quinta-feira, 20 de novembro de 2008

DORIS DAY NA RÁDIO MAGIC 63 (2008)


Definitivamente, o dia 3 de abril desse ano teve um gosto especial de nostalgia para muitas pessoas em todo o mundo. A graciosa atriz Doris Day, que fez tantas comédias deliciosas e se desincumbiu, com igual talento, de papéis dramáticos em “O homem que sabia demais” (The man who knew to much, 1955), e “A teia de renda negra” (Midnight lace, 1960), celebrou seu 84º aniversário na rádio Magic 63 AM (Califórnia), junto de seus fãs, que lá telefonaram durante todo o dia.
Eu e o pessoal daqui de casa tivemos a sorte de ouvi-la ao vivo, direto do site da rádio, e ficamos emocionados ao escutar a voz doce e alegre dessa mocinha por quem temos uma admiração muito especial – a mesma voz da garota vivaz que tanto nos diverte em filmes como “Ardida como pimenta” (Calamity Jane, 1953), um dos meus musicais preferidos.
Os dois momentos em que a Doris telefonou à rádio merecem ser compartilhados com todos!


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domingo, 16 de novembro de 2008

Stanley Donen, um Hitchcock dançarino: Charada (1963)

Tive uma agradável surpresa quando vi esse filme pela primeira vez, um ano atrás, e uma surpresa igualmente agradável quando pude comprá-lo por um preço razoável na semana passada. Audrey Hepburn e Cary Grant são dois ídolos meus, assim como Hitchcock. Além disso, adoro musicais, e verdadeiramente tiraria meu chapéu – se tivesse coragem de usar um – para esses indivíduos que conseguem introduzir num filme, de modo perspicaz, leveza, humor e música. Stanley Donen é, com certeza, um deles, e o exemplo mais cabal de seu talento é o musical “Cantando na chuva” (Singin’ in the rain, 1952), dirigido por ele e Gene Kelly. Donen, que passeou pelos mais variados gêneros ao longo de sua carreira, fez de “Charada” o balanço do que de melhor produziu. O “thriller” aproveita o que de melhor há em suas comédias musicais, nas quais introduz o humor de forma sempre inesperada e delicada.

Apenas para citar um momento, no “Um dia em Nova York” (On the town, 1949), o marinheiro Gene Kelly, que desceu a terra apenas por um dia, lastima-se por perder a namorada. Os amigos – um deles é ninguém menos que Frank Sinatra – conseguem-lhe uma dessas garotas que estereotipa o “patinho feio”, amiga da namorada de Frank. O jovem marinheiro apavora-se quando a moça se aproxima, mas é conquistado por sua simpatia quando ela, juntamente com Sinatra, Ann Miller, Betty Garret e Jules Munshin, canta ao mesmo a divertida “Count on Me”. A personagem de Gene ganha, nesse momento, ânimo para procurar a moça de quem havia se enamorado. O espectador segue o grupo, deliciado. 
Há muito disso em “Charada”. O filme tem início com o apito de um trem e um corpo sendo jogado para fora dele. Corte. Longe dali, nas montanhas geladas da Suíça, uma arma é apontada para Audrey Hepburn. Música de suspense e, de repente, um jato de água atinge, certeiro, a face da moça. Trata-se apenas do filho endiabrado da amiga, que se diverte com sua arminha de brinquedo... A quebra da tensão pela introdução do elemento cômico é característica da obra de Hitchcock, o mestre do suspense, interlocução obrigatória para quem se mete a trabalhar no gênero em questão. Mas em “Charada”, Donner mostra que também é mestre, pois dosa a tensão e a comédia de modo completamente pessoal. Exemplo claro é o fato de o humor sempre se destacar nesse enlace. Temos isso na cena do enterro do marido de Regina – personagem de Audrey – quando entram na igreja praticamente vazia os comparsas do homem, os quais se utilizam de várias estratégias extravagantes para se certificarem se ele realmente está morto. 
Entre risos e sustos caminha o filme, que não deixa para trás uma característica do trabalho de Donnen que me é muito querida, a metalinguagem. O beijo entre os personagens de Audrey e Cary lembra o legendário beijo trocado por Ingrid Bergman e Cary no “Interlúdio”, de Hitchcock (Notorious, 1946), ambos frutos da iniciativa feminina, mal atrapalhados por uma ligação telefônica. Outro tributo ao mestre do suspense é a explicação irônica que Cary dá a Audrey sobre sua carreira de bandido, a qual lembra “O Ladrão de Casaca” (To catch a thief, 1955), também protagonizado pelo astro.
E para arrematar, os diálogos são extremamente bem construídos. “Sabe o que há de errado com você?”, pergunta Regina para um Cary arredio por ser paquerado por uma moça muito mais jovem que ele. “O quê?”, ele pergunta. “Nada.”, responde ela. É assim até a cena final, a qual, curiosamente, é tomada em “Uma linda mulher” (Pretty Woman, 1990) como metonímia do cinema clássico. Gary Marshall acertou em cheio: “Charada” realmente o é.

domingo, 9 de novembro de 2008

DUAS COMÉDIAS MUITO ENGRAÇADAS: “FLOR DE CACTUS” (1969) E “MINHA ESPOSA FAVORITA” (1940)

Os dois últimos filmes aos quais assisti não me fizeram perder tempo. Eu já sabia que o primeiro (“Cactus flower” é o título original) era uma comédia muito eficiente, então fui atrás dele, ontem de noite, quando estava precisando de minha ração de diversão. Como infelizmente nosso mercado de clássicos é, ainda, bem pequeno, eu o vi porque o descobri, por acaso, num desses fóruns de download de filmes que existem pela internet (Torrent do filme). O que primeiro me atraiu foi, como sempre acontece, o elenco, já que nunca tinha ouvido falar no diretor Gene Saks. Ingrid Bergman, Walter Matthau e Goldie Hawn – que ganhou um Oscar de atriz coadjuvante pela empreitada – co-atuam nessa fantástica comédia que, não sei como, conseguiu no IMDB a medíocre média 6,8.
O elenco consegue dar verossimilhança a uma imensa quantidade de ditos cômicos que, na mão de um grupo menos afinado, faria com que o resultado ficasse medíocre. Para isso, o trabalho do diretor é fundamental, e ele usa boas estratégias para dar um sopro de vida às personagens. A longa seqüência inicial da mocinha que deixa uma carta na caixa do correio, volta para casa, tranca portas e janelas e tenta suicídio é cinematograficamente muito bem feita.
Através unicamente da imagem, vemos que a moça é uma típica jovem suburbana, e está apaixonada por um homem mais velho, que a deixou plantada a sua espera, e por isso ela decide pôr fim à existência. A interação verbal só é estabelecida depois que o vizinho a salva e, ao fazer respiração artificial na moça, é agarrado por ela. Nesse momento, o espectador percebe algo que o casal só perceberá nos últimos minutos do filme –a moça é talhada muito mais ao rapaz que ao homem sisudo cuja foto ela beijou antes de tentar se matar. Do mesmo modo como percebemos que o lugar do dentista é junto da rígida secretária, tão espinhosa quanto o cactus que lhe pertence, e que acaba por desabrochar junto com a personagem e com a atriz – a qual, depois de ter sofrido desgraçadamente nos papel da princesa Anastácia, Joana D’Arc, Hedda Gabler e outras heroínas trágicas, recebeu aqui o que foi, até onde eu sei, o seu único papel cômico.
O modo como a Ingrid se desincumbe dessa tarefa por si só faz com que o filme seja digno de atenção, mas essa é apenas uma das características positivas do filme, que deixa de lado o romance meloso para pintar com humor a história do dentista solteirão que, para fugir do casamento, faz a namorada idealista acreditar que ele é casado e pai de três filhos. A atriz iniciante (essa é a primeira fita de Goldie Hawn) está à altura dos maduros e experientes protagonistas, como a amante paradoxalmente cheia de princípios, que ao temer pelo futuro da esposa do dentista, por quem se afeiçoa – a secretária é coagida pelo chefe a fazer esse papel – acaba jogando a espinhosa mulher no colo do amante. Além dos achados cômicos, o humor está na ironia da situação – embora todos anseiem por aventuras, é possível se realizar num relacionamento maduro, baseado no companheirismo e em pequenos gestos, como o de fazer um sanduíche de galinha e ovo para o ser amado...

Outro filme que se sustenta por meio de um quiprocó é “Minha esposa favorita” (“My favorite wife”), esse já lançado por aqui (mas caaaro...) que trás Irenne Dunne e Cary Grant nos papéis principais como um casal que, depois de quatro anos de vida em comum, é separado pela aparente morte da mulher – apenas aparente, já que, no exato momento em que o juiz bate o martelo para declará-la oficialmente morta, ela cruza, vivíssima, o portão de sua casa. O que seria o fim de um problema para o casal torna-se apenas o início quando a esposa descobre que seu marido acabara de se casar com outra. É a partir daí que ela vai colar no esposo – que efetivamente a ama – para que ele resolva o impasse, o que se torna difícil porque ele é um tipo cheio de princípios, que não sabe como abandonar a sua segunda mulher.
Aqui também os ditos cômicos – “Aposto que você diz isso para todas as suas esposas.” é apenas um deles – têm um casamento perfeito com as ótimas seqüências visuais, que não precisam de palavras para se efetivarem. Exemplos são a cena dos pais que assistem orgulhosos aos filhos repetirem uma infinidade de vezes as lições que aprenderam – o que deixa a segunda esposa profundamente irritada; ou a reação do marido depois de descobrir que a esposa, durante os sete anos que estivera perdida, vivera numa ilha com um homem bonito e atlético. Além disso, o filme teve para mim uma graça especial porque descobri, nele, uma interlocução com “Operação Cupido” (1998) – filme a que eu sempre assisto com nostalgia por me remeter à minha adolescência: o nome do personagem de Cary – Nick – é também o de Dennis Quaid; a cena do elevador, em que o marido vai se inclinando, conforme a porta se fecha, porque vê a esposa (ex-esposa, no caso do último); o nariz machucado do protagonista, do qual a protagonista cuida (embora ela o faça de um modo muito menos delicado em “Minha Esposa Favorita”); o “nothing, nothing at all” pronunciado pelos filhos dos dois casais.
O filme é irresistível, e vale quanto custa.

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

A BARONESA TRANSVIADA

Neyde Veneziano afirma, em “Não adianta chorar: o teatro de revista brasileiro... oba!”, que, a despeito do afã brasileiro de imitar tudo o que se produzia nos Estados Unidos, no que toca ao cinema nacional nós deixamos de lado a cópia em prol do escracho.
A verdade dessa afirmação é verificada tão logo vemos um filme da Dercy Gonçalves. “A baronesa transviada” (1957) é um bom exemplo de produção que se aproveita do ritmo das comédias musicais norte-americanas para subvertê-lo com elementos muito brasileiros. A influência do nosso teatro de revista é patente, e ela é temperada com algumas características do gênero melodramático, que são, no entanto, sempre lidas sob a óptica da comédia. Dercy é Gonçalina, “enjeitadinha” desde o berço, que se descobrirá herdeira de uma baronesa que está com o pé na cova. Aliás, os eufemismos utilizados pelos personagens para se referirem à morte são impagáveis: “apitar”, “ir pras cucuias”, “esticar os cabos”, “bater o pino”, “arriar as canelas”, e o inacreditável “fritar o bolinho para viajar”, pronunciado por Grande Otelo, foram os que eu consegui anotar. A exploração de palavras da mesma raiz também garante algumas risadas, como as informais “pinta grossa” (?) e “pinta brava” (pessoa que inspira receio), que aparecem enquanto procuram a filha da baronesa, cujo sinal de reconhecimento é uma pinta que a menina tem “dividindo a alcatra”.

Depois de ter lido uma porção de mágicas, vaudeviles, revistas e revistas de ano, eu pensei que já tinha visto tudo em matéria de exploração de duplos sentidos e metáforas sexuais, mas estava muito enganada até ontem. O “bacalhau com rabanada” que a nova baronesa oferece ao seu convidado é o píncaro da esculhambação – se é que eu posso dizer assim...
Os tipos são também nossos. As comédias musicais hollywoodianas têm as mocinhas puras e os galãs apaixonados – que ocupam o papel de protagonistas – e os bobalhões. Nós temos o português, que explica, por meio de seu acento característico, que jogou a filha da baronesa no lixo para se desfazer dela – e nem sequer pensou na possibilidade de alguém encontrá-la; o “mão quebrada”, parente da baronesa que tem um "defeito" na mão, e gera um rebento saltitante e com voz afeminada; o negro Benedito, pequenino e muito matreiro. Também temos nossa versão da garota ingênua e apaixonada, mas quem dá as cartas na comédia não é ela, e sim nossa protagonista escrachada, que dança com Humberto Catalano um tango desengonçado numa época em que Fred Astaire e Cyd Charisse fascinavam as telas com seus românticos números de dança.
A história corre, por vezes, de modo artificial, devido à preocupação dos artistas com a pronúncia atenta de cada palavra – o que se deve à influência dos palcos – e à enorme quantidade de gags. Os números musicais não têm, na maioria das vezes, uma boa integração com a história. Mas alguns personagens são muito divertidos, as músicas são bacanas, e a Dercy Gonçalves é a Dercy Gonçalves. O filme vale muito a pena. Sobretudo para que possamos conhecer uma época do cinema nacional em que o público ia em peso ver as produções.


terça-feira, 4 de novembro de 2008

O AMOR E O ÓDIO NA TERRA DO CINEMA: OS TÍTULOS PASSIONAIS QUE DAMOS AOS FILMES NORTE-AMERICANOS. PARTE I – O AMOR.


Continuo o trabalho, agora discutindo, não tão exaustivamente, a exaustiva adjetivação com que brindamos (nós? ou os portugueses?) os filmes norte-americanos que aportam por aqui. Do amor ao ódio, uma vasta gama de sentimentos acomete os responsáveis pelas versões em português dessas fitas. E, o que é mais engraçado, isso tudo é, não raras vezes, banhado pela tinta do sensacionalismo. É assim que substantivos próprios ou comuns, ou então frases curtas sem adjetivos, dão cria a orações inteiras, compostas de sujeitos, verbos etc., etc., etc. “Alice Adams” (1935), no qual Katharine Hepburn estrela no papel da mocinha pobre que almeja, num só tempo, amor e ascensão social, é entre nós conhecido como “A mulher que soube amar”. O título faz com esse filme o mesmo que “Jejum de amor” faz com “His girl Friday” – constrói expectativas falsas no espectador, uma vez que a jovem Alice está algo distante do estereótipo da moça romântica que sofre um amor intenso e submisso pelo moço rico. Ela é, sim, calculista a ponto de manipular toda a família de modo que esta encene o papel de emergente para que o moço seja cativado. A cena do jantar é formidável por representar a ironia da situação: é verão, e o moço é convidado pela namorada a experimentar uma infinidade de pratos pouco digestivos para a estação, servidos pela empregada que só faz praguejar. Aliás, a quebra de expectativas gerada pela tradução em português do título levanta algo que eu discutia com um amigo outro dia. Será isso fruto do descaso que os tradutores têm com o produto com o qual trabalham – nesse caso, considerado meramente como produto, destituído do rótulo de “arte” que tem a literatura, a qual usualmente merece deles um pouco mais de atenção? Ou então isso é feito para que o mercado seja atingido com mais impacto? Ambas as coisas são possíveis...
Também da Katharine (1955) é o belíssimo “Summertime”, história de uma secretária já madura que é atingida em cheio pelo grande amor numa viagem que faz à Veneza. Entre nós, o subtítulo é explicativo “Quando o coração floresce” (ou “florece”, de acordo com o que está estampado na embalagem da caríssima versão brasileira do filme, lançada pela Continental). Outro mais que explicativo é “Brigadoon”, bonito musical fantasioso de 1954, que também narra a história do grande amor, algo sublinhado pelo esquisito título “A lenda dos beijos roubados” com que o conhecemos – provavelmente escolhido por alguém que tinha acabado de ler um dos volumes açucarados de “Bianca”. “Young at heart” (1954) é outro que merece ser mencionado. O nome alude à canção homônima que foi um grande sucesso de Frank Sinatra. Não por acaso, o filme estrela o cantor/ator, que faz par romântico com a encantadora cantora/atriz Doris Day. A canção título (“Jovem de coração”), que é a música resultante de um longo trabalho de auto-descoberta do personagem problemático representado por Sinatra, é desconsiderada pelo gênio que deu título na tradução em português. Aqui o filme chama-se “Corações enamorados”.

Deixemos, agora, o amor por sentimentos menos arrebatadores... “Holiday” (1938) é um outro filme de Katharine Hepburn do qual nossa língua abusou. “Boêmio encantador” é o título, alusão ao personagem de Cary Grant, que, embora encantador, nada tem de boêmio. É, sim, crítico à sociedade que almeja unicamente o acúmulo de bens – mote que deixaria o romance insosso não fosse a genialidade de George Cukor, que o transforma, creio eu, num dos filmes mais bonitos e engraçados de todos os tempos. O pobre Cary também virou entre nós “O eterno pretendente”, numa fita de 1945 intitulada “Once upon a time” – título, diga-se de passagem, muito mais condizente com a fábula da lagarta dançarina que se transforma em borboleta, uma vez que o filme não retrata nenhuma história de amor. Sem comentários...

Continuando, “State Fair” é aqui conhecido por “Feira de Ilusões” (isso no plural, já que duas versões do mesmo – 1945 e 1962 – foram lançadas no Brasil). “The Philadelphia story” (1940) – outro com Katherine Hepburn e Cary Grant (elenco engrossado ainda mais por James Stewart), também dirigido por George Cukor – a maior comédia de todos os tempos, creio eu, ganhou de nós o nome de “Núpcias de escândalo” (e dos portugueses, o título de “Casamento Escandaloso”, segundo consta no IMDB – esse é o único filme do grupo para o qual encontrei registro dos títulos atribuídos no Brasil e em Portugal). Embora o casamento em questão efetivamente engendre um escândalo, quem já viu o filme sabe que esse não é, de modo algum, o único tema em questão no “História da Filadélfia”, daí a novamente pobre escolha do título.

E, para ainda uma vez provar que essas esquisitices não acontecem apenas com os produtos da era de ouro do cinema, cito o “When Harry met Sally” (“Quando Harry conheceu/encontrou Sally”, 1989), o já bastante conhecido entre nós “Harry e Sally: feitos um para o outro.”

A próxima postagem apresentará sentimentos menos doces.

domingo, 2 de novembro de 2008

O AMOR ESTÁ NO AR!: OS TÍTULOS PASSIONAIS QUE DAMOS AOS FILMES NORTE-AMERICANOS

Quando penso nas versões em português para os títulos dos filmes norte-americanos, me vem de imediato à mente a imagem da nossa Carmen Miranda, de lábios vermelhos e vestida em cores tropicais, beijando freneticamente o americano bobalhão de meia idade do filme “Entre a Loura e a Morena” (1943).
Não foi difícil encontrar duas dúzias de exemplos que provam o fato. Em dez minutos, minha busca comprovou que, se temos uma palavra favorita, ela não é outra senão o substantivo “amor”, que intitula indistintamente, e com a mesma ênfase, comédias descabeladas (as “screwball comedies”, gênero que floresceu nos anos de 1930 e 1940), comédias românticas, comédias musicais e dramas. “Jejum de amor” é o título em português para uma das comédias mais afiadas a que eu já assisti, “His girl Friday” (1940), de Howard Hawks, na qual um casal de jornalistas divorciados brigam durante duas horas para impor suas opiniões, tendo como pano de fundo um caso sensacionalista de assassinato, ao qual o personagem de Cary Grant (o dono do jornal), ajuda a botar mais lenha. Nesse caso, quem procura o filme porque se sentiu atraído pelo título em português é que vai ficar em “jejum”...
E tem mais, “O amor custa caro” intitula o “Intolerable cruelty” (2003) dos irmãos Cohen (diretores de “Onde os fracos não tem vez”, apenas para citar o mais premiado) filme tão ágil quanto “His girl Friday”, com direito até a uma perseguição na qual o bandido asmático se mata com um tiro na boca pensando aplicar em sua garganta o medicamento contra as crises da doença. “Bell, book and candle” (Sino, livro e vela - 1958), comédia romântica com James Stewart e Kim Novac cujo título norte-americano remete às bruxarias da personagem principal, transformou-se entre nós em“Sortilégio do amor”; “Desk set” (1957), outra comédia da década de 50, em que atua o inesquecível casal Katharine Hepburn e Spencer Tracy – os quais têm como coadjuvante o bisavô do site de busca “Google” – ganhou o nome de “Amor eletrônico”; “Dancing lady”, no qual a dama dançarina do título é interpretada por Joan Crawford (!), chama-se aqui “Amor de bailarina”; “The Barkeleys of Broadway” (1949), fascinante película de Ginger Rogers e Fred Astaire, cuja história remete à vida de Ginger (a comediante Sra. Barkeley, para se firmar como atriz “séria”, leva aos palcos um drama que conta a história de Sarah Bernhardt – semelhante ao que fez a Sra. Rogers, que recebeu um Oscar pelo drama “Kitty Foyle” depois de ter feito oito comédias musicais com o Sr.Astaire), é intitulada, no Brasil, “Ciúme, sinal de amor”; “Anchors aweigh”(1946), divertido musical dos anos de 1940 no qual figuram Frank Sinatra e Gene Kelly como dois marinheiros, é chamado por nós “Marujos do Amor”; o recente drama musical “Moulin Rouge” (2001) – entre nós conhecido como “Moulin Rouge: oamor em vermelho”, é outro exemplo; sem falar no maravilhoso filme do mesmo gênero “West side story” (A história do lado oeste - 1961), aqui conhecido por“Amor Sublime Amor”. Como a lista é maior do que eu imaginava, discutirei em seguida os títulos que abusam dos adjetivos ou frases altissonantes.

O FILME QUE EU VI ONTEM: INTERMEZZO (1936)


Ontem vi um filme que tinha intenção de assistir havia muito tempo, mas, considerando que ele ainda não foi lançado no Brasil (e aposto que não será, já que nosso mercado de clássicos é bem pequeno), e que as importações estão cada vez mais custosas, peguei um atalho e baixei o filme pelo Emule (que foi, definitivamente, a minha mais importante descoberta do ano). Embora o download tenha demorado uma semana, não perdi meu tempo. Primeiro, porque é sempre um prazer ver a Ingrid Bergman – uma das minhas atrizes favoritas e a grande atriz de cinema de todos os tempos, penso eu – aqui, no auge de sua juventude e beleza conferidos pelos seus 20 anos. Depois, porque esse foi o filme que fez a atriz sueca visível aos grandes de Hollywood, tanto que, três anos mais tarde, ela rumou aos Estados Unidos para a refilmagem da história, que a propósito, foi lançada no Brasil. Daí em diante, quem se transformou em história foi a Ingrid...
A premissa não é grande coisa: uma jovem pianista apaixona-se por um violinista vários anos mais velho, com família e filhos; depois de viverem um idílio, no qual a paixão mútua e o amor pela música se misturam, a moça decide exercer o ato abnegado de deixar o amante para que ele retorne à família.
Mas a história é muito bonita. Há nela sutileza (é disso que eu sinto falta nos filmes recentes): na expressão do amor que a filhinha nutre pelo pai, sempre regado por um pouco de tristeza; na dedicação da esposa do violinista para com sua família; no amor algo idealizado da jovem pianista pelo violinista; no uso da música – o “intermezzo” do título – que lembra o violinista da família e serve à personagem de Ingrid como índice de que o coração do amado não lhe pertence totalmente. E, por fim, a imagem tem uma qualidade muito superior a da versão norte-americana do filme. Enfim, na minha opinião, vale a pena.