefe, por tantas vítimas que sofriam silenciosamente).
No que concerne aos prêmios às atrizes e atores, agora:
Como dizer que Cate Blanchett não o mereça, ela que é das maiores do cinema mundial? Mesmo pelo meloso Carol... Ou Ronan, por sua segurança? Ou Rampling, por sua carreira? A única misplaced aqui é Jennifer Lawrence. A culpa eu julgo que seja do filme: Joy é insosso, equilibrando-se mal entre a comédia e o drama (dó de Isabella Rossellini, pela personagem-enrascada na qual a meteram), e isso se sente pelo pouco à vontade da protagonista. Sua presença entre as top five prova de forma inconteste quão influenciado pelo marketing é Hollywood, de quem ela é a queridinha.
Entre os atores, há ainda o ótimo Michael Fassbender, por um filme que não vi – Steve Jobs –, por não ser dada às hagiografias. Como ele e Marion Cotillard não foram indicados por Macbeth, duas das maiores performances do cinema em língua inglesa, no ano passado? Sou fã de Matt Damon (tutuco), que no entanto não vi em Perdido em Marte porque supus uma bomba. E mesmo sem vê-lo, ainda estou em dúvida que não o seja... E Eddie Redmayne, por fim, está bastante bem num papel dificílimo, na Garota Dinamarquesa. O problema é que o diretor peca ao enquadrá-lo sempre em primeiríssimos planos, que serviriam para construir uma intimidade com o público mas acabam por trair os artifícios usados pelo ator. É que ele está mais longe de ser uma mulher do que de ser Stephen Hawking, daí a não convencer como deveria. Mas há uma sequência tão bonita – e, num certo sentido, tão anti-Hollywood – em que ele se espelha nu, escondendo seu sexo, que já lhe dá todo o crédito.
Jan Bijvoet em O Abraço da Serpente |
Duas palavrinhas, por fim, sobre os Filmes Estrangeiros e as Animações. Fiquei arrematadamente apaixonada por O Menino e o Mundo, mágico e poético como é o olhar da criança à sua volta, e como eu penso que deve ser o desenho animado (de realista já basta a vida). Entre os estrangeiros, além da perícia invejável impressa em cada frame de O abraço da serpente, cito o húngaro O filho de Saul, que toma o Holocausto dos judeus sob o ponto de vista de um membro do Sonderkommando: grupo de judeus prisioneiros que eram obrigados pelos nazistas – o horror – a liquidar outros judeus, nos campos de concentração. Este é outro que mereceria uma resenha mais bem ajambrada, assim como o tocante – e também importantíssimo – Cinco graças. Pronto: a eles será dedicado o próximo artigo. Enquanto isso, bom Oscar a todos os entusiastas da premiação!